Já observaram como, muitas vezes, diante de novas narrativas, de novos conceitos que nos são apresentados, há uma tendência a dizer ‘eu já sabia’, ‘nós já fazemos isso com outro nome’, ou seja, de dizermos que para nós não é novidade e, com isso, não há nada a modificar.
Essa é uma lógica muito própria da condição da modernidade em que estamos inseridos: o novo não é novo, ou não é tão novo assim, é o antigo com novos nomes. Por que será que isso acontece? Podemos elencar muitas hipóteses. Por exemplo, pela própria dificuldade de modificar crenças e práticas, ou pela condição humana que nos faz naturalizar o ‘já conhecido’ e nos fecharmos ao ‘desconhecido’, ou ainda pelas incertezas que nos assombram diante de novos olhares, novas epistemologias, novas práticas.
Em 2009, o teólogo Victor Codina, escreveu sobre a importância de ‘desaprender’ algumas coisas a que estamos tão habituados que nos parecem naturais e estabelecidas. Neste artigo, Codina nos provoca a ‘aprender a desaprender’ algumas crenças, certezas, hábitos, que nos impedem de realmente experimentarmos a ventania da Ruah divina, sempre inusitada e provocante, mas também libertadora.
Ousamos seguir o caminho de Victor Codina e, dialogando com a espiritualidade libertadora, pensarmos um pouco sobre o que estamos precisando ‘aprender a desaprender’, no campo da espiritualidade, das práticas pastorais e eclesiais, das formas subjetivas e comunitárias de vivência das fés.
Vamos especialmente nos dedicar a um tema que o Papa Francisco vem trabalhando, nos conduzindo pelas mãos a uma metanóia, a um voltar-se às origens, não apenas das fontes cristãs, mas das fontes que nos trouxeram à vida, aos povos originários, à uma integração profunda entre pessoas-natureza-sociedade-cosmos. O tema que desejamos olhar, mesmo que de forma breve, será o da Igreja em saída.
O tema da Igreja em saída assumiu centralidade nos discursos do Papa Francisco desde o início de seu pontificado. Ele está explicitamente denunciando uma crença que precisa ser desconstruída. É necessário desaprender que há uma Igreja estável, definida, ahistórica, permanente, como se a graça divina fosse sem tempo e sem espaço. Sim, é uma crença presente nas muitas tradições religiosas, que confunde a inspiração fontal com estado de permanência, que confunde fidelidade com passividade pastoral.
A dinâmica de identidade e pertença à comunidade eclesial nos convoca a sermos atuantes, cidadãos ativos, criativos, motores de renovação e de conversão pois, movidos pelo Espírito. Mas, o que seria pensar de outra forma? Seria pensar em cidadãos sem o exercício da cidadania, que legitimam a clericalização e a hierarquia da submissão, e não da diakonia, do serviço.
O Papa Francisco nos exorta e sairmos em missão, a sairmos de estruturas consolidadas que se retroalimentam na acomodação, nos mesmos discursos internos, que se fecham aos tantos gritos de sofredores e sofredoras espalhados por todo o mundo, que não ouve o sofrimento da Mãe Terra. O mandato missionário de Jesus é uma convocação a sair em missão.
Sim, é possível que, ao ouvirmos esse novo clamor que nos chega pela voz do Papa Francisco, não percebamos o que é preciso desinstalar em nossas práticas pastorais e eclesiais. Essa pergunta precisa nos revolver, precisa revolucionar o que está acomodado e nos conduzir para fora, para as alteridades, para as muitas interlocuções presentes na história hoje mesmo. O Papa Francisco nos conduz para a missão, pois já sabemos as razões que nos enraízam no caminho cristão. É preciso, portanto, desaprender que apenas dentro da comunidade interna se realizam trocas, hermenêuticas, obras, orações, práticas pastorais. É tempo de darmos as mãos em todas essas dimensões. É tempo de aprendermos com as muitas tradições religiosas, com as muitas culturas, com as muitas possibilidades de pensar e de agir. É tempo de irmos ao encontro das confluências, assim como a água vai ao encontro dos rios, dos lagos, dos mares. Ela não deixa de ser água, ela vai se confluindo e abraçando a pluralidade cósmica.
Mas, o que vai acontecer quando realmente sairmos em missão? Vai acontecer a descoberta de novos olhares, vai nos desinstalar e nos ajudar a vivermos em comum+união, vai questionar certezas e nos abrir para novos conhecimentos, vamos experimentar a dinâmica das culturas vivas, criativas e revolucionárias. Vamos nos reconhecer frágeis, incompletas e, por isso mesmo, abertos ao novo que vai chegar.
Então, é preciso desaprender que em uma única comunidade eclesial se encontra a verdade absoluta. É preciso desaprender que memória e tradição são repetições conservadoras ou adesões silenciosas. Fidelidade e continuidade são diálogos com a própria revelação presente na história da humanidade. Portanto, ser fiel e perseverar na tradição não é um processo abstrato, é um processo histórico, assim como foi a encarnação do Verbo que se fez Carne.
E, seguindo o convite que nos chega hoje do Papa Francisco, aprendermos juntos que revelação é acontecimento constante, é experiência comunitária, é interpretação histórica e que nos convida ao momento presente. Ser Igreja em saída é estar presente, se deixar atrair pela história e dialogar com os desafios que forem apresentados, não sozinhos, mas sempre em comunidade, porque a vida é comunitária.
Convido o mestre Dom Hélder a nos inspirar neste caminho:
Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante.
Dom Helder Câmara
Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada
de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo.
Mais importante que escutar as palavras
é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio.
Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo.
O artigo do teólogo Victor Codina pode ser acessado aqui.