“O Sínodo significa uma valorização, atenção, escuta, que a Igreja está fazendo com nós, indígenas da Amazônia”. Entrevista com Mariluce Mesquita, salesiana e auditora sinodal

Por Luis Miguel Modino


As vocações indígenas é uma realidade cada vez mais presente na Igreja da Amazônia. Na região do Alto Rio Negro, onde os salesianos chegaram em 1915, hoje nos encontramos com um bom número de salesianos e salesianas que fazem parte dos povos do local. Uma dessas vocações é a Irmã Mariluce Mesquita, Filha de Maria Auxiliadora, nascida no distrito de Pari Cachoeira, na fronteira entre a Colômbia e o Brasil, no Rio Tiquié.

A salesiana, que pertence ao povo bará, tem sido escolhida como uma das auditoras do Sínodo para a Amazônia, que no próximo domingo, 6 de outubro, inicia sua assembleia, que vai reunir no Vaticano, ao longo de três semanas, mais de 300 pessoas. Ela vê o Sínodo como “uma valorização, atenção, escuta, que a Igreja está fazendo com nós, indígenas da Amazônia”. Como indígena, a salesiana assume sua cosmovisão, enriquecida pelo carisma da congregação, em um aprendizagem recíproco.

Os povos indígenas gostam de ter no meio deles religiosas e padres indígenas, pessoas os escutam e compreendem, uma realidade que o Instrumentum Laboris do Sínodo para a Amazônia vê como prioritária. Diante da escolha como auditora, “eu como pessoa, humanamente, senti medo, espiritualmente, como religiosa, eu me coloquei nas mãos de Deus”, afirma a irmã Mariluce, que atualmente mora no distrito de Taracuá, uma comunidade indígena de São Gabriel da Cachoeira. Ela quer levar consigo a voz de um povo sofrido, um povo que pede novos ministérios que ajudem na evangelização dos seus parentes, os povos indígenas da região da Alto Rio Negro.

O que significa para a senhora todo este processo do Sínodo para a Amazônia que a Igreja está vivendo?

Para mim significa uma valorização, atenção, escuta, que a Igreja está fazendo com nós, indígenas da Amazônia, como povos nativos. É muito importante a Igreja valorizar, também para a gente aprofundar mais, vivenciar mais, como nós indígenas nos relacionamos com a natureza no nosso dia a dia. Com esse trabalho, com essa missão de que o Papa está colocando para nós, nós tivemos que olhar, ter uma visão. Como cuidar da Mãe Natureza, a árvore, o rio. Para nós indígenas é natural, um relacionamento natural, não tem admiração. Mas hoje nós temos essa visão de cuidar mesmo, com respeito e não poluir tanto, para não acontecer como em outros países.

Como vocês combinam, nem só a senhora, como muitas salesianas indígenas da região do Rio Negro, essa dimensão indígena com o fato de ser religiosas?

Nós sentimos, primeiramente, já entrando no mundo que não é nosso jeito de ser, mais nós aprendemos fazer experiência de convivência com outras irmãs que já são mais experientes, e entendemos que há essa compreensão. Desde a formação até agora está tendo diálogo, relação, entre a convivência e a nossa cultura, nossos costumes, entrelaçando com o carisma, a espiritualidade salesiana, e interligando com a nossa espiritualidade indígena. Assim nós vivemos na partilha, alegria e acolhida entre nós, na reciprocidade.

O que a senhora pensa que vocês como indígenas tem aportado, ensinado, à congregação das Filhas de Maria Auxiliadora?

Nosso aprendizagem é recíproco, nós aprendemos com elas e elas aprendem conosco, na simplicidade, hospitalidade, acolhida, partilha, acolhida do pobre, que está aí na casa. Não é fechada, a casa é aberta, isso que nós como congregação, nós irmãs indígenas, juntamente com elas, compartilhamos, alargando o nosso olhar, na itinerância, nas pastorais, com as famílias, na partilha, nas festas, tudo. Nós principalmente do Alto Rio Negro, na cidade eu não tenho experiência.

A senhora foi escolhida pelo Papa Francisco para ser auditora do Sínodo para a Amazônia. O que significa ser escolhida pelo Papa e o que está levando como representante das irmãs indígenas, da vida religiosa indígena, para ser escutado por todos os participantes da assembleia sinodal?

Para mim tem um significado muito grande, na minha simplicidade, eu fiquei quando eu escutei que eu fui chamada, eu fiquei assim com medo. Eu vou fazer certo, eu vou ajudar a Igreja? Me senti assim, com muita responsabilidade. Eu como pessoa, humanamente, senti medo, espiritualmente, como religiosa, eu me coloquei nas mãos de Deus. Se ele iluminou quem escolheu, então eu tenho uma responsabilidade para colaborar com aquilo que eu sei, aquilo que eu aprendi desde a infância até agora, tendo dois modos de viver, na minha família, como outra diferente, e na Congregação.

Com essa experiência, com a convivência que eu adquiri durante a caminhada até agora, eu vou colaborar dependendo do que eles vão perguntar. Eu estou lendo o Instrumento de Trabalho, é muito importante aprender ler que está aí aquilo que nós trabalhamos na comunidade. Inclusive, eu mesmo coordenei, trabalhando com o distrito de Taracuá, juntamente com os professores, trabalhamos mesmo dois meses, refletindo sobre a ecologia, sobre o Sínodo da Amazônia, o que é que é isso, o que significa, tudo isso para mim, eu me senti assim, uma pequena, pequena, mas assim, no meio da Igreja, que é grande, como eu já falei, é uma responsabilidade muito grande.

No Instrumento de Trabalho fala sobre as vocações indígenas, e a importância das vocações indígenas. Lá diz que vocês indígenas, conhecem o mundo indígena e as categorias dos povos indígenas para fazer um melhor trabalho evangelizador. Desde seu trabalho com seus parentes indígenas, com seu povo, ao longo de muitos anos, tem trabalhado em Pari Cachoeira, em Taracuá, como eles valorizam o fato de que a religiosa, que antigamente era alguém que vinha de fora, seja alguém que é parente, alguém que fala a sua língua, alguém que entende seu jeito de ser e de viver, de entender a vida?

Eles gostam de conversar e falam, vem com tanta simplicidade e proximidade, com nossa especificidade de escutar e também eles falarem com a nossa língua e dialogar, dialogar escutando e aconselhando e também convivendo com a Igreja, com a Paróquia, com a comunidade. Eles conosco, nós com eles, nas festas, nas reuniões, tudo é junto, coletividade. Então, nesse sentido, eu vejo que eles nos valorizam, gostam, incentivam, e não querem ver nós desistindo, eles ficam muito tristes. Tem que cultivar nossa oração, nossa mística, e nossa fidelidade a Jesus. Nós indígenas olhamos o que é negativo para nós, juntamente com a comunidade, e o que é bom cultivar e viver.

O que não é bom, nós como irmãs religiosas, nós temos que ter coragem de falar, evangelizar e dizer, a partir da Palavra de Deus, não é assim e nós estamos vivendo assim que não está certo. Então, eles escutam, eles refletem, e depois eles vem falar, irmã aquilo que a senhora falou, eu refleti, realmente é isso mesmo, eu refleti muito, preciso mudar, preciso trabalhar. Mais evangelização, que facilita mais, é uma experiência que a gente faz de convivência com eles, e eles querem que nós estejamos. Eu diálogo sempre com eles, como é que vocês querem que nós vivamos aqui nosso trabalho, o que nós estamos fazendo está certo, vocês gostam? Aí eles falaram que eles gostam, que nós estejamos nas reuniões, nas partilhas, no dabucuri (festa de oferendas), no cerimonial.

Nas festa que não é da nossa cultura também, é cultura dos outros, que eles promovem festa, estar lá, na política, quando chega, na educação, nas coisas da nossa realidade, estar com eles. Nas festas, eles falaram que tem que estar conosco mas até o momento certo, não ultrapassar. Nós não queremos vocês, irmãs, padres indígenas, igual nós, viciados, por aí, ou dando mal testemunho. Até o limite, o testemunho de vocês é bom, não ser igual nós. Vocês estão aí para nossa profecia, trabalham as nossas dificuldades, as nossas limitações, vocês chamam a atenção, mas nós queremos vocês conosco, caminhando conosco, estando conosco, fazendo experiência conosco. Eu sinto que, em nome das irmãs indígenas, vou colocar aqui, que eles valorizam, gostam, incentivam, apoiam, acolhem, e são felizes.

A senhora disse que trabalhou o Sínodo para a Amazônia, dentro do processo de escuta, na comunidade, mora na comunidade indígena de Taracuá. O que é que os povos indígenas do Alto Rio Negro estão pedindo, estão esperando do Sínodo para a Amazônia?

Eles falaram que estão sofridos. A terra, tem políticos que enganam, tem um discurso muito bom, e nós acreditamos e votamos, e depois esquecem de nós, sempre discriminados, sempre explorados, nossa consciência explorada. Até os nossos parentes indígenas, que são elegidos pelo povo, pelos próprios indígenas, eles são assessorados pelos que não são indígenas, aqueles que querem só sugar ou manipular. Então, eles querem que a Igreja ajude, esteja com eles também, na política, na sociedade, ajudando a lutar, como aconteceu com a terra demarcada. É uma conquista, onde os missionários estavam junto com eles, lutando, gritando e escrevendo. Então, nesse sentido que eles esperam.

Também serem ministros, serem diáconos permanentes. Lá na comunidade tem poucos padres, que não dão mais conta, só um padre lá em Taracuá e muitas comunidades, falta fazer visita, itinerância. Eles esperam isso, precisamos formação para isso, eles falaram. Esperam uma formação para serem diáconos permanentes. Lá nós não temos ainda.

O que espera que o Sínodo para a Amazônia pode trazer para a vida religiosa, especialmente para as vocações indígenas, de cara ao futuro?

Para nós vivermos com intensidade, para darmos o nosso sim religioso cada dia, saber o que é que nós estamos fazendo. Estar consciente com a nossa vocação, vocação é vida, vocação e missão. Deus me chamou para quê? Para servir, para anunciar, e fazer experiência com eles, mas com nosso testemunho de fé, de estar com eles, mas com a nossa alegria. É isso que eu penso que vai nos ajudar a crescer e iluminar o carisma, o olhar e resinificar o nosso jeito de servir, o nosso jeito de viver como comunidade, como religiosa, cada um, cada uma de nós, na acolhida recíproca, na circularidade.

No caso, confiar uma pela outra, na simplicidade, não naquela estrutura que que barra, mas na simplicidade, como nós vivemos nas nossas casas. Vivemos na simplicidade, não tem acúmulo, não tem consumismo, não tem ambição. Nesse sentido que nós devemos ensinar e praticar. Teoricamente, já sabemos, precisa visar e praticar a realidade onde nós estamos vivendo, cada uma onde está, cada uma de nós religiosas, onde nós estamos inseridas na missão. Sair ao encontro, escutar o pobre, escutar nas famílias, acompanhamento espiritual, acompanhamento também àqueles que têm problemas.

Os filhos, o pai, a mãe, hoje é um desafio muito grande. Nossos fundadores fizeram isso, por isso que o carisma expandiu, cinco continentes espalhados pelo mundo inteiro. Nós hoje, cabe nós pegar isso aí, refletir e avançar para poder estruturar novas ideias, novas palavras, novo jeito de viver, mas não esquecer a fonte. Trazer a fonte, o carisma salesiano, e frutificar, dar um passo a mais concreto. Viver nossa vocação, embasado a Palavra de Deus, para poder fortalecer a caminhada da itinerância na missão.

Primeiramente, abastecer espiritualmente, a força de Deus que vai levar esse anúncio profundo para os outros também. Se eu vou anunciar superficialmente, eu rezo superficialmente, eu faço meditação superficialmente, eu não vou ajudar o outro a se converter. Primeiro também tenho que me converter, através da Palavra de Deus fazer a vontade dele. Aí vai o carisma, nossa missão, a semente vai brotar, a semente vai enraizar e vai dar frutos novos e gostosos, né, para poder alimentar a humanidade que é o nosso testemunho de alegria, de fé, e muitas coisas bonitas que nós temos.

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