“Jesus, que tinha amado os seus que estavam no mundo,
amou-os até o fim” (Jo 13,1)
“Venham vocês, que são abençoados por meu Pai. Recebam como herança o Reino que meu Pai lhes preparou desde a criação do mundo. Pois eu estava com fome e vocês me deram (condições) de comer; eu estava com sede e vocês me deram (condições) de beber; eu era estrangeiro e vocês me receberam em sua casa; eu estava sem roupa e vocês me vestiram; eu estava doente e vocês cuidaram de mim; eu estava na prisão e vocês foram me visitar”. E ainda: “Todas as vezes que fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25,34-36.40).
Pedro foi – e continua sendo para nós – Evangelho vivo. Como cristão, seguidor e discípulo missionário de Jesus de Nazaré, foi radicalmente humano; anunciou a Boa Notícia do Reino de Deus aos pobres (oprimidos, explorados, excluídos e descartados). “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar o ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19).
Como Religioso da Congregação Claretiana (e – gostava de dizer – dominicano honorário) foi radicalmente cristão. Como pastor – padre e bispo – cuidou dos seus irmãos e irmãs pobres.
Pedro despojou-se de todo e qualquer sinal de poder. Infelizmente, ao longo dos séculos, a Igreja Instituição caiu na tentação do poder e – consciente ou inconscientemente – absorveu da sociedade imperial, feudal e capitalista maneiras de ser e agir que não tem nada a ver com o Evangelho. E – o que é pior – sempre procurou justificar e legitimar essas maneiras de ser e agir com argumentos religiosos (exemplos: as mitras e os báculos dos bispos cobertos de ouro e pedras preciosas; a sagrada púrpura dos cardeais, que de sagrado não tem nada; a tiara com três coroas – usada pelo papa até o Concílio Vaticano II – simbolizando que o poder religioso do papa estava acima do poder dos reis e dos imperadores). Quanta hipocrisia!
Em sua ordenação episcopal, à beira do rio Araguaia, Pedro – no lugar da mitra, do báculo e do anel tradicionais – usou um chapéu de palha, um remo de pescador e o anel de tucum (palmeira amazônica). Pedro viveu intensamente a com-paixão (o sofrer juntos). Ele sempre esteve ao lado dos índios (os povos indígenas), dos posseiros e de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Ele se fez pobre com os pobres, oprimido com os oprimidos, explorado com os explorados, excluído com os excluídos, descartado com os descartados e marcado para morrer com os marcados para morrer. Como escritor e poeta – em parceria com outros escritores e poetas e com músicos – Pedro cantou as lutas do povo por outro mundo e outra Igreja possíveis.
O nosso irmão Pedro – junto com seus companheiros e companheiras, irmãos e irmãs de caminhada – lutou incansavelmente contra o latifúndio, a grilagem de terras públicas, o trabalho escravo, a violência contra as mulheres, o racismo e todo tipo de discriminação. Combateu as atrocidades da ditadura civil e militar; lutou pela democracia e integração latino-americana e caribenha (a Pátria Grande); pela demarcação das terras indígenas; pela Reforma Agraria Popular e pela produção agroecológica familiar. Lutou ainda em defesa da Amazônia, do Cerrado, do meio ambiente em geral e da Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum. Enfim, lutou em favor da vida e da vida para todos e para todas. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Pedro participou da criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT); promoveu – com seus companheiros e companheiras – as Romarias da Terra e das Águas e as Romarias dos Mártires; apoiou a Teologia da Libertação e a caminhada das CEBs: novo jeito de ser Igreja e – como ideal e meta – novo jeito de toda a Igreja ser.
Por fim, não se encontra nada verdadeiramente humano que não tenha ressoado no coração de Pedro (Cf. Ib. 1).
Termino com as palavras do mártir vivo, jornalista Pinheiro Sales – vítima dos horrores da ditadura e intrépido defensor dos Direitos Humanos – em sua bonita Carta sobre Pedro: “Na vida, solidificou uma histórica parceria com todos os homens e mulheres que, neste momento, não aceitam a violência, o ódio e a estupidez de um governo indiferente à tragédia de mais de 100 mil pessoas mortas nos cinco meses de pandemia” (O Popular, 10/08/20, p. 3).
Pedro foi um verdadeiro profeta de Deus. Seu corpo está agora sepultado à sombra de um pequizeiro, às margens do Rio Araguaia, mas ele vive entre nós. Como Jesus, nos garante: “Estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20).
Na nossa luta por outro mundo e outra Igreja possíveis, em comunhão de fé, digamos: São Pedro Casaldáliga, ora por nós!