Igreja e Função Social da Propriedade

Por Gilvander Moreira

O filósofo francês Alain Badiou, no livro São Paulo: A fundação do universalismo, alerta: “O capital exige, para que seu princípio de movimento torne homogêneo seu espaço de exercício, o permanente ressurgimento de identidades subjetivas e territoriais, as quais, aliás, reivindicam apenas o direito de serem expostas, da mesma maneira que as outras, às prerrogativas uniformes do mercado” (BADIOU, 2009, p. 18). 

A luta do MST, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e de todos os movimentos sociais camponeses busca pressionar para fazer cumprir a Constituição Federal de 1988 (CF/88) que prescreve como um de seus princípios fundamentais o cumprimento da função social da propriedade da terra. Isto é, os latifúndios que não cumprem sua função social devem ser desapropriados (CF/88, art. 185). Carlos Frederico Marés afirma que o conceito de produtividade está contido no conceito de função social, que é mais abrangente. Diz ele: “No conceito de produtividade está embutido o conceito de função social, isto é, só pode ser produtiva uma gleba que cumpra todos os requisitos da função social e, portanto, merece um prêmio, isto é, produtividade para a Constituição é sempre sustentável e não se confunde com rentabilidade ou lucratividade” (MARÉS, 2003, p. 129).

E, qual o posicionamento da Igreja com relação à função social da propriedade da terra? Em contexto de desrespeito à dignidade humana e de superexploração da classe trabalhadora e da classe camponesa e diante da luta dos socialistas que defendiam a abolição da propriedade privada, reforçando a luta pelos direitos humanos fundamentais, a dignidade humana tem sido defendida pelo ensinamento social da Igreja Católica, expressa em várias encíclicas papais. Nessa perspectiva, rejeitando a tese socialista da abolição da propriedade, a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, de 1891, afirma que a propriedade, inclusive a dos bens de produção, é um direito natural. Porém, a propriedade tem uma função social e não se destina apenas a satisfazer os interesses do proprietário, significa, também, uma maneira de atender às necessidades de toda a sociedade. Desde 1891, os papas (re)afirmam ensinamento social semelhante em várias encíclicas: a Quadragesimo Anno, do papa Pio XI, de 1931; a Mater et Magistra, do papa João XXIII, de 1961; a Gaudium e Spes, documento do Concílio Vaticano II, de 1965, e a Populorum Progressio, do papa Paulo VI, de 1967, as quais afirmam que o conjunto de bens da terra destina-se, antes de mais nada, a garantir a todas as pessoas um decente teor de vida pelo conjunto de condições sociais que permitam e favoreçam o envolvimento integral de sua personalidade. A propriedade é um direito que comporta obrigações sociais.

O papa Francisco na carta Encíclica Laudato Si’ (Louvado Seja),  de 24 de maio de 2015, reafirma o destino comum dos bens como um princípio inarredável do ensinamento social da Igreja. Diz Francisco: “A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada. […] Sobre toda a propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu” (PAPA FRANCISCO, 2015,  n. 93). 

O papa Francisco transcreve na Encíclica Laudato Si’ o que disse os bispos do Paraguai na Carta Pastoral El campesino paraguayo y la tierra, de 1983: “Cada camponês tem direito natural de possuir um lote razoável de terra, onde possa gozar de segurança existencial. Este direito deve ser de tal forma garantido que o seu exercício não seja ilusório, mas real. Isto significa que, além do título de propriedade, o camponês deve contar com meios de formação técnica, empréstimos, seguros e acesso ao mercado” (PAPA FRANCISCO, 2015, n. 94).

Está na Constituição de 1988 a exigência de cumprimento da função social da propriedade fundiária, mas o Estado não cumpre a Constituição neste e em nenhum dos direitos sociais prescritos. Pior, dribla o tempo todo as leis que garantem os direitos sociais.

Belo Horizonte, MG, 04/01/2022.

Referências

BADIOU, Alain. São Paulo: a fundação do universalismo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.

MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003. 

PAPA FRANCISCO. Discurso do Papa aos Movimentos Populares. In: II Encontro Mundial dos Movimentos Populares com o Papa Francisco (Documento). Santa Cruz de la Sierra, Bolívia: Ed. Delegação dos Movimentos Populares brasileiros, p. 17-35, 2015.

Obs.: Os filmes e vídeos nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado indiretamente, acima, e especificamente sobre Iminência de brutal despejo na cidade de Betim, MG e a luta aguerrida da Comunidade para suspender o despejo e abrir Mesa de Negociação.

1 – Iminência de brutal despejo de 27 famílias no Beco Fagundes, Teresópolis Betim/MG. Vídeo 1 – 02/1/22

2 – Socorro! Demolir 27 casas de até 3 andares n Comunidade Beco Fagundes Teresópolis, Betim/MG? Vídeo 2

3 – “Despejo em Betim/MG é absurdo sobre todos os aspectos: ilegal, sem risco” (Dr. Ailton). Vídeo 3

4 – “Não há risco geológico nas 27 casas EM ÁREA PLANA, Beco Fagundes, Betim, MG.” (Dr. Edson). Vídeo 4

5 – “Que sabedoria é esta?! Que aula magna! Rei nu.” “É desumano nos despejar!” Betim, MG.” – Vídeo 5

6 – “Se derrubarem nossas 27 casas, nossa mãe morrerá, pois é acamada e hipertensa.” Betim/MG.” -Vídeo 6

7 – “Estou nesta casa há 14 anos, 3 andares, sem nenhuma rachadura. Por que despejo? Betim/MG.” -Vídeo 7

8 – “Suspendam o despejo em Betim, MG. Absurdo brutal. MESA DE NEGOCIAÇÃO, JÁ!” (Frei Gilvander)-Vídeo 8

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