Em sintonia com o Sínodo: Por uma primavera eclesial

Por Jorge Alexandre Alves


Este texto é o primeiro de uma série que pretendo escrever sobre o desenrolar dos acontecimentos relacionados ao Sínodo para a Amazônia. Trata-se de um momento de grande esperança para a vida da Igreja. Como já foi dito em outra oportunidade, neste mês de Outubro somos todos testemunhas oculares do maior fato eclesial deste pontificado.

Essa percepção histórica sobre a relevância desta assembleia sinodal é compartilhada quase que universalmente dentro do catolicismo e fora dele. Internamente, as forças reacionárias, os fundamentalistas católicos, os opositores de Francisco sabem que, bloqueando as iniciativas presentes no documento de trabalho, inviabilizam as reformas proposta pelo Papa. Mais do que isso, eles compreendem que sabotar o Sínodo significaria estancar todo o processo de realinhamento com as intuições e o modelo de Igreja definido pelos padres conciliares e por São João XXIII no Concílio Vaticano II. Resumindo, eles desejam impedir que a barca de Pedro saia em definitivo do longo inverno eclesial, instaurado a partir de Outubro de 1978.

Nesse espírito, não devemos nos espantar com as articulações contra-sinodais que estão em curso neste momento. Chama muito a atenção que catolibãs estejam acompanhando (ou tentando – o acesso à sala sinodal é restrito) in loco os fatos. Seria muito interessante saber quem financia a viagem de grupos ou de indivíduos adultos para uma estada de três semanas em Roma. Jogaria enorme luz sobre aqueles segmentos do grande capital – sobretudo aqui no Brasil – que estão interessados em desestabilizar o atual pontificado.

Assim, devemos esperar toda sorte de deslealdades com generosas doses de desonestidade intelectual desses fundamentalistas. Ao mesmo tempo, não podemos subestimar seu poder de organização. Esses grupos contam com recursos financeiros, tecnologia e podem causar grandes perturbações. Eles estão preparados para tudo.

E começaram ontem mesmo sua campanha de ódio travestido de zelo religioso – Aliás não lembram um certo grupo com quem Jesus vivia se confrontando nos relatos dos Evangelhos? Já semearam o joio, distorcendo o sentido cristalino que o Pontífice imprimiu na homilia da Missa de Abertura do Sínodo. Francisco foi claro ao indicar para quem a Igreja deve ser solidária, e sobre como, ao não acolher os dons do espírito, corremos o risco de se servir da Igreja ao invés de servir ao Povo de Deus na construção do Reino.

Apesar do sermão transparente do Papa, uma cortina de fumaça é lançada sobre sua mensagem. Obviamente, esse tipo de coisa faz parte de uma estratégia que consiste em “ganhar a narrativa”. Constrói-se uma interpretação ambígua, distorcendo os fatos, a fim de usar as palavras do Bispo de Roma para se afirmar o que ele nunca quis dizer. Ou seja, é produzida uma narrativa que se coloca na contramão das afirmações de Francisco e, por mais absurdo que seja, usa-se o nome do pontífice para legitimar posições extremistas.

A criação desse verdadeiro pântano eclesial é proposital. É feita para confundir os agentes de pastoral, assustar o Povo de Deus e semear a cizânia na Igreja. A influência dessa gente é baseada na mentira, ou quando muito em “meias-verdades”. Ao se observar as redes digitais, fica evidente que esses neofariseus de falsa piedade, verdadeiros mensageiros do atraso, farão de tudo para sabotar o Sínodo Para a Amazônia.

As ações esdrúxulas dos catolibãs já deviam estar em nossas previsões. É um último gesto desesperado de quem sabe que as mudanças serão inevitáveis com Francisco. Na verdade,  quem poderá causar mais prejuízo à agenda sinodal são os opositores de Francisco no Sínodo. Estes estarão todo o tempo na aula sinodal. Não devemos esquecer que as resistências mais significativas a várias proposições dos Sínodos para a Família e para a Juventude partiram de dentro das próprias aulas sinodais.

A nota de preocupação está na aparência cansada do Sucessor de Pedro. Sobre seus ombros está o peso de uma Igreja que precisa voltar às suas origens evangélicas e se libertar de suas amarras clericais. O Papa está fazendo um esforço sobre-humano com essa assembleia sinodal. Ele sabe que não podemos desperdiçar essa grande oportunidade de dizer ao mundo uma palavra de esperança e de justiça. O planeta está com os olhos voltados para Roma.

Contudo, o começo deste Sínodo carrega muitos sinais de esperança. A mensagem trazida por Francisco na homilia ontem é a primeira delas. A defesa intransigente que o pontífice faz dos indígenas é profética. O Papa sabe muito bem o que está em jogo na Igreja. E não fará concessões aos paladinos da hipocrisia.

O Bispo de Roma condenou o colonialismo ideológico e as tentativas de domesticação dos povos originários. Vale destacar o quanto foi emblemática a sua resposta aos comentários maledicentes sobre o ornamento usado pelo indígena que participou do ofertório na missa de abertura do Sínodo ontem. Francisco, foi categórico: “Me entristeceu ouvir, aqui mesmo, um comentário sarcástico sobre um homem devoto que carregava oferendas com plumas na cabeça. Me digam: qual é a diferença entre ter plumas na cabeça e o chapéu de três pontas utilizado por certas hierarquias em nossos dicastérios?”

Será muito bom observar o protagonismo dos bispos amazônicos durante as aulas sinodais. Certamente, a experiência pastoral desses prelados poderá oferecer uma grande contribuição para toda a Igreja do Brasil. Não seria fora do normal ver membros dessa parcela do episcopado à frente de outras importantes dioceses brasileiras fora da região amazônica nos próximos anos.

Existe uma grande expectativa sobre os debates sinodais a respeito das mulheres e da condição feminina na Igreja. Aqui ainda não há muita certeza sobre como os bispos discutirão esse tema. Infelizmente aquela malfadada expressão “ideologia de gênero” foi uma criação católica. E muita gente honesta assumiu essa expressão perversa como verdade. Os especialistas e peritos terão um grande desafio aqui. Que sejam bem-sucedidos no combate ao machismo que se consagrou em não poucos ambientes eclesiais e que isso apareça como sopro do Espírito nas aulas sinodais.

Também podemos afirmar que a articulação que se produziu no processo de preparação sinodal não se encerrará nele. Ela será permanente, e se estenderá para além das questões amazônicas, envolvendo todos os que estão comprometidos com o seguimento de Jesus, com o anúncio do Reino e com uma Igreja em saída. A consolidação dessa rede “pós-amazônica” gerará bons frutos para a ação da Igreja no Brasil. E poderá contribuir com um efetivo resgate dos fundamentos pastorais previstos no Concílio Vaticano II e nos documentos da Igreja latinoamericana e caribenha.

Em meio a tantas sombras, o Sínodo para a Amazônia começa envolvido pela esperança de transformação eclesial. Isso gera em todas as pessoas de boa vontade a expectativa ver uma Igreja solidária, profética e servidora. Que nessa primavera sinodal se realize a exortação de Jesus feita no sermão da montanha: “Vós sois o sal da terra a e luz do mundo!”

*Jorge Alexandre Alves é Sociólogo e Professor do IFRJ. Possui mestrado em Educação pela UFRJ. Foi catequista do Crisma e da Pastoral da Juventude e hoje atua no Movimento Fé e Política.

Foto de capa: Remo Casilli – Reuters

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