Escrevo não para convencer alguns familiares e poucos amigos que pensam diferente de mim. Já percebi que chegamos a uma situação na qual esta tarefa é um tanto quanto inglória. Quase sempre a conversa termina assim: “esta é a sua opinião” ou “é tudo faria do mesmo saco”. Escrevo para desabafar e talvez me explicar um pouco melhor para quem discorda. Por fim, para continuar com familiares e amigos em uma relação de respeito.
Contudo, quando alguém defende que a terra é plana, por exemplo, e eu demonstro com muita paciência, com fontes e argumentos que de Galileu aos nossos dias são irrefutáveis, que a terra é redonda, e alguém diz “essa é a sua opinião”, aí conversa fica difícil, muitas vezes se chega a brigar. Mas desde o tempo que estudei filosofia, e faz tempo, fui melhorando na capacidade de ser convencido. Nem sempre é fácil, pois abandonar uma ideia pode significar abandonar um modo de viver. E, evidentemente, nem sempre consigo. Mas me esforço. Agora, quando alguém diz “essa é a sua opinião” se corta pela raiz a chance de crescer e mudar de perspectiva.
Engraçado, se alguém diz “Deus não existe”, não é considerado “opinião”. Antes de ser interpelado, devo afirmar que acredito em Deus, sou cristão, pretenso seguidor de Jesus Cristo. Mas não há argumento irrefutável para demonstrar que Deus existe. Os ateus ultimamente precisam tomar cuidado para não serem linchados. Pode haver uma agressividade, um ódio, em quem afirma crer, completamente incompatível com o que diz crer, pelo menos se for adepto do cristianismo.
Existe também o pessoal que montou um tribunal com promotores, juízes e advogados para defender Deus. Tadinho, Ele não consegue defender a Si mesmo. Afinal, quem vai “salvar” Deus quando ele é pretensamente “agredido” por uma escola de samba? Vamos supor que por uma “doutrinação” extremamente competente todos os seres humanos se tornassem ateus. Deus deixaria de existir? Que fé é essa que só pode existir se quem não crer for eliminado? Como é fácil projetar em Deus nossa própria agressividade, nossa própria violência, nossos interesses mais mesquinhos.
Mas engraçado ainda, é ver o pessoal falando do DIABO como uma entidade extremamente poderosa que tem enganado Deus faz milhares de anos. E o diabo é sempre o outro, o que pensa diferente de mim. Até o Papa Francisco, coitado, já foi chamado de diabólico. Creem mais no “cramunhão” do que em Deus. A palavra é de origem grega, diabolôs, que significa aquele que divide.
Muito interessante no Brasil, depois que um sujeito chegou ao posto máximo da Republica, que fala de Deus toda hora, e, aliás, sempre de forma muito imprópria, a divisão só aumentou. Famílias se dividiram, amigos deixaram de serem amigos, e este sujeito só falta ser considerado a segunda encarnação de Deus, a primeira foi Jesus de Nazaré. Assim sendo, quem divide a família? Engraçado, vejo gays que cuidam de seus pais enquanto filhos que ser afirmam heteros os abandonam.
Quando Cristo Jesus foi tentado, segundo o Evangelho cristão, “aquele que divide” apresentou algumas possiblidades para a sua missão: usar Deus para fugir da condição humana, buscar a salvação pelo extraordinário e utilizar o poder dominador para salvar (Mt 4,1-11). Jesus, em perfeita harmonia com aquele que chamou de Pai, escolheu outro caminho. Alguém acha que foi tudo uma performance, um teatro de Jesus, para dizer que ele é o cara? Ou foi uma forma de mostrar o modo de Deus agir na história? Eu fico com a resposta que foi uma forma de mostrar como Deus age na nossa vida.
Assim sendo, na política, cuja fama não anda nada boa, é preciso agir como Jesus para não provocar mais divisão. Precisamos ter capacidade reflexiva para avaliar a vida assim como ela é, e não criar um mundo imaginário. A política não pode ser nem demonizada e nem santificada. Ela é um instrumento de utilização do poder.
A afirmação que acaba de ser feita pode ser contestada: “eu só vejo divisão na política”. Sim, ela é complexa, não conseguimos ver todos os aspectos que estão em jogo, e os interesses que justificam as posturas mais terríveis. Contudo, no mundo humano não há perfeição. Assim, precisamos ter capacidade crítica para tentar verificar as diversas possibilidades que estão contidas no universo da política.
A política é um instrumento de organização da vida em sociedade. E não podemos deixar de perceber que a vida humana exige organização social, das mais simples as mais sofisticadas. E toda organização social tem um dimensão política (lembrando: polis em grego é cidade, política deve ser a arte de governar a cidade em vista do bem comum). Uma tribo indígena tem política, em uma família tem política, em um clube de futebol tem política. A política não é tudo, mas em tudo existe uma dimensão política.
Certamente que se pode absolutizar uma determinada forma de ver e interpretar o mundo. E com esta forma escolher pessoas para dirigir caminhos sociais que personifiquem uma visão autoritária ou deformada da realidade. Aqui mora um perigo. E que pode acontecer em todas as correntes de pensamento. No que se chama de esquerda ou direita, por exemplo. É isto que a Bíblia chama de “idolatria”. Podemos nos tornar incapazes de ver os limites que perpassam a condição humana. No cristianismo, por exemplo, nunca deveríamos escolher uma pessoa em particular como grande salvadora, pois para quem se afirma cristão isso já aconteceu com a presença de Jesus Cristo. Mas podemos escolher pessoas limitadas que se aproximem dos valores que Ele deixou e, ao mesmo tempo, ter capacidade crítica para avaliar sempre que se fizer necessário. Sem cair na perspectiva de que o bem só está comigo e com o outro não. A filosofia chamou isso “maniqueísmo”, uma luta eterna entre o bem o mal. Na verdade, estamos todos e todas metidos no interior do bem e do mal. Podemos ser anjos ou demônios para as pessoas que nos cercam. Por isso precisamos como disse Jesus, vigiar.
Portanto, leitor ou leitora que chegou até aqui. A unidade não é feita por iguais, mas por pessoas que estão dispostas a manter sempre o fundamental, ou seja, a dignidade humana. A divisão é provocada por interesses de poder dominador, e pode se dá em um país ou em uma família, mas é sempre diabólica. Não há ideologia imune a divisão. Sim, todos têm ideologia, isto é, um conjunto de ideias que justificam o nosso agir no mundo. Assim, reafirmando, o critério é a dignidade fundamental de todo ser humano.
Não teremos um paraíso terrestre. Entretanto, podemos ter condições de construir um mundo cada vez melhor. Há quem diga não ser mais possível. Perdeu a esperança na humanidade. Mas o mundo já passou por tantas coisas horríveis e nós ainda estamos aqui. Suspeito que ainda estaremos por muito tempo, pois o AMOR, que é o grande elo de unidade da realidade humana, é a própria personificação de Deus. No barco do amor cabe todo mundo: os que creem e os que não creem. Só não cabe o DIABO, isto é, aquele que divide e provoca dor e sofrimento. O pai da mentira. Não se informem por Whatsapp, mas busquem exercer a capacidade crítica que para quem crê é dada pelo próprio Deus. É isso.