Comunista pode comungar?

Pe. José Antonio de Oliveira

No calor da campanha eleitoral aparece de tudo. Tem muita gente que só quer provocar, alimentar a violência e a intolerância, espalhar mentiras, baixar o nível, confundir… Mas sei também que tem muita gente séria, bem intencionada, honesta, de fé, e que ainda está perdida, desorientada, sem saber o que fazer e como escolher seus candidatos…

Não vou gastar tempo e energia com o primeiro grupo. Até porque a maioria não quer saber, não ouve, não reflete e age muito mais pela antipatia, pela raiva, do que pelo desejo de contribuir com a vida e com a democracia. Mas quero me dirigir ao segundo grupo.

Não sou especialista e nem falo em nome da Igreja. Mas gostaria de contribuir com as pessoas cristãs que estão desorientadas e querem, honestamente, mais informações para votar com a consciência tranquila e com o compromisso de fortalecer a democracia.

Uma primeira grande dúvida de muitos é com relação ao comunismo. Como votar em comunista? Gostaria de iniciar esclarecendo que essa é uma tática já antiga. Quando houve tentativa de golpe contra Getúlio Vargas, que vinha dando mais condições à classe pobre e operária, uma das desculpas para o golpe era o perigo do comunismo. Estava sendo gestada a 2ª guerra mundial na Europa, envolvendo sobretudo os Estados Unidos e a União Soviética.

Quando aconteceu o golpe de 1964, num momento em que o Brasil estava numa boa caminhada, a principal desculpa foi também o perigo do comunismo. Tanto que a Igreja católica, em princípio, apoiou. Muitos católicos foram para a rua na famosa “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. O castigo veio rápido. Muita gente da Igreja, inclusive padres, leigos engajados e bispos, sofreu com prisão, exílio, tortura e até morte. Na época, a ameaça era Cuba.

Agora veio um período em que a classe trabalhadora ganhou aumento real de salário, direitos foram adquiridos, pobres tiveram maior acesso ao estudo e ganharam poder de compra. O que vem então? Claro! Outro golpe. Qual a desculpa? Qual o fantasma? Grande novidade: o comunismo. Agora é a Venezuela. São os fantasmas plantados. Não existem de verdade, mas assustam. Ou apavoram a muitos.

E o que é mesmo esse tal de comunismo?

Difícil resumir. Mas é um ideal que vem de muito longe. Platão, que viveu séculos antes de Cristo, já pregava uma sociedade igualitária, sem propriedade privada. Tudo em comum.

Jesus ensinava que uma forma radical de o seguir seria “vender todos os bens e dar aos pobres” (cf. Mc 10,17-22). Os primeiros cristãos assimilaram a proposta de Jesus: “Os que abraçavam a fé viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade” (At 2,44-45).

Nos séculos XII a XV, surgiram diversos grupos, inclusive de católicos, que pregavam a relativização da propriedade privada, a busca de uma vida simples e a necessidade de uma vida comunitária, onde todos deveriam trabalhar e conviver em igualdade.

A revolução industrial, dentro do sistema capitalista, trouxe o desenvolvimento pra muitos, mas boa parte da população passou a viver em condições de miséria e exploração. Por isso, muitos intelectuais começaram a propor alternativas ao capitalismo. Uma dessas foi o comunismo, que está no centro da teoria marxista. Marx parte do princípio de que há uma luta de classes, uma vez que a sociedade está dividida entre burguesia e proletariado. Uma classe que oprime e outra que é oprimida. Ele propõe o fim da propriedade privada e a igualdade baseada no fim das classes.

É claro que um regime desses não teria espaço no Brasil. A igualdade não existe, porque somos todos diferentes. O que se propõe é que haja menos desigualdade, porque há um abismo entre os muito ricos e os muito pobres, e igualdade de oportunidades, de tratamento.

Quanto à propriedade privada, ela é um direito. Mas os documentos da Doutrina Social da Igreja defendem que “sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”. Isso foi dito por vários Papas, reforçado por João Paulo II em discurso no México e na sua Encíclica Laborem Exercens, no número 15, quando diz ainda ser “inaceitável a posição do capitalismo ‘rígido’, que defende o direito exclusivo da propriedade privada” (LE, 15).

O que assusta a muitos é que onde o comunismo foi implantado ele veio acompanhado do totalitarismo e do ateísmo. Isso é um mal. Marx dizia que a “religião é o ópio do povo”. Só que, além de ser necessário olhar o contexto da época, século XIX, a verdade é que muitas vezes, de fato, a religião aliena e entorpece a mente das pessoas. Hoje, por exemplo, a bancada evangélica é uma das que mais vota contra o povo no Congresso. Muita gente usa a religião, o nome de Deus, a bíblia, a fé do povo para se enriquecer e conquistar poder. Exploram sem dó a religião e o povo simples.

Mas o comunismo como ideal não é antievangélico. Aliás, grandes bispos da Igreja no Brasil, como Dom Hélder Câmara, Dom Paulo Evaristo, Dom Casaldáliga e tantos outros já foram tachados de comunistas porque fizeram opção pelos pobres. Até eu já fui rsrs…

Algumas pessoas estão questionando: Manuela d’Ávila, filiada a um Partido Comunista, poderia comungar? Em primeiro lugar, ela se confessa publicamente cristã. Depois, comungar não é só receber a Hóstia consagrada, mas estar em comunhão com Jesus Cristo, seu Evangelho e seu projeto de vida. Tem muita gente que não é católica, mas vive a comunhão no compromisso com a justiça e com os mais necessitados. E quando Jesus celebrou a primeira Missa, deu comunhão para Judas, que o traiu, para Pedro, que o negou, para os discípulos que fugiram ou disputavam lugar de honra. E disse: “Tomai e comei”. Deu o cálice e disse: “Bebei dele TODOS” (cf. Mt 26,26-27). Não disse assim: “Comei os que estão preparados”; “tomai os que são dignos”. Mas TODOS…

E, quando o criticaram porque se misturava com os pecadores e até comia com eles, Jesus respondeu: “Não são os que estão com saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim para os justos, mas para os pecadores” (Lc 5,30-32). E nosso querido papa Francisco nos lembra: “A Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (Evangelii Gaudium, 47). Penso que Jesus e Francisco nos ajudam a entender.

Pe. José Antonio de Oliveira – pároco de Capela Nova Das Dores, MG

 

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