Enquanto, na Bíblia, o Eclesiastes, um dos livros sapienciais, relativiza cada tempo, Jesus propõe que busquemos sempre discernir o que ele chama de “sinais do tempo presente” e agir de acordo com os desafios do momento. Nesses dias, o Catolicismo popular faz milhares de pessoas viajarem de suas casas até santuários como o de Trindade ou do Bom Jesus da Lapa. A fé faz os fieis superarem todas as dificuldades e deixarem tudo para, através do gesto de caminhar até o santuário e cumprir sua devoção.
Do mesmo modo que a peregrinação é um dos mais antigos atos religiosos nas mais diferentes tradições, também o ato de parar as atividades e fazer greve tem uma dimensão espiritual. As antigas religiões orientais propõem a quietude e até a imobilidade, como atos proféticos, diante da agitação e quando não se sabe como reagir às provocações do mundo opressor. Na cultura judaica, o termo shabbat designa o sábado, dia sagrado do descanso. Mas, mesmo no hebraico moderno, esse termo também significa “greve” como direito sagrado dos trabalhadores. Os profetas bíblicos sempre se insurgiram contra os que impedem os trabalhadores de parar quando isso é o direito deles. Se o dia consagrado e os cultos religiosos não têm como fundamento o cuidado com a justiça e a preocupação com os direitos dos pobres, eles são idolátricos e fazem Deus afirmar: “O país de vocês está devastado, as terras são devoradas por estrangeiros. A realidade é de desolação. O que me interessa a quantidade dos seus sacrifícios religiosos? (…) Quando vocês vêm à minha presença e pisam no santuário, quem exige isso de vocês? Parem de fazer cultos inúteis. Para mim, o incenso é algo nojento. .. Não suporto injustiça junto com festa religiosa… Quando vocês erguem as mãos para mim, eu desvio o olhar. Ainda que multipliquem suas orações, eu não escutarei” (Isaías 1, 7 e 12- 15).
Nesses dias, em todo o Brasil, de uma forma suprapartidária, os movimentos de trabalhadores do campo e da cidade, centrais sindicais, pastorais sociais e toda a sociedade civil organizada, concordam que a realidade que o nosso país enfrenta exige uma reação de todo o povo. Por isso, planejam mais uma greve geral. É a continuação da paralização ocorrida no dia 28 de abril, que contou com o apoio de mais de cem bispos católicos, de várias Igrejas evangélicas e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs. Nessa sexta feira, 30, a greve vai parar o país. Milhões de pessoas irão às ruas para gritar contra as medidas tomadas pelo governo que rouba direitos conquistados dos trabalhadores e entrega as riquezas nacionais a corporações estrangeiras.
No contexto atual brasileiro, essa convocação para a greve geral é um apelo para a responsabilidade de todos no destino do país. Ao parar os trabalhos e mesmo sair às ruas para exigir mudanças na realidade social e política do país, as pessoas estarão afirmando que, mesmo com toda a anestesia social provocada pelos grandes meios de comunicação, a preocupação com o bem comum, o exercício da cidadania e a fraternidade humana continuam vivas.
Conforme o evangelho, quando Jesus entrou em Jerusalém para celebrar a Páscoa, a multidão de peregrinos o aclamou como o enviado de Deus para libertar o povo dos seus opressores. A expressão Hosanah que era a aclamação litúrgica de um salmo podia ser compreendida como o grito: Liberta-nos! Lucas conta que, ao verem que aquela peregrinação tomava o caráter de manifestação política nas ruas, alguns mestres da religião disseram a Jesus para mandar os discípulos e o povo se calarem. Jesus lhes respondeu: “Se eles se calarem, até as pedras gritarão”(Lc 19, 40). Certamente, essas palavras de Jesus servem para descrever a realidade atual brasileira e a responsabilidade de todo o povo gritar por mudanças. Quem tem fé pode acreditar que o Espírito de Deus que conduziu o povo bíblico da escravidão a uma terra livre, agora, impulsiona os grupos sociais e as pessoas que têm fome e sede de justiça para a felicidade de realizar o projeto divino nesse mundo.
Marcelo Barros