“Os missionários estão sempre atrasados, o Espírito chegou antes”, afirma Victor Codina, S.J.

Por Luis Miguel Modino

Um dos grandes teólogos latino-americanos das últimas décadas é Víctor Codina. Nascido na Espanha, ele passou quase quarenta anos na Bolívia, onde desenvolveu uma reflexão focada principalmente no estudo do Espírito Santo. O jesuíta é um dos peritos do Sínodo para a Amazônia, tendo participado também da elaboração do Instrumentum Laboris, que serviu de base para os debates da assembleia sinodal.

Dentro da assembleia sinodal, algumas questões foram destacadas, incluindo inculturação, intercuturalidade e diálogo intercultural, o que é algo mais profundo. A partir do exemplo da obra missionária de Paulo, relatada nos Atos dos Apóstolos, Codina destaca alguns elementos que devem estar presentes no trabalho da Igreja com os diferentes povos. O teólogo enfatiza que o primeiro grau de inculturação é falar com eles em sua língua; Paulo vem citar seus poetas para os gregos e assume como válida uma inspiração de um poeta pagão. Até se refere ao altar ao Deus desconhecido, que junto com os outros aspectos mostra que ele parte de sua realidade. Somente mais tarde ele anuncia Jesus morto e ressuscitado.

O Espírito Santo age desde a criação, a partir do caos original, é alguém que dá vida, ilumina tudo, enche o universo, enfatiza Victor Codina. Portanto, ele não hesita em afirmar que “a criação, a humanidade, está cheia do Espírito antes de Jesus, João Batista ou os judeus chegarem”. Isso o leva a afirmar que “os missionários estão sempre atrasados, o Espírito chegou antes”. Superando visões que a Igreja mantém há séculos, é necessário reconhecer, segundo o teólogo, que “as religiões que as pessoas vivem antes da chegada dos missionários não são algo do diabo, mas do Espírito, que pode ser misturado com as limitações humanas, como também acontece na Igreja”.

É claro, de acordo com o jesuíta, que “devemos fazer um processo de discernimento, mas reconhecer que o Espírito está lá”. Diante da enculturação, a intercultural e do diálogo inter-religioso, trata-se de ver que o Espírito está presente, algo que já aparece claramente nas reflexões do Vaticano II em referência às grandes religiões, que podem ser aplicadas às religiões dos povos originários da Amazônia, que também são cheios do Espírito. Para esse fim, o Sínodo da Amazônia, no qual muitos veem uma atualização do Vaticano II, no qual suas raízes afundam, pode ser um grande impulso nessa dimensão.

O Vaticano II fala das sementes do Verbo, algo que nem sempre foi fácil de descobrir por parte da Igreja, que muitas vezes não fez o esforço necessário. Em um balanço histórico, ele afirma que a Igreja do primeiro milênio era mais aberta, o que mudou com a imposição do sistema de Cristandade, que fez a Igreja se fechar, se sentir a dona da verdade e afirmar que fora da Igreja não há salvação, projetando uma igreja piramidal, papalizada. Esta Igreja rejeitou qualquer tentativa de inculturação, servindo como exemplo a rejeição de rituais malabares, conduzidos pelos jesuítas e banidos por Roma, que atrasaram, como a própria Igreja reconheceu mais tarde, vários séculos a evangelização daquela região.

Quando alguém está em uma Igreja fechada em si mesma, pensa que é a única coisa que existe, quando a Igreja sai, percebe que o Espírito também está lá onde vai. Nesse sentido, as culturas indígenas, que são anteriores ao cristianismo, devem ser valorizadas, a evangelização não pode colocá-las de lado e dizer que não prestam e que devemos começar do zero. É uma tragédia, uma agressão, diz o padre Codina, referindo-se aos estudos de Eleazar López, um dos mais destacados estudiosos da teologia índia, que também é um perito sinodal. Essa atitude é considerada pelo jesuíta como “uma falta de fé no Espírito”.

Essa dimensão do Espírito também está presente no campo da ecologia integral e afeta os chamados pecados ecológicos, um conceito que apareceu na reflexão da assembleia sinodal, que é baseada na encíclica Laudato Si. Não podemos esquecer, Codina afirma, que “Deus é o Criador de tudo e somos parte da Criação, não podemos nos separar dela, tudo está interligado”. Em suas palavras, descobre-se que, durante muitos séculos, reduzimos o cristianismo a duas dimensões, vertical, com Deus, horizontal, com outras, e que devemos acrescentar o circular, o mundo, o cósmico.

Por isso, “agredir seriamente a Terra, como fazem as grandes empresas, é um grave pecado contra a natureza e contra as pessoas que vivem lá”, enfatiza o padre Codina, que reconhece que ninguém se acusa disso nas confissões. O primeiro a formular essa dimensão foi o patriarca Bartolomeu de Cosntantinopla, porque, segundo o teólogo, “os orientais acreditam mais no Espírito Santo e têm mais essa dimensão mais cósmica, são mais sensíveis”.

O Sínodo para a Amazônia apresenta muitas novidades, sobretudo a grande preparação que teve, a partir de uma atitude de escuta, iniciada pelo Papa Francisco em Puerto Maldonado. Victor Codina, que colaborou na elaboração do Instrumentum Laboris, enfatiza que “o que está nele não é nossa invenção, mas o que os povos disseram, essa é a força”. Outra grande novidade, que destaca o jesuíta, é a presença de homens e mulheres indígenas no Sínodo, e quando um indígena fala há um silêncio absoluto, porque são eles que, pelo Espírito, estão nos clamando e pedindo a conversão de todos.

De maneira especial, destaca-se o testemunho das mulheres indígenas, das religiosas, que, segundo ele, “tem sido impressionante, com grandes aplausos”, pois reconhece que “são protagonistas da evangelização na Amazônia”. Mais uma vez, a obra do Espírito é vista aqui, que atua de baixo, dos pobres, dos diferentes, dos indígenas e dentro dos indígenas das mulheres. Por isso, Codina afirma que “o que precisamos fazer é ouvi-lo”, algo que pode ajudar no processo pós-sinodal, apresentado como um momento decisivo na concretização dos novos caminhos que o Sínodo deseja alcançar.

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