Pedro Casaldáliga: Evangelho vivo
Frei Marcos Sassatelli

“Jesus, que tinha amado os seus que estavam no mundo,

amou-os até o fim” (Jo 13,1)

No dia 8 deste mês, o nosso irmão Pedro Casaldáliga – com 92 anos de idade (dos quais, 52 vividos na Prelazia de São Felix do Araguaia – MT, da qual foi bispo de 1971 a 2005 e depois bispo emérito) – fez sua Páscoa definitiva: a Páscoa em plenitude, a Vida Nova em Cristo no Amor. Pedro nasceu para Deus, jogou-se nos braços de Deus, mergulhou no mistério da Santíssima Trindade, Comunidade de Amor: “a melhor Comunidade”. Pedro está na glória do Reino, na felicidade eterna.

“Venham vocês, que são abençoados por meu Pai. Recebam como herança o Reino que meu Pai lhes preparou desde a criação do mundo. Pois eu estava com fome e vocês me deram (condições) de comer; eu estava com sede e vocês me deram (condições) de beber; eu era estrangeiro e vocês me receberam em sua casa; eu estava sem roupa e vocês me vestiram; eu estava doente e vocês cuidaram de mim; eu estava na prisão e vocês foram me visitar”. E ainda: “Todas as vezes que fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25,34-36.40).

Pedro foi – e continua sendo para nós – Evangelho vivo. Como cristão, seguidor e discípulo missionário de Jesus de Nazaré, foi radicalmente humano; anunciou a Boa Notícia do Reino de Deus aos pobres (oprimidos, explorados, excluídos e descartados). “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar o ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19).

Como Religioso da Congregação Claretiana (e – gostava de dizer – dominicano honorário) foi radicalmente cristão. Como pastor – padre e bispo – cuidou dos seus irmãos e irmãs pobres.

Pedro despojou-se de todo e qualquer sinal de poder. Infelizmente, ao longo dos séculos, a Igreja Instituição caiu na tentação do poder e – consciente ou inconscientemente – absorveu da sociedade imperial, feudal e capitalista maneiras de ser e agir que não tem nada a ver com o Evangelho. E – o que é pior – sempre procurou justificar e legitimar essas maneiras de ser e agir com argumentos religiosos (exemplos: as mitras e os báculos dos bispos cobertos de ouro e pedras preciosas; a sagrada púrpura dos cardeais, que de sagrado não tem nada; a tiara com três coroas – usada pelo papa até o Concílio Vaticano II – simbolizando que o poder religioso do papa estava acima do poder dos reis e dos imperadores). Quanta hipocrisia!

Em sua ordenação episcopal, à beira do rio Araguaia, Pedro – no lugar da mitra, do báculo e do anel tradicionais – usou um chapéu de palha, um remo de pescador e o anel de tucum (palmeira amazônica). Pedro viveu intensamente a com-paixão (o sofrer juntos). Ele sempre esteve ao lado dos índios (os povos indígenas), dos posseiros e de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Ele se fez pobre com os pobres, oprimido com os oprimidos, explorado com os explorados, excluído com os excluídos, descartado com os descartados e marcado para morrer com os marcados para morrer. Como escritor e poeta – em parceria com outros escritores e poetas e com músicos – Pedro cantou as lutas do povo por outro mundo e outra Igreja possíveis.

O nosso irmão Pedro – junto com seus companheiros e companheiras, irmãos e irmãs de caminhada – lutou incansavelmente contra o latifúndio, a grilagem de terras públicas, o trabalho escravo, a violência contra as mulheres, o racismo e todo tipo de discriminação. Combateu as atrocidades da ditadura civil e militar; lutou pela democracia e integração latino-americana e caribenha (a Pátria Grande); pela demarcação das terras indígenas; pela Reforma Agraria Popular e pela produção agroecológica familiar. Lutou ainda em defesa da Amazônia, do Cerrado, do meio ambiente em geral e da Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum. Enfim, lutou em favor da vida e da vida para todos e para todas. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Pedro participou da criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT); promoveu – com seus companheiros e companheiras – as Romarias da Terra e das Águas e as Romarias dos Mártires; apoiou a Teologia da Libertação e a caminhada das CEBs: novo jeito de ser Igreja e – como ideal e meta – novo jeito de toda a Igreja ser.

O nosso irmão Pedro se encarnou na vida do povo e viveu radicalmente a Opção pelos Pobres: o caminho de Jesus de Nazaré. A partir dos Pobres, ele esteve sempre antenado com o mundo (a Pátria Maior) na escuta dos sinais dos tempos. “Para desempenhar sua missão (ser “Igreja em saída”), a Igreja, a todo momento, tem o dever de escutar (perscrutar) os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho”. Por conseguinte, “é necessário conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática” (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje – GS 4).

Por fim, não se encontra nada verdadeiramente humano que não tenha ressoado no coração de Pedro (Cf. Ib. 1).

Termino com as palavras do mártir vivo, jornalista Pinheiro Sales – vítima dos horrores da ditadura e intrépido defensor dos Direitos Humanos – em sua bonita Carta sobre Pedro: “Na vida, solidificou uma histórica parceria com todos os homens e mulheres que, neste momento, não aceitam a violência, o ódio e a estupidez de um governo indiferente à tragédia de mais de 100 mil pessoas mortas nos cinco meses de pandemia” (O Popular, 10/08/20, p. 3).

Pedro foi um verdadeiro profeta de Deus. Seu corpo está agora sepultado à sombra de um pequizeiro, às margens do Rio Araguaia, mas ele vive entre nós. Como Jesus, nos garante: “Estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20).

Na nossa luta por outro mundo e outra Igreja possíveis, em comunhão de fé, digamos: São Pedro Casaldáliga, ora por nós!

 

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