Sinodalidade estética: mesas redondas, cabeças quadradas.

Por Ruan de Oliveira Gomes*.

O processo sinodal pode vir aprender que toda metodologia é só metodologia e nada mais. Há uma figura em um conto de Guimarães Rosa (2021) que pode nos ajudar a visualizar exatamente o atual momento onde se encontra o processo sinodal iniciado em 2021 na Igreja Católica. Estamos entre-margens: próximos do fim e já longe daquele início quando cada Igreja Particular trabalhou (espera-se) em suas bases e comunidades, mas também além delas, temas voltados à sinodalidade.

Quanto mais perto da outra margem, mais algumas coisas vão se tornando claras e distintas, uma dessas é que a natureza da igreja sinodal é aquilo já em curso, isto é, não é que o fim do sínodo e a consequente publicação dos documentos pós-sinodais vai nos trazer a novidade de uma igreja sinodal; antes é que a igreja sinodal já se manifesta no processo sinodal. A sinodalidade é um já e um ainda-não. O sínodo, em tese, teria mais a tarefa de reconhecer que inaugurar.

Outra dessas coisas que vão se tornando claras e distintas é uma escolha ativa e privilegiada por uma metodologia no curso do processo sinodal. A metodologia de um encontro ou condução de uma reunião nunca é algo secundário, embora pareça ser, a discussão em torno de qual instrumentos usar para a condução do trabalho diz, de alguma forma, quais os resultados se quer chegar. Porque não é secundária, as perguntas, forma e condições como as fazemos de alguma forma já antecipam as respostas. Antes de escutar as respostas, faz-se as perguntas.

A opção metodológica do sínodo é por aquilo que se conhece como “Conversação Espiritual”, método de inspiração jesuítica, que pretende ser uma ferramenta de escuta das moções do Espírito para aqueles que estão reunidos em processo de discernimento.

A disposição circular das mesas na assembléia em outubro do ano passado não são performativas, não estão dispostas ao acaso; estão dispostas para facilitar um método e uma forma de trabalho: a conversação espiritual.

Todo método é só método e pode sofrer variações a depender de onde e quem o executa; no entanto, há algumas diretrizes gerais para esse. A base de fundo desse método é que a escuta é a base do discernimento, em suma, o binômio escuta-discernimento é um bom norte para o entender.

Na mensagem endereçada aos participantes da Assembleia de Guadalupe (assembleia com requintes sinodais desconhecida de muitas das comunidades católicas), Francisco faz uma pontuação sobre a sinodalidade e essa chave de escuta-discernimento:

“A primeira palavra é “escuta”. O dinamismo das assembleias eclesiais consiste nos processos de escuta, diálogo e discernimento. Numa assembleia, o intercâmbio torna mais fácil “ouvir” a voz de Deus, escutar com ele o clamor do povo, e ouvir o povo ao ponto de captar nele a vontade à qual Deus nos chama. Peço-vos que procureis ouvir-vos uns aos outros e ouvir o grito dos nossos irmãos e irmãs mais pobres e esquecidos.” (Francisco, 2021)

A metodologia surge não como somente método de escuta e sim de discernimento, e com isso a necessidade da escuta em qualquer matéria de discernimento.

O método é simples de ser executado: faz-se uma preparação anterior em disposição orante, observando quais as moções espirituais e quais as inspirações do Espírito Santo. Após essa preparação orante os participantes são reunidos em círculos menores e então faz-se três rodadas intercalando em momentos de falas e silêncio.

Em todo o orbe católico se assiste sob entusiasmo as mesas se circularizando, espaços paroquiais tendo que trocar a mobília, agentes de pastoral sendo formados na metodologia da “conversa no espírito” e propagadores do “método do papa” se desmembrando para fazer conhecida essa nova expressão privilegiada da sinodalidade, workshops, seminários e livros publicados pelas mais diversas editoras sob inspiração católica. Há um boom junto da aposta por esse método e finalmente parecemos ver a sinodalidade no horizonte.

No entanto, a intrínseca ligação entre a sinodalidade e o método não parece ser tão imediata como se publiciza. Assiste-se, embora as mesas circulares estejam dispostas, uma aparente-sinodalidade que não dá a real condição de comunhão, participação e missão. Há mesas demasiadamente redondas para espaços e sujeitos tão quadrados.

A práxis de uma Igreja que se pretende sinodal não deveria ser outra senão a práxis de uma radical participação dos seus membros e isso passa longe de encontros circunstanciais onde até se escuta a todos, mas não dá a todos a plena participação advinda da graça batismal. A sinodalidade é mais que escuta, é mais que discernimento porque é uma maneira existencial de situar-se. É mais uma disposição, que atitude.

Eventos e mesas dispostas circularmente não garantem a sinodalidade e não contém a sua expressão porque ela vai além de uma metodologia. Não é muito lembrar também que a Igreja Sinodal não é um modo de fazer a Igreja, mas um modo existencial de ser Igreja. A diferença não é sutil: a Igreja não deveria fazer sinodalmente, mas ser sinodal.

Em tempos da imagem o risco é exatamente reduzirmos a sinodalidade ao seu aspecto meramente estético e performático. Comunidades e sujeitos que estão inseridos e comprometidos com a Igreja-Povo-de-Deus deveriam se preocupar com o que acontece quando as mesas são guardadas e se questionarem se de fato há uma real sinodalidade ou se o que há é apenas uma “sinodalidade estética” onde até há reuniões e agendas que são construídas e discernidas juntas, mas há pouca participação plena.

A participação plena vai além da sinodalidade estética na medida que a sinodalidade estética refere-se à superficialidade, onde a ênfase é colocada na aparência de participação e colaboração, sem uma verdadeira integração e engajamento dos membros da comunidade. Sinodalidade estética, é enfim, a tendência de valorizar mais as representações visuais e simbólicas da sinodalidade, como eventos bem organizados, declarações públicas posteriores aos eventos e atividades que aparentam inclusão, mas que não necessariamente promovem um envolvimento real e concreto seja na sua preparação, execução ou mesmo no processo posterior. Quantas não são as expressões sinodais que antes da primeira rodada de “conversa no Espírito” já não tem a Carta-Compromisso rascunhada? A sinodalidade pontual e performática inclusive aceita que durante a dinâmica todos falem, no entanto, nem todos estão após a dinâmica convidados ao processo de discernimento.

Antes que metodologia pontual, característica reformista e tímida do povo de Deus, deveríamos reforçar e reanimar e até mesmo inaugurar instâncias e organismos onde a sinodalidade seja prática existencial. Somente a passagem de uma sinodalidade estética à uma sinodalidade existencial garante que a Igreja responda ao chamado de ser ela Povo de Deus. A existência de conselhos e a prática desses deve ir além da mera consulta e se a Igreja quer responder à sua vocação de ser ela Sinodal, ela tem que contribuir que essas instancias e conselhos sejam não somente consultivos, mas também deliberativos.

[A prática de entregarmos as chaves dos nossos sacrários aos leigos deve vir acompanhada da prática de entregarmos também as chaves do cofre e da rede de comunidades e com isso a plena participação deixa de ser mera estrutura vazia e oca]

Por fim, cada vez mais torna-se claro que a Igreja, se quiser continuar sendo manifestação visível do Reino de Deus, ou é sinodal ou falha miseravelmente em relação a sua própria natureza e chamado. Uma Igreja que não é sinodal é essa coisa abjeta e horrenda que verticaliza relações, precariza posições e reproduz discursos e práticas contrários ao Evangelho. Somente uma Igreja autenticamente sinodal é uma Igreja evangélica onde a circularidade das relações coloca em xeque a posição piramidal e privilegiada de uns poucos clérigos em detrimento de muitos, a sinodalidade exorciza o demônio do clericalismo e com eles também desmonta uma Igreja que ainda insiste na verticalidade das relações.

A consciência dessa natureza sinodal da Igreja, sacramento da Trindade, deve passar diametralmente oposta à redução da sinodalidade a mesas e métodos.

Ruan de Oliveira Gomes é graduado em Filosofia pela PUC-MG e graduando em Teologia pela FAJE. Natural de Formiga-MG.

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