Faleceu no dia 30 de dezembro Luiz Alberto Gómez de Souza, querido amigo de longa data, a quem conheci pessoalmente em 1978, mas que já conhecia de nome quando eu estava na JEC (Juventude Estudantil Católica) e ele na JUC (Juventude Universitária Católica), nos anos 1960. Eu o conheci no IBRADES, na volta do seu exílio, vindo do México. Ele foi meu orientador na dissertação de mestrado sobre direitos humanos que defendi no IUPERJ, em 1982.
Quando ele estava escrevendo sua tese de doutorado sobre a JUC, elaborou um texto memorável, publicado antes da tese, “Marco teórico sobre as relações entre Igreja e Sociedade”, onde recupera a análise crítica de Marx sobre a religião e também as reflexões de Weber. Seu artigo teve muita influência em vários outros autores que estudaram a Igreja católica e, de modo mais geral, a religião no Brasil – em mim, inclusive.
Luiz Alberto foi dirigente internacional da JEC e, depois, membro da equipe nacional da JUC. Foi neste período que conheceu D. Helder Câmara, bispo auxiliar do Rio de Janeiro. Em 1963, foi convidado a ser membro da equipe de assessores do bispo para o Concílio Vaticano II. No seu livro-biografia, “Um andarilho entre duas fidelidades: religião e sociedade”, D. Helder aparece como uma das figuras que marcaram sua vida: o “Dom”, como era chamado pelos próximos, era comprometido com os pobres e defendia com firmeza os leigos – especialmente os que faziam parte dos movimentos da Ação Católica -, naqueles tempos em que estes eram alvo de crítica por parte da maioria da hierarquia católica.
Em 1963, Luiz Alberto foi um dos três autores do livro “Cristianismo Hoje”, junto com Betinho (Herbert José de Souza) e o Pe. Cardonnel, dominicano, assistente da JUC. Este livro pode ser considerado um dos precursores da Teologia da Libertação: as ideias sobre o papel dos cristãos na transformação social estão lá, em seu embrião. Gustavo Gutierrez, iniciador da Teologia da Libertação com seu livro de 1971, dizia que se inspirou na experiência e na reflexão dos cristãos da JUC do Brasil.
Com o golpe militar de 1964, foi preso logo nos primeiros dias, com outros militantes cristãos, mas conseguiu ser libertado. Algum tempo depois, foi convidado para um trabalho no México e, em seguida, para o Chile, onde ficou vários anos, sobretudo após a decretação do Ato Institucional n. 5, em dezembro de 1968. Estava lá, em 1973, quando eclodiu o golpe de Pinochet contra o presidente Allende e pôde ajudar vários perseguidos a encontrar uma embaixada e fugir do país.
Viveu muitos anos fora do Brasil e voltou do México em 1977, quando foi convidado pelo padre Henrique de Lima Vaz a trabalhar no IBRADES/Centro João XXIII – espaço jesuítico sob a liderança dos padres Vaz, Ávila, Paulo Menezes e Libânio. Em 1979, graças a ele e a Vanilda Paiva – também parte da equipe – fui convidado a trabalhar num projeto sobre direitos humanos. Este instituto foi um lugar de reflexão e produção de ideias: os pesquisadores/as davam assessorias de formação por todo o país, além de organizar seminários, debates e publicações.
Entre fins dos anos 1970 e o início do século XXI, Luiz Alberto acompanhou, apoiou e contribuiu para a Igreja da Libertação, aquela de D. Pedro Casaldáliga, de D. Tomás Balduíno, de D. Paulo Evaristo Arns, rodando o Brasil, a maioria das vezes em assessorias solicitadas ao IBRADES. Era um intelectual orgânico das classes populares, oferecendo subsídios e animando as comunidades de base. Assessorou vários encontros intereclesiais de CEBs e sobre elas escreveu vários dos seus sempre instigantes artigos.
Em 1979, foi um dos assessores externos de alguns bispos brasileiros na Conferência Episcopal Latino-Americana de Puebla. Estes preparavam subsídios e elaboravam textos para ajudar os prelados. Junto com os Documentos de Medellín, o de Puebla é um marco da Igreja católica latinoamericana.
Luiz Alberto era militante de esquerda, mas muito crítico às organizações partidárias, devido a seu caráter centralista e autoritário e também crítico ao “socialismo real”. Certamente, a autora marxista que mais o inspirava foi Rosa Luxemburgo. Sobre ela escreveu um artigo que se tornou famoso nos anos 1980, “Partido e classe social: o debate Lênin-Rosa Luxemburgo”. Foi um entusiasta e divulgador do pensamento de Gramsci, sobre o qual escreveu vários artigos.
Foi um dos maiores intelectuais leigos cristãos neste período, na linhagem de Alceu Amoroso Lima (falecido em 1983) e de Cândido Mendes de Almeida, dos quais era amigo. A convite deste, aceitou coordenar o “Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião” na Universidade Cândico Mendes (UCAM), onde organizava regularmente seminários. Em 2013, poucos meses após a eleição do Papa Francisco, pude assistir a um debate sobre as perspectivas do novo pontificado, para o qual convidou D. Tomás Balduíno, que se manifestou admirador do novo pontífice e cheio de esperança em relação aos avanços que Francisco traria para a Igreja.
Durante esta longa trajetória, a seu lado, esteve Lúcia Ribeiro – também socióloga -, companheira desde a JUC e mãe de seus três filhos, passando pelo exílio no México, no Chile, na França e vários outros lugares. Lúcia veio a fazer parte da equipe do Iser Assessoria, onde estivemos juntos por mais de vinte anos. Ela fez pesquisas sobre mulheres, inclusive uma específica sobre mulheres das CEBs e direitos sexuais e reprodutivos: foi uma das precursoras no debate, dentro da Igreja Católica, sobre interrupção voluntária da gravidez, e tomou posições corajosas, numa época em que este tema era tabu. Uma pessoa competente, doce, amiga, dedicada, sempre uma unanimidade em nossa equipe.
Nos anos 1970, por iniciativa de Frei Fernando, Frei Betto e eu, formamos um grupo de reflexão de teólogos/as e leigos/as sobre a Igreja Católica no Brasil -entre os quais Leonardo Boff, João Batista Libânio, Carlos Mesters – que, mais tarde, chamamos de grupo de Emaús. Luiz Alberto passou a fazer parte deste grupo logo nos primeiros anos, com uma presença marcante, provocadora, instigante. Sobre a história deste grupo, falaremos em outra ocasião.
Nos últimos anos, Luiz Alberto foi um duro crítico do golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, do governo Temer e, especialmente, do governo Bolsonaro. Frente à difícil situação política que vivíamos (e vivemos), propugnava uma Frente Ampla de todos aqueles que fossem defensores da democracia.