Como libertar-se de uma armadilha política demoníaca?

Por Frei Marcos Sassatelli

Nas eleições para presidente da República do Brasil deste ano, o Povo caiu numa armadilha política demoníaca. Os opressores – lembra-nos Paulo Freire – estão hospedados (e muito bem hospedados) na cabeça dos oprimidos. Sem querer negar a responsabilidade individual das pessoas – que é sempre situada e datada – na maioria das vezes, os oprimidos pensam e agem com a cabeça dos opressores, que – mesmo inconscientemente – são seus hóspedes.

É a dominação ideológica, que é a pior de todas, porque abre as portas para a dominação social, econômica, política, ecológica e cultural, incluindo a dominação religiosa, que – muitas vezes – legitima, em nome de Deus, as outras dominações.

No momento histórico que estamos vivendo hoje no Brasil, precisamos fazer dois questionamentos fundamentais.

  1. Primeiro questionamento: quem preparou – ou ajudou a preparar – essa armadilha política demoníaca para o povo?

Em primeiro lugar, é o Sistema Capitalista Neoliberal mundial, adorador do “deus dinheiro”, ao qual tudo é sacrificado, inclusive a vida do ser humano e da Mãe Terra. É um sistema estruturalmente desigual, injusto, violento, desumano e antiético, que às vezes (como no nosso caso) assume posições estremadas, ditatoriais e fascistas, defendendo claramente o porte de armas para a população, a pena de morte, a tortura, a ditadura e todo tipo de violência ou discriminação social.

Em segundo, são os Governos Municipais, Estaduais e Federais (Poderes Executivos, Legislativos e Judiciários), que se convencionou chamar de “Governos de direita ou centro-direita” e que – com sua práxis (unidade dialética de prática e teoria) política – defendem e fortalecem esse sistema iníquo e perverso.

Em terceiro, são também (infelizmente!) muitos membros de Governos Municipais, Estaduais e Federais (Poderes Executivos, Legislativos e Judiciários) Progressistas, que se convencionou chamar de “Governos de esquerda ou centro-esquerda” e que – embora digam que estão comprometidos com a construção do Projeto Popular (social, econômico, político, ecológico e cultural) – se deixam corromper, traem o povo e, por interesses pessoais e de grupos, acabam tendo uma práxis política igual ou pior que a práxis dos Governos Capitalistas Neoliberais.

Em quarto, são as Instituições da sociedade civil que, com sua práxis, defendem e fortalecem o Sistema Capitalista Neoliberal.

Em quinto e último lugar, são ainda (de novo, infelizmente!) as numerosas lideranças religiosas, como bispos, padres, pastores e outras, das Igrejas Católica e Evangélicas, que, com sua práxis – direta ou indiretamente (por ações ou omissões) – legitimam, em nome de Deus, o Sistema Capitalista Neoliberal. É o uso da Religião como alienação e “ópio do povo”. O comportamento dessas lideranças é simplesmente repugnante.

  1. Segundo questionamento: quais são os passos que devemos dar para que o povo se liberte dessa armadilha política demoníaca e seja vitorioso?

Em primeiro lugar, os Governos Progressistas desses últimos anos – liderados pelo PT – precisam fazer uma leitura – análise e interpretação – crítica de sua práxis política, reconhecendo não só as coisas boas, mas também os erros cometidos, que (mais uma vez, infelizmente!) são muitos.

Em segundo, as Forças Sociais Populares (Movimentos Populares, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, Partidos Políticos Populares, Conselhos de Direitos, Comitês de Direitos Humanos e outras Organizações Populares) devem deixar de lado ambições pessoais de lideranças e de grupos, se unir e se organizar em torno de elementos comuns possíveis – que poderão ser sempre aperfeiçoados e ampliados – para construir o Projeto Popular (social, econômico, político, ecológico e cultural) como Projeto alternativo ao Projeto Capitalista Neoliberal. Essas Forças Sociais Populares devem construir também o Poder Popular como Poder Serviço (sem ostentação e sem luxo) e não como Poder Dominação.

Em terceiro, as lideranças populares, com seus aliados e aliadas, precisam retomar – de maneira permanente – o trabalho de base, envolvendo, cada vez mais o povo na prática da democracia direta, através de Assembleias Populares, Congressos do Povo (em nível municipal, estadual e federal), Plebiscitos, Referendos e Projetos de Lei de Iniciativa Popular.

Em quarto e último lugar, devemos reconhecer – com todo respeito ao diferente – que, no processo de construção do Projeto e Poder Popular e no trabalho de base, a fé em Deus e em sua Palavra – se for verdadeira – não aliena e não é “ópio do povo”, mas é uma força que tem uma mística ou espiritualidade libertadora e uma luz que ilumina a nossa inteligência para que possamos entender melhor e mais profundamente o sentido da vida humana no mundo, em todas as suas dimensões, históricas e meta-históricas.

O Projeto de vida de Jesus de Nazaré – se for bem entendido e não interpretado de maneira distorcida e interesseira – é o Projeto mais revolucionário que existe. Jesus de Nazaré quer que todos e todas sejamos irmãos e irmãs. Ora, sem igualdade, justiça e partilha de tudo o que somos e temos, a irmandade é uma mentira, não existe.

A esperança se fortalece sempre mais, a luta continua e a vitória – dede já – é nossa. O bem vence o mal, o Reino de Deus vence o Reino das Trevas. “Coragem, eu venci o mundo” (Jo 16,33), ou seja, o mal do mundo.

Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 31 de outubro de 2018

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