Assim pensa o teólogo Manoel Godoy. Segundo ele, a sinodalidade terá seus efeitos, os primeiros “conter uma onda clerical, hoje muito forte na Igreja”, promovendo decisivamente o método de ver, julgar, agir, tão típico da Igreja pós-conciliar, especialmente na América Latina. Para isso, será necessário mudar os seminários, os movimentos clericais e o fundamentalismo, para aprender com o modo de ser e de agir de Francisco.
Nesta Igreja sinodal, o clérigo deve ser “um homem aberto ao Espírito que deseja andar com o povo”, e as mulheres “devem ser muito mais escutadas, levadas em consideração para decisões fundamentais na Igreja”, com um papel insubstituível.
A Igreja está dando os primeiros passos na preparação de um novo Sínodo, retomando a sinodalidade, um elemento que já está presente no Vaticano II. Por esse motivo, o teólogo não hesita em afirmar que “com este sínodo será um passo decisivo para a implantação de decisões conciliares”. É claro que Francisco quer avançar, “mas ainda falta muita conversão eclesial e pastoral, para que esta nova Igreja, promovida por Francisco, seja uma nova Igreja”.
Estamos iniciando a aplicação prática do Sínodo para a Amazônia, e o próximo sínodo, convocado pelo Papa Francisco para 2022, será sobre sinodalidade. Poderíamos dizer que a promoção da sinodalidade é uma das grandes contribuições do Papa Francisco?
Desde o início, quando o Papa pede que as pessoas orem por ele, que o abençoem, ele quer dizer que devemos caminhar juntos, estar juntos, é um governo de pessoas que querem pensar e decidir juntos. Uma coisa que é boa enquadrar e muito interessante, é que muitos falam que não devemos confundir, porque a Igreja não é democrática.
Sim, a Igreja não é democrática, devemos começar com isso, a Igreja é muito mais que uma democracia, a sinodalidade vai muito além da democracia, porque uma democracia é governada por estatutos e constituições, e a sinodalidade vem do Espírito. A sinodalidade é espiritual, é um impulso interno de todos que desejam caminhar juntos. Somente quem se fecha ao Espírito é deixado de fora, porque o que é aberto ao Espírito, a sinodalidade o leva.
Um dos elementos fundamentais e o ponto de partida nessa Igreja Sinodal é a capacidade e disponibilidade para escutar. Como isso pode ter um impacto na vida das comunidades, paróquias e igrejas locais?
O primeiro ponto é que a sinodalidade ajudará a conter uma onda clerical, que é muito forte na Igreja hoje. A sinodalidade vai contra essa onda clerical e, dessa forma, a sinodalidade levará paróquias, comunidades e todos os organismos da Igreja a procurar decidir juntos. O método que já consagramos, ver, julgr e agir, sob a sinodalidade, tem um significado muito mais forte, porque é uma visão compartilhada, um julgar juntos e um atuar em comunhão.
Teremos um impacto muito forte nas paróquias, comunidades e outros organismos da Igreja, porque nos encoraja a buscar caminhos juntos, ninguém é dono da verdade, todos nós juntos em busca da verdade, da comunhão, da participação, para uma missão compartilhada.
Quando se vê a estrutura da Igreja que temos e o papel de controle e tomada de decisão que o clero tem, é possível assumir na prática esse novo modo de ser Igreja, baseado na sinodalidade? Quais são as dificuldades em realizar essa transformação?
Uma fonte de dificuldade, não é só isso, são os seminários, que continuam a formar, na grande maioria, jovens com a mentalidade clerical e distante do povo, muitas vezes com ar e desejo de poder. Portanto, os seminários são sempre um problema. Outro problema vem dos movimentos laicais clericais, porque existem muitos movimentos que formam leigos clericais. O outro ponto de dificuldade são os fundamentalismos, que sempre serão um problema para uma hermenêutica sinodal. Uma hermenêutica sinodal é necessária para que a sinodalidade continue, de fato esse é o programa da Igreja, visto por Francisco.
Este pontificado de Francisco é um pontificado marcado pela sinodalidade. Ele quer escutar os jovens, as famílias, com dois sínodos da família, escutar os povos que nunca foram escutados oficialmente, como os da Amazônia. Ele está dando o seu exemplo de sinodalidade, esperemos que a Igreja se converta à sinodalidade.
Falou sobre a formação nos seminários. No processo do Sínodo para a Amazônia, grande ênfase foi colocada na necessidade de revisar as estruturas de formação dos seminários. No Brasil, nas últimas décadas, houve tentativas de diferentes experiências. Por que algo que tem dificuldade em ser assumido pela Igreja?
Os pontificados anteriores a Francisco tinham uma eclesiologia diferente. Para eles, a hierarquia, o reforço de um centralismo muito forte na Igreja, todas as nossas experiências alternativas de formação, como Dom Helder Câmara, Dom José Maria Pires, como os bispos do Pará que tiveram uma bela experiência com o IPAR, em Belém, e outras experiências de formação mais abertas, Dom Paulo Evaristo Arns, em São Paulo. Todos esses seminários foram visitados por visitadores designados pelos pontífices antes de Francisco, e eles decidiram encerrar todas as experiências alternativas e reforçar muito a única forma tridentina de formação sacerdotal. Talvez agora, sob a sinodalidade, seja procurado, novamente, fazer outras experiências de formação que não sejam de treinamento tradicional.
Como deve ser a figura do clérigo na Igreja sinodal?
Um homem aberto ao Espírito que quer andar com o povo. Essa deve ser o padre para essa eclesiologia da sinodalidade. Um homem espiritual, místico, aberto ao Espírito, que quer escutar as pessoas, caminhar com as pessoas, nunca se isolando dos processos.
Qual seria o papel das mulheres, que no pontificado de Francisco estão assumindo um papel de maior relevância nos órgãos de decisão da Igreja, nesta Igreja sinodal que ele propõe?
Uma parte significativa da Igreja, especialmente a Igreja da base, nas comunidades, é dirigida, incentivada, pelas mulheres. Em um processo sinodal, as mulheres devem ser muito mais escutadas, levadas em consideração, para decisões fundamentais na Igreja. O papel das mulheres na Igreja será insubstituível sob o signo da sinodalidade.
Quais seriam os passos que devem ser dados nos próximos anos para preparar este sínodo que o Papa Francisco acaba de convocar?
Da academia, da teologia, promoveremos estudos, aprofundando, escrevendo, circulando muitos escritos sobre sinodalidade. Vou publicar um texto sobre sinodalidade e vamos publicar muito para fermentar toda a Igreja com esta proposta do Papa. Em nossos encontros, promoveremos grupos de reflexão sobre sinodalidade. Os planos pastorais diocesanos e paroquiais, tentaremos a partir daí, dar nova força a todo o caminho sinodal na Igreja.
Permitir outras experiências de formação é outro elemento necessário para alcançarmos 2022, o Sínodo da Sinodalidade, com muitas experiências para compartilhar. É isso que tornará o Sínodo muito mais rico, porque será um sínodo onde as experiências de sinodalidade serão compartilhadas entre muitas igrejas.
No Sínodo para a Amazônia, sendo um Sínodo de bispos, foi o sínodo com a maior presença de mulheres na história dos sínodos. Podemos dizer que o próximo sínodo também terá essa presença feminina e que essa presença feminina será cada vez mais decisiva?
Sem dúvida, neste Sínodo para a Amazônia, havia dois sínodos, poderíamos dizer, um dentro, com os bispos tomando decisões com base na reflexão. Mas para a imprensa havia outro sínodo do lado de fora, com presença dos indígenas, questões culturais. Acredito que no próximo sínodo, novamente teremos um sínodo oficial, dentro do Vaticano, com as decisões de nossos bispos, mas outro sínodo que trará à praça pública as experiências acumuladas de sinodalidade. Lá, o papel das mulheres será muito forte. As mulheres estão crescendo, sua representação. Em cada sínodo, teremos uma parcela mais significativa de mulheres.
No campo das mulheres, quais são os avanços que podem ser esperados nesse sínodo e nos próximos anos na vida da Igreja?
É interessante notar que na Igreja ainda seguimos um documento de Paulo VI, que determina a questão dos ministérios na Igreja, chamada Ministeria Quaedam, que foi um avanço na época, mas limitou os ministérios ordenados apenas aos homens. Por exemplo, podemos falar de dois ministérios que a Ministeria Quaedam limita aos homens e que, na prática, já caminhamos muito mais com as mulheres.
Segundo o documento oficial da Igreja, apenas homens têm acesso a esses ministérios. Mas, na prática, mesmo nas missas celebradas pelo Papa, a mulher já faz as leituras. As mulheres já estão servindo no altar em muitas partes do mundo. Portanto, um primeiro passo seria pegar o documento Ministeria Quaedam e adaptá-lo à realidade. Não está criando nada de novo, é simplesmente reconhecer que as mulheres já exercem o ministério de acólito e leitor na Igreja. Este é um passo pequeno, mas significativo, porque o torna oficial.
A partir daí vamos crescer, a Igreja, como já está registrado nas Escrituras, fez a experiência de diaconisas, como Paulo fala da diaconisa Febe. Já tivemos diaconisas nos primeiros anos das comunidades. Havia um ministério de mulheres muito interessante nas comunidades primitivas, que eram os ministérios das viúvas. As mulheres participaram muito mais fortemente no começo de tudo.
Com o desenvolvimento da Igreja, ao longo dos anos, os ministérios caíram, incluindo o ministério do diaconado permanente. O Vaticano II é quem tem resgatado o diaconado permanente. Quem sabe se de agora em diante não estamos resgatando outros ministérios que já eram visíveis na Igreja primitiva, e aí se abre um flanco de trabalho mais oficial para as mulheres na Igreja.
Em uma reunião do Papa Francisco com os jesuítas em sua visita ao Chile, ele disse que o Concílio Vaticano II levaria cem anos para se tornar plenamente eficaz. Podemos dizer que esse sínodo sobre sinodalidade, que nasceu com o Vaticano II, é um passo decisivo para a implantação do concílio?
Sem dúvida, porque a sinodalidade não é discutida sem contribuir para toda a eclesiologia presente no Vaticano II. A sinodalidade já está presente no Vaticano II, e com este sínodo será um passo decisivo para a implementação das decisões conciliares.
Podemos dizer que estamos diante de uma nova maneira de ser Igreja?
Com Francisco, sim, mas nas bases, ainda é necessária muita conversão eclesial e pastoral para que esta nova Igreja, promovida por Francisco, seja uma nova Igreja. Mas estamos no caminho certo com Francisco.