Coragem pastoral, em tempos de policiamento doutrinário

O artigo é escrito por ocasião da 5ª Assembleia pastoral da Arquidiocese de Belo Horinzonte, em resposta da ofensiva por parte da Igreja ligada à grupos conservadores que se opõe a abertura da Igreja à alguns grupos. Entre os citados, destaca-se os diversos arranjos familiares. 

Acompanhe artigo na íntegra: 

A Igreja pós-conciliar, nascida a partir dos pontificados de João Paulo II e Bento XVI, enfrentou duros caminhos de restauracionismo, tentando frear as aberturas promovidas pelo Concílio Vaticano II. Fruto desse restauracionismo, as nomeações de bispos alinhados às posturas mais conservadoras colocaram dificuldades na realização do espírito do derradeiro Concílio, apesar de suas evidentes realizações, tais como a liturgia e o avanço da teologia, em seu diálogo com o mundo moderno. A Igreja, nesse lugar, vai se fazendo em meio a ambiguidade do avançar no diálogo com o mundo atual e o retroceder às pretensas seguranças de uma tradição nascida na Idade Média. O Espírito, bem sabemos, sopra onde quer!

O alvorecer deste novo tempo pelo qual passa a Igreja, atualmente, com a eleição de Francisco como Bispo de Roma, suscitou novas esperanças de cumprimento daquilo que o Concílio discerniu, há meio século. Essas esperanças, no entanto, precisam se manter vivas diante da onda conservadora nascida entre os fiéis católicos. O processo restauracionista dos pontificados anteriores chegou ao seu cume ao alcançar as fileiras de parte do povo, como lugar de resistência à Igreja do Concílio Vaticano II e de um danoso policiamento doutrinário, descontextualizado da vida. Uma Igreja que anuncia a alegria do Evangelho, no entanto, desponta, apesar disso.

Na busca por responder às interpelações de nosso tempo, a Arquidiocese de Belo Horizonte, por ocasião da 5ª Assembleia do Povo de Deus, viveu um intenso momento de discernimento, ao longo de todo o ano de 2016. Esse discernimento foi uma tentativa eficaz de viver a colegialidade, como fundamental para uma Igreja que se reconhece como Povo de Deus, com verdadeira coragem pastoral.

Fruto da 5ª Assembleia, nasceu o Projeto de Evangelização: Proclamar a Palavra, dando continuidade ao dinamismo evangelizador que tem como epicentro a própria Palavra de Deus. Desse epicentro nascem as Diretrizes da Ação Evangelizadora, com seus dez compromissos, assumidos na etapa arquidiocesana da Assembleia, em 15 de outro. Das Diretrizes emergem os Planos de Ação Pastoral, nos âmbitos arquidiocesanos das Regiões Episcopais, Vicariatos Especiais, Paróquias e Comunidades.

Um dos compromissos que mais levantaram discussões, e que representa verdadeiro espírito de coragem pastoral, é o quinto, que diz respeito às famílias. Do cuidado que a Igreja arquidiocesana se comprometeu a dispensar às famílias, ninguém está excluído: todas as configurações familiares, que extrapolam a concepção nuclear de família, com especial sensibilidade à diversidade de identidades sexuais devem ser acolhidas e, evangelicamente, acompanhadas.

Com audácia evangélica, toda a Arquidiocese, colegialmente representada, fez opção por reconhecer a dignidade de todas as pessoas, sempre capazes de amar, ainda que vivam em relações que não correspondam ao ideal do ponto de vista doutrinal. Com esse compromisso, a Arquidiocese de Belo Horizonte, uma vez mais, torna-se protagonista de uma pastoral verdadeiramente comprometida com o diálogo com as questões de nosso tempo, abrindo caminho para que outras Igrejas Particulares também se inspirem e assumam um corajoso caminho evangelizador.

O sinal de que nossa Igreja Particular está atenta à voz de seu Mestre, para que lance as redes em águas mais profundas (cf. Lc 5,4), é a imediata resposta incomodada dos ultraconservadores, em diversas partes do mundo, ao Projeto de Evangelização: Proclamar a Palavra. A eles, só podemos, profeticamente, responder: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Fechais aos outros o Reino dos Céus, mas vós mesmos não entrais, nem deixais entrar aqueles que desejam. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Percorreis o mar e a terra para converter alguém, e quando o conseguis, o tornais merecedor do inferno, duas vezes mais que vós” (Mt 23,13-15).

Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail para contato: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

Artigo publicado originalmente no site Dom Total: https://www.domtotal.com/noticia/1109049/2016/12/coragem-pastoral-em-tempos-de-policiamento-doutrinario/

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