Tem sido um desafio que a jornalista carioca encarou ao longo de quatro anos, em que aprofundou no conhecimento de alguém que considera a antítese do momento atual que o Brasil vive. Na entrevista, a biógrafa mostra algumas pinceladas do livro, apresentado na Catedral de São Felix do Araguaia no domingo da Pascoa, festa da Vida, a mesma Vida pela que Dom Pedro lutou ao longo de tantos anos, que nunca esqueceu essas causas, “um homem que amou muito mais o Brasil do que muitas pessoas que nasceram neste solo”.
De onde surgiu a ideia de escrever uma biografia de Pedro Casaldáliga?
Eu fui a São Felix do Araguaia pela primeira vez em setembro de 2012, que foi quando eu conheci o Pedro pessoalmente. Eu fui a trabalho, digamos assim, eu estava fazendo uma série de reportagens sobre a Ditadura Militar, com pessoas de diversas áreas. Em determinado momento eu precisei procurar alguém da Igreja católica.
Essa série de reportagens era paro o site “Outras Palavras”, e depois foi publicado em livro, que saiu em março de 2016, “O Problema é ter Medo do Medo. O que o Medo da Ditadura tem a dizer à Democracia”. Fui a entrevistar a ele em 2012, lá na casa dele, em São Felix, para essa série sobre a Ditadura. Eu me apaixonei pela história dele, é uma história apaixonante, e depois que eu terminei de fazer o livro sobre a Ditadura, que o livro conta com 26 entrevistados, também tem outros dois da Igreja católica, que já morreram, Dom Tomas Balduino e Dom Waldir Calheiros, eu resolvi que eu iria fazer a biografia de uma daquelas pessoas que eu tinha entrevistado.
Acabei por escolher o Dom Pedro, acho que eu gosto de desafio, a biografia do Pedro foi um grande desafio, então sabia que ia ser o mais desafiador de todos, por tudo, inclusive distância geográfica, eu moro no Rio de Janeiro e ele mora lá em São Felix do Araguaia. Eu resolvi encarar esse desafio, e me apaixonei pela história dele, de tal maneira que eu também passei a usar o anel de tucum, abracei as causas dele da maneira que eu poderia abraçar, através da minha escrita. Eu me comprometi que eu iria escrever coisas relacionadas às causas dele, reforma agraria, combate à escravidão.
Pedro é uma pessoa que volta todas as causas ligadas aos direitos humanos, e ele falou no meu ouvido, antes de eu sair, a primeira vez que eu fui em 2012, ele falou uma coisa que muito me marcou, e que eu acho que ele acostuma a falar para todo mundo, que é nunca se esqueça das causas da vida. Então, eu vim com essa intenção de não me esquecer das causas da vida, e aí decidi fazer essa biografia. A história realmente é essa, é a história de uma repórter que foi entrevistar um bispo para um projeto sobre a Ditadura Militar, e se apaixonou pela história de vida desse bispo e resolveu escrever a história dele, fazer a biografia dele.
O que a figura de Pedro significa no momento que o Brasil está vivendo hoje?
Pedro é a antítese do momento atual, tudo o que não é colocado em prática no Brasil atual é tudo o que Pedro gostaria que fosse colocado em prática. Pedro está em um polo e o governo, o Brasil atual, está em outro polo, representam coisas completamente contrarias. Pedro, infelizmente, não está pudendo fazer o que ele fazia na época da Ditadura, lançar as cartas que ele sempre lançou e enfrentar o autoritarismo do governo. Se ele pudesse, ele estaria, com certeza, fazendo a mesma coisa que ele fez na época da Ditadura. Não estaria concordando com nenhuma dessas medidas antipovo que o governo atual tem colocado em prática.
Esse culto à ignorância, Pedro é uma pessoa que ao longo da vida, ele sempre se preocupou muito com o estudo, a se aprofundar em todos os temas. Esse culto à ignorância do governo atual é contrário ao culto à educação que Pedro teve a vida toda. Então, é a antítese, Pedro de um lado e o Brasil atual do outro.
Você diz que entrevistou três bispos que claramente tiveram uma postura muito profética no tempo da Ditadura. O que o Pedro poderia falar para a Igreja no Brasil hoje? O que significa a figura do Pedro diante da conjuntura eclesial que o Brasil vive hoje?
Depois que eu comecei a fazer a biografia do Pedro, foram quase quatro anos do trabalho, do início de 2015 até o final de 2018, ao longo desses quatro anos, eu fui me envolvendo obviamente com pessoas ligadas à chamada ala da esquerda da Igreja, acompanho tudo o que eu posso sobre a Igreja católica. O que eu percebo é que o Papa Francisco, ele está em um caminho e a maioria das lideranças católicas no Brasil estão em outro. Aqui no Rio de Janeiro, o arcebispo do Rio de Janeiro, o arcebispo de São Paulo, são pessoas que apontam por um caminho diferente daquele apontado pelo Papa Francisco.
O caminho apontado pelo Papa Francisco, eu imagino que seja justamente aquele ao qual Pedro, não só apontaria, se ele estivesse bem de saúde, mas continua apontando, porque ele criou uma rede, se você observar na internet, tem pessoas que usam o nome Casaldáliga como sobrenome em homenagem ao Pedro. Ele se tornou um símbolo muito grande, que é muito maior do que a pessoa física dele. Mesmo ele não estando bem fisicamente, as causas dele, tudo o que ele representa, continuam firmes.
Então, eu acho que o Pedro, ele tem a dizer, não só ele, como você falou que eu entrevistei realmente outros bispos, eu tive oportunidade de conhecer Dom Waldir Calheiros, em Volta Redonda, tomei um café e um pão de queijo na casa dele, tive oportunidade de conhecer Dom Tomas Balduino, em Goiânia. Todos esses bispos proféticos, eles apontam justamente para o que a Igreja não está fazendo.
Eu reclamei, e eu acho que mais pessoas deveriam ter reclamado, porque quando o Bolsonaro resolveu que o Golpe Militar deveria ser comemorado, e como sabemos, embora a Igreja tenha apoiado o Golpe, depois muitos membros da Igreja, inclusive bispos, foram atingidos pelo Regime Militar, pela Ditadura, acho que a Igreja deveria ter soltado uma nota imediatamente, repudiando de forma profética o que o Bolsonaro tinha decidido de comemorar o golpe, mas a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], não fez isso.
O que o Pedro aponta, o que os bispos que eu entrevistei apontam, é que a CNBB não está no caminho do profetismo, e não está no caminho do próprio Papa Francisco, que eu vejo como uma pessoa profética. Assim como você me perguntou, o que o Pedro é diante do governo atual, é uma antítese, eu acho que o Pedro é uma antítese diante da atual CNBB.
Você diz que já foi cinco vezes em São Felix do Araguaia, um local distante. Como é possível, nem só hoje como trinta, quarenta anos atrás, que alguém que morava em um local tão afastado, pudesse se tornar uma referência, nem só para o Brasil como para o mundo todo?
Pedro é uma pessoa que desde criança, ele escreveu um texto aos oito anos de idade, chamado “Memorias de um Aspirante ao Jornalismo”, demostrava uma vocação para o jornalismo. Lá na Espanha, ele participou de revistas, e aqui no Brasil, logo, uma das primeiras coisas que ele fez quando ele chegou foi fundar um jornal, que existe até hoje, é o jornal Alvorada, que foi criado em 1970, vai fazer cinquenta anos em 2020. Esse jornal, junto com outras diversas formas que ele arrumou para se comunicar, foi o que fez com que ele conseguisse que a voz dele saísse daquela região, não ficasse só ali, e fosso para outros lugares.
A Carta Pastoral, uma das mais famosas dele, que é “Uma Igreja na Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social”, essa carta pastoral foi lançada no dia em que ele se sagrou bispo. Ele foi um cara que ele se preocupou não só em se sagrar bispo, que inclusive ele nem queria, ele foi convencido a ser bispo pelo Dom Tomas, não queria. Ele não só se sagrou bispo como que no dia que ele se sagrou bispo, ele lançou uma carta de denúncia.
Em resumo, ele é uma pessoa que não só se preocupou em agir, mas em comunicar ao mundo as suas ações. Tem muitos bispos que, eu sei, são pessoas que atuam em seus lugarejos, em suas cidades, mas não se preocupam com a comunicação do que fazem, não se preocupam em usar as ferramentas do mundo de hoje. Se Pedro pudesse, estaria na internet, nas redes, no youtube de repente, porque ele sempre se preocupou em contar para o mundo, em denunciar, porque essa é inclusive uma função do profeta, é o anuncio e a denúncia, e ele sempre se preocupou em usar os meios de comunicação para denunciar. Ele é um cara que nunca se recusou a dar entrevista a nenhum jornalista, mesmo que fosse jornalista de direita, ele dava entrevista, nunca se recusou. Ele sempre teve essa preocupação, eu acho que essa preocupação dele, essa vocação jornalística dele, foi o que fez com que a voz dele ecoasse aos quatro cantos do mundo.
Eu escutei uma vez que aquilo que não é conhecido, não existe.
Verdade.
Pedro sempre tentou dar visibilidade, não às causas dele como às causas do povo a quem ele acompanhava. Você não pensa que no jornalismo da Igreja católica hoje, está faltando essa dimensão de dar visibilidade a tanto trabalho bom que é feito em muitos lugares afastados, e também denunciar as causas das pessoas e dos povos que não aparecem na grande mídia?
Perfeitamente, eu acho que os veículos de comunicação da Igreja católica, os poucos que têm alguma visibilidade na internet, que eu recebo alguma coisa, são veículos, sinceramente, a maioria, muito de sacristia. O Pedro foi um homem, eu tenho até um capítulo do livro que se chama “Padre de Romaria”, porque ele foi uma pessoa que nunca ficou parado, sempre esteve em romaria. Ao contrário dele, que foi anunciar o Evangelho ao mundo, o Reino de Deus, os veículos da Igreja de hoje parecem representar esses bispos e esses padres que preferem ficar na sacristia rezando.
São veículos que não mostram as preocupações imediatas do povo, eu não vejo falar de reforma agraria, que é uma coisa que até hoje não está resolvida no Brasil, denúncias de escravidão, que era uma coisa que Pedro fazia muito, que existe ainda infelizmente. Realmente acho que é muito falha a comunicação da Igreja católica hoje em dia, a Igreja católica não está sabendo usar, inclusive, as novas tecnologias para poder se comunicar. Inclusive, acho que isso tem a ver com a ascensão dos evangélicos, os chamados neopentecostais. Eles sabem usar as comunicações, inclusive eles estão na televisão, e a Igreja católica não está sabendo.
O Papa Francisco convocou para 2019 o Sínodo para a Amazônia. São Felix do Araguaia faz parte da Amazônia legal e o bispo atual, Dom Adriano Ciocca, deve participar da assembleia sinodal, em Roma, no mês de outubro. Esse Sínodo nos fala de novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. Desde seu ponto de vista, quais seriam as propostas que Dom Pedro faria em referência a esses novos caminhos que o Sínodo quer fazer realidade?
Dentro da proposta do Sínodo, que tem a ver com a ecologia, Pedro continuaria falando o que sempre falou. Um exemplo, uma das grandes brigas lá em São Felix do Araguaia foi que queriam que se fizesse uma hidrovia que iria, segundo a alegação dos latifundiários, trazer progresso e dinheiro para a região, mas iria prejudicar profundamente os povos indígenas, o Rio Araguaia. Dom Pedro continuaria falando o que ele falou na época, se for para o Rio Araguaia morrer, se for para os povos indígenas morrer, é melhor não ter o que se chama de progresso. Inclusive tem um poema famoso dele, que ele chama de progresso de mentira, que é o progresso que mata. Pedro continuaria defendendo que o progresso não pode matar. Acho que ele defenderia basicamente isso, dentro do que ele sempre defendeu.
Pedro não se importa tanto com ele, sempre foi aquela pessoa que dentro dos princípios básicos do humanismo, ele nunca fez tergiversações, ele sempre foi coerente com aquilo que ele defendeu. Acho que ele continuaria defendendo isso, que o progresso tem que ser humano. Tem que haver progresso, tem que chegar o asfalto, tem que isso, tem que aquilo, mas tem que, em primeiro lugar, defender o direito do ser humano.
Dentro dos novos caminhos para a Igreja, existem diferentes propostas, que vão surgindo, sobretudo depois de ter escutado os povos da Amazônia durante vários messes, como é o protagonismo das mulheres, dos leigos. Como Dom Pedro contribui com a Igreja do Brasil nessa valorização das mulheres, dos leigos dentro da Igreja?
Existe inclusive um capítulo do livro que é dedicado à causa das mulheres, que eu nomeio de “Comadres Militantes”, Pedro chamava às pessoas que trabalhavam com ele, as mulheres sempre tiveram a mesma voz dos homens e o mesmo poder, inclusive as tarefas a fazer dentro de casa. Ele era um bispo homem, que morava com mulheres, mas ele lavava a própria roupa, ele não relegava esse papel para as mulheres, ela tudo dividido independente de ser homem ou ser mulher.
Tem um capítulo do livro que fala sobre esse empoderamento que ele deu para as mulheres. Para você ter uma ideia, lá em São Felix do Araguaia, uma pessoa que fez uma pesquisa em relação às monografias feitas lá, e o maior número do monografias feitas lá em razão de mestrados e teses de doutorado, são as mulheres. Isso é uma coisa que vem da chegado do Pedro para cá, porque principalmente através da educação, da possibilidade de que as pessoas tivessem instrução, as mulheres tiveram um poder de elevação social lá muito grande, conseguiram fazer mestrado, conseguiram fazer doutorado, a maioria mulheres.
Pedro deu uma contribuição grande para isso, inclusive tem texto dele, eu cito alguns trechos no livro, em que ele diz claramente que não há na Bíblia nenhuma coisa que impeça a ordenação de mulheres, ele diz claramente isso. Para ele não existia mulher, ou homem, ou índio, ou negro, eram todos seres humanos. Essa é a contribuição grande nesse sentido.
A outra coisa que você está falando, dos leigos, tem pessoas que falam claramente que, embora a Igreja tem o Conselho Nacional dos Leigos, mas nunca viram em nenhum lugar como lá na Prelazia de São Felix do Araguaia, que deu tanto poder aos leigos. Tinha leigos que, na época em que Pedro estava na ativa, participavam da missa normalmente, faziam atividades que seriam destinadas aos diáconos. Pedro revolucionou, ele destruiu barreiras de quem é leigo, quem é religioso, quem é mulher, quem é homem, para ela não tinha barreiras, para ele todo mundo é ser humano.
Pedro começou ser bispo em 1971. Poucos anos atrás foi assinado o Pacto das Catacumbas, uma ideia retomada pelo Papa Francisco no início do seu pontificado, quando diz que queria uma Igreja pobre e para os pobres. Quando a gente chega em São Felix e vê a casa do Pedro, a gente se pergunta como é possível que um bispo more naquele local, nessas condições de austeridade, de pobreza. Poderíamos dizer, mesmo que também teve alguns outros, que Pedro é um dos grandes exemplos do que significou o Pacto das Catacumbas e do que significa essa Igreja pobre e para os pobres que Francisco quer fazer realidade?
Vou te dar a resposta que me foi dada pelo Dom José Maria Pires, que já faleceu e que eu tive oportunidade de entrevistar também, ele me respondeu diante de uma pergunta parecida que fiz para ele, que mesmo ele, tendo assinado o Pacto das Catacumbas, ele considerava que Pedro Casaldáliga, que não assinou o Pacto das Catacumbas, viveu mais o Pacto das Catacumbas do que ele, do que as próprias pessoas que o assinaram. A vida dele prova isso, tem muita gente que chega lá na frente da casa do bispo, olha e diz, não deve ser aqui que ele mora. Tem umas casas mais bonitas lá perto, aí vai, começa bater palmas atrás do bispo nas outras casas, porque acha que ele mora nas outras casas mais lindas, e ele não, ele mora naquela mais simplesinha.
Sempre morou, desde a chegada dele. Quando ele chegou lá, ele tinha uma casa maior, mas logo ele adquiriu uma casa pequena como a que ele mora hoje. Há casos mais radicais, por exemplo a questão da geladeira na casa dele. Até a década de noventa, Pedro não tinha geladeira em casa, ele não queria geladeira porque se os pobres não tinham, eu não posso ter. Aí o Maximino Cerezo, o pintor da libertação, teve um dia em que ele convenceu o Pedro a colocar geladeira na casa. Não tinha água gelada na casa dele, e aí o acabaram convencendo, compraram a geladeira, em 92 ou 93, não me lembro agora o ano certo, e existe lá até hoje, mas foi relegada num canto, que ele nem queria saber dela, achava que não era necessário.
Hoje em dia mesmo, ele mal de saúde, como ele está, mas ele não aceita, de jeito nenhum, que se coloque ar condicionado. Ele tem o ventilador na frente dele, mas é um calor infernal em São Felix do Araguaia, que você nem imagina, e ele não aceita ter ar condicionado. São essas radicalidades, essas teimosias, pois Pedro sempre foi muito teimoso nas coisas que ele acredita, que fazem dele uma mente diferenciada de todos os outros. O Frei Betto, por exemplo, declarou para mim que Pedro Casaldáliga é o cristão mais coerente que ele conhece. Sem dúvida nenhuma, o Pedro é um grande exemplo da aplicação prática do Pacto das Catacumbas.
Inclusive depois da morte, porque ele tem falado várias vezes, não sei se ainda é assim, que ele quer ser sepultado num cemitério que tem em São Felix onde eram sepultados os mais pobres, aqueles que muitas vezes ninguém conhecia.
É o Cemitério dos Carajás. Está no livro também, o último capítulo do livro é chamado “Entre um Pião e uma Prostituta”, porque com relação a essa história, Pedro dizia que ele queria ser sepultado no Cemitério dos Carajás, que era onde o povo era sepultado, e ainda é, debaixo de um pé de pequi, entre um pião e uma prostituta, ele dizia isso mesmo. Eu acredito que esse desejo dele vai ser respeitado, ele vai ser sepultado ali, naquele cemitério bem simples. Um coisa que todo mundo fala, ainda hoje, é que quando ele morrer, vai ser respeitado isso.
Desde um ponto de vista histórico, fazendo um valoração que talvez deveria ser feita daqui a trinta ou quarenta anos, qual pode ser a lembrança que Dom Pedro Casaldáliga pode deixar, nem só para a Igreja como para a sociedade brasileira?
Para a sociedade brasileira, um homem que amou muito mais o Brasil do que muitas pessoas que nasceram neste solo. Muitas vezes foi até quase expulso do Brasil, por ser acusado de ser estrangeiro. Ele brincou, numa determinada época, que ele tinha sido naturalizado pela malária, que ele teve várias vezes. Ele amou profundamente o povo ao qual ele se dedicou, ali da região do Araguaia, de uma forma que os brasileiros, não todos, é claro, mas alguns infelizmente não têm esse amor pela terra que ele tem.
Acho que fica essa lição de um mundo sem fronteiras, Pedro é um internacionalista, uma pessoa que acredita que migrar é um direito humano. Ele esteve na África, antes de vir para o Brasil, depois veio para cá e ficou aqui, e nunca mais quis voltar a Espanha. Ele fincou raízes numa terra que teoricamente não é dele, ele não nasceu aqui, mas que ele realmente abraçou. Acho que fica essa visão de que a gente pode abraçar as nossas causas, que nós acreditamos, em qualquer lugar do mundo.
Com relação à Igreja, eu acho que fica a lição de um homem que conseguiu aliar a espiritualidade, Pedro é um homem profundamente espiritual, nos momentos mais terríveis da Ditadura, as pessoas contam que se encontravam com ele e ele estava de noite rezando, ele não perdeu nunca a espiritualidade, conseguiu aliar a questão espiritual com defesa do Reino. Mostra para a Igreja católica e para quem segue o cristianismo, que é possível rezar as ave-marias, estar na sacristia e estar também na romaria, e fazer ver que a espiritualidade, ela não é desprendida do corpo.
Um militar que chegou na casa dele, falou, por que é que o senhor não vai cuidar das almas, um bispo tem que cuidar das almas. O Pedro respondeu que nunca tinha visto almas passarem lá com fome. Ele deixa a lição que ele cuidou das almas sim, inclusive da alma dele, ele sempre rezou muito, ele sempre foi um homem de muita oração, mas ele também agiu, ele também foi a campo para cuidar dos problemas do mundo, e é possível aliar as duas coisas.
Foto de capa: CNBB
Imagem interna: Site livro medo do medo