A Igreja católica, desde o primeiro momento se posicionou como um dos grandes aliados dos atingidos pelo crime de Brumadinho. O Papa Francisco, em maio de 2019, menos de 4 meses depois da tragedia, enviava o secretário do Dicastério para o Desenvolvimento Integral, Dom Bruno-Marie Duffé, expressando a solidariedade da Igreja com os atingidos, celebrando uma missa e fazendo uma homenagem às vítimas.
Ao ser comemorado o primeiro aniversário do crime, o Papa Francisco enviava um vídeo onde orava pelas 272 vítimas e lamentava a contaminação da bacia do Rio Paraopeba. A Arquidiocese de Belo Horizonte, especialmente Dom Vicente Ferreira, um dos seus bispos auxiliares, tem se tornado uma presença samaritana para o povo de uma região que o crime mudou completamente sua vida cotidiana.
Dom Vicente reconhece que o dia 25 de janeiro de 2019 foi o dia em que começou a viver uma conversão, assumindo a ecologia integral como bandeira de luta, denunciando a situação que o povo vive em foros nacionais e internacionais. Ele, que se mudou para Brumadinho, é um dos grandes impulsores da Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, que tem celebrado sua II edição de 18 a 25 de janeiro. Diante da situação que o Brasil vive em consequência da pandemia da Covid-19, a maioria das atividades tem sido de maneira virtual, ficando restritas as atividades presenciais aos familiares das vítimas.
Tem sido um evento marcado pela Ecologia Integral, um dos conceitos centrais da Encíclica “Laudato Si”. “Romaria nos lembra a condição de peregrinos, do povo de Deus que está a caminho, construindo a liberdade, buscando paz e justiça social. Neste sentido, a Romaria Regional pela Ecologia Integral a Brumadinho reforça a memória das 272 pessoas e, mais recentemente, de mais um irmão nosso, que também morreu soterrado por esse crime da Vale. É uma denúncia, uma exigência para que a reparação seja feita e para que a esperança de semear, lutar e buscar uma Ecologia Integral seja possível”, afirma Dom Vicente Ferreira.
Um momento marcante tem sido a missa celebrada na comunidade do Córrego do Feijão, presidida por Dom Vicente Ferreira, uma missa que o bispo definiu como uma prece coletiva por todos os falecidos, também por todos os que estão de luto pela pandemia do coronavírus. “Uma celebração muito difícil, mas ao mesmo tempo muito necessária”, em palavras do bispo auxiliar de Belo Horizonte, que lembrava que é momento para fazer memória de “um dia que marcou, foram 272 histórias arrancadas”.
O bispo pedia para “fazer da nossa voz um grito por justiça”, pedindo “reparação integral para todos os atingidos e atingidas”, aproveitando para denunciar o pacto existente entre o Governo do Estado de Minas Gerais e a Mineradora Vale. A missa acontecia no dia em que a Igreja celebra a Conversão de São Paulo, e nessa data, Dom Vicente Ferreira fazia um apelo, dado que somos cuidadores da casa comum, para uma “conversão urgente, necessária, não pode demorar”, insistindo em uma conversão ecológica, que nos leve a rever e refazer a nossa relação com a nossa Casa Comum.
Também ter consciência de que “a pesar de nossa dor e do nosso luto, Deus vai nos guiando”, afirmava Dom Vicente, que fazia um apelo a não se esquecer das vítimas, das pessoas que morreram. Essas vítimas foram lembradas, interrompendo a homilia que estava acontecendo, no momento em que se completavam dois anos do crime, 273 badaladas do sino, uma por cada vítima, sendo também lembrada a última vítima, Júlio César de Oliveira Cordeiro, soterrado na mesma mina em dezembro de 2020.
Diante das disputas existentes entre os habitantes da região em referência à mineração, Dom Vicente afirmava que a celebração era “momento de aumentar a nossa união”, fazendo um chamado para que “unamos os nossos corações para que a gente possa construir um mundo diferente”. Tudo isso a partir de uma força que “não vem do poder e do dinheiro, a força vem da nossa fé e nossa união”.
Na Romaria tem sido lançado o “Pacto dos Atingidos pelo Crime da Vale em Brumadinhos”. O documento, organizado pela Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário, da Arquidiocese de Belo Horizonte, elaborado em reuniões realizadas ao longo de dois anos, trata-se, como recolhe o texto, de “um documento construído coletivamente” por atingidos e atingidas de toda a bacia do Paraopeba, que “contém a denúncia de um crime que matou 272 pessoas e dos danos e violações de direitos humanos e ambientais ao longo de toda a bacia do Rio Paraopeba”. Mas também é um documento que faz propostas sobre como deve ser “a reconstrução dos territórios atingidos”, mostrando “o SONHO das comunidades em se libertarem do modelo de mineração predatória”, e ao mesmo tempo, “revela o COMPROMISSO com os princípios de uma Ecologia Integral, que coloca a vida acima do lucro”.
Estamos diante de um texto profético, que faz memória das vítimas, que promove caminhos de superação, justiça e reparação, tendo como pano de fundo que a esperança, a fé e o amor é o que os movem. É aí que os atingidos pelo crime da Vale encontram sua “resistência diária e cotidiana de enfrentamento à mineração”, defendendo uma Ecologia Integral, e pensam novos horizontes, com alternativas econômicas e um mundo muito melhor, diferente deste, onde a vida esteja sempre acima do lucro, como conta Marina Oliveira, atingida pelo crime de Brumadinho e uma das responsáveis pela organização da Romaria.
Fotos do facebook da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário