Um Sínodo para amazonizar o planeta

Entrevista com Dom Neri Tondello, Bispo de Juína, MT

Dom Neri Tondello, Bispo de Juína-MT, fala nesta entrevista sobre o grito profético do Sínodo para a Amazônia que desde já denuncia os maus-tratos à Criação e convida a humanidade a amazonizar-se, isto é, Construir uma convivência comunitária sem assimetrias de poder, recuperar ao princípio fundamental da Comunidade. Entender também que Comunidade é tudo: terra, ar, água, minerais, plantas, animais, espíritos… Isso muda muita coisa!

Segue a Entrevista publicada pela jornalista Maria da Luz Fernandes na Revista da arquidiocese de Vitória – 03 de Julho de 2019

Relatório das respostas ao questionário do Sínodo da Amazônia

No próximo mês de outubro (2019) acontece o Sínodo para a Pan-Amazônia e alguns assuntos já estão na mídia. Para esclarecer sobre o que é, quais discussões e o que se pretende com o Sínodo, a Revista Vitória entrevistou Dom Neri José Tondello, bispo de Juína no Mato Grosso e membro do Conselho Pré-Sinodal.

Quando falamos de Sínodo para a Amazônia as pessoas entendem que vamos falar de meio ambiente, natureza, etc. O que a Igreja pretende refletir com o Sínodo para a Amazônia?

O Sínodo da Amazônia é um convite do Papa Francisco para pensarmos a “casa comum”. O Sínodo, contudo, é fruto de uma caminhada de longos anos de pastoral e de evangelização na Amazônia. Agora chegou a hora de assumir como diz o Papa, o “banco da prova”. A Igreja na Amazônia não pode estar aí como alguém de malas prontas para sair ou para voltar. A Amazônia conta com a necessidade de que a Igreja permaneça nela para além da visita.

O Sínodo especial para a Amazônia precisa tratar de maneira urgente a “Casa Comum”, isto é, a casa de todos. Ficou claro neste tempo de preparação que a “Casa Comum” está em risco. Somos sujeitos de perder o controle da ordem desta casa. Perdemos a dimensão do “oiko nomos” da obra prima da criação.

A biodiversidade, a convivência, as florestas, as matas, a fauna e a flora, os rios e as águas, elementos constitutivos em amplo debate, principalmente pensando nos povos indígenas, nossos ancestrais e mestres do cuidado. Pensar a relação dos quilombolas, dos ribeirinhos, assentados e todos os demais povos que “buscam alguma coisa de melhor”.

A preparação para o Sínodo começou em 2017. O que o senhor considera que este tempo preparatório já trouxe de resultados?

Desde o dia de sua convocação, 15 de outubro de 2017 até nossos dias, o Sínodo trouxe muitos resultados. Muitas rodas de conversa. Muita escuta. Muitos clamores se fizeram ecoar. Muitos apelos. Destaco o Mapeamento porque se trata de uma forma técnica a serviço da pastoral. O mapeamento colabora com a identificação da região, isto é, nos mostra quem somos, onde estamos e onde precisamos estar. O mapeamento nos ajuda sentir o forte e o fraco, as dores e as esperanças. A morte e a vida. Os desafios e as resistências. Neste tempo de escuta, sobretudo, refletimos qual o lugar e missão da Igreja na Amazônia.

O que mais preocupa a Igreja neste momento com relação à Amazônia?

A Amazônia através do documento lineamenta, primeiro passo que foi dado através do trabalho do Conselho Pre-sinodal, na direção da elaboração e aprovação do Documento Instrumenum laboris nos mostrou que o desmatamento irregular prossegue, o agronegócio sem escrúpulo no uso de agrotóxicos, os projetos de construção de barragens causando impactos ambientais e povos indígenas e ribeirinhos aparecem como as maiores vítimas. Os mais atingidos. A presença do garimpo e mineradoras, outra forma agressiva ao meio ambiente. Somados a estes problemas, ainda somam-se o tráfico de drogas e de pessoas. A violência no campo. A disputa pelas terras. Os conflitos e as mortes. Ainda sentimos a forte carência da Igreja como presença. Carecemos de pessoas preparadas ministros ordenados ou não, de preferência com rosto amazônico.

Quais desafios ou assuntos, na opinião do senhor, gerarão mais debate durante o Sínodo?

Os assuntos que vão ganhar destaque no Sínodo são aqueles que afetam a vida do nosso povo, sobretudo os mais vulneráveis, os indígenas que nunca estiveram em risco de extinção como agora. A Ecologia Integral, isto é, tudo está interligado como se fôssemos um, e uma vez que um fio desta rede for atingido toda rede da casa comum está comprometida com graves consequências. A biodiversidade não pode ser quebrada. Os problemas como o direito à terra e sua demarcação. A justiça. A saúde. A educação. A segurança. A pastoral e a evangelização.

O Governo Federal já se manifestou preocupado com o Sínodo. Existe algum motivo para essa preocupação?

Não vejo necessidade, o Governo Federal se preocupar com a realização do Sínodo da Amazônia. A missão da Igreja perdura desde sua fundação no tempo de Jesus. “Ide por tudo mundo e anunciai o Evangelho a toda criatura”, é mandato do Senhor Jesus, e, a Igreja o faz a mais de dois mil anos, no cumprimento deste dever de casa. O Sínodo, por sua vez, é fruto desta caminhada de Igreja presente na Amazônia. Mártires tombaram defendendo a casa comum na Amazônia. Mártires que deram sua vida por causa dos povos indígenas. Irmão Vicente Canhas, Padre Ezequiel Ramim. Padre Balduino apanhou, sofreu e foi preso por defender a verdade a respeito dos índios. Irmã Doroty, e outros.

Antes de imaginar o atual governo e sua eleição, o Sínodo já estava no coração do Santo Padre. Desde 2007, quando aconteceu a V Conferência Episcopal latino-americana em Aparecida, o então Cardeal Bergolio, redator do texto tinha consigo a preocupação com a Amazônia. Em vários momentos o documento se refere a este assunto. Mais tarde, eleito Papa, Francisco, escreve Evangelli Gaudium, e, na sequencia lança a Carta Encíclica Laudato Sì. Nesta Encíclica, o Papa deixa claro sua intenção de avançar no compromisso de cuidar da Amazônia. Portanto, o Sínodo é da Igreja e para a Igreja. Faz parte da essência da missão da Igreja, e não vejo necessidade, o Governo se preocupar com a realização deste evento. Quer o Sínodo ser um serviço à Igreja e à humanidade.

O Sínodo para a Amazônia pode trazer contribuições para a Igreja no resto do Brasil e até no mundo? Quais?

Ao se tratar de caminhos novos para a Igreja, o intuito do Sínodo é pensar, discernir e decidir por contribuições para a Igreja local/regional tão carente e gritante, e que poderá servir também para a Igreja, além fronteiras, i/é, a universalidade da Igreja. A sinodalidade da Amazônia ajuda a pensar a sinodalidade das conferências episcopais. O Sínodo ajuda pensar a ministerialidade da Igreja. A região panamazônica respira o desejo que o mundo seja amazonizado, a partir das relações de sobriedade com a vida que nossos ancestrais nos ensinam a partir da Amazônia. Amazonizar o mundo, significa responder às inquietações do mundo e que tocam a vida da Igreja na Amazônia. O Sínodo, ao mesmo tempo em que sabe das benesses da Amazônia para o mundo, ele desafia o mundo no sentido de como pode assegurar e garantir a vida do futuro no planeta, a partir do cuidado com a Amazônia. A Amazônia não pode ser vista como uma despensa que nunca acaba.

Durante a realização do Sínodo, as populações locais, principalmente as mais tradicionais serão ouvidas?

Mais de 80 mil pessoas participaram do processo de escuta. 260 eventos relacionados com a assembleia especial. 70 assembleias territoriais, 25 fóruns temáticos, mais de 170 encontros, seminários e reuniões. Ainda contamos com a presença de representantes durante a realização do Sínodo, nos dias 06 ao dia 27 de outubro próximo (2019) quando todos os bispos da Amazônia estarão reunidos em Roma com o Papa Francisco. Vale lembrar, que o Sínodo acontece de maneira gradativa. A cada dia o Espírito Santo suscita coisas novas.

O que o contato direto nesses preparativos trouxe para sua vida pessoal?

O Espírito do Sínodo nos conduz para um caminho de conversão ecológica, conversão missionária, conversão pastoral, conversão eclesial e conversão antropológica. O Sínodo trouxe para mais perto estes povos em clima de vivência da espiritualidade do encontro. O Sínodo entre outras iniciativas, trouxe para a Diocese de Juína, a escola de formação, escola de preparação para a diaconia permanente. Escola mista entre indígenas e não indígenas com 35 alunos. O Sínodo nos chamou para a inculturação e encarnação do Evangelho. O contato trouxe alegria, simplicidade. Beleza. A natureza reza, canta, dança. Respira espiritualidade.

Os temas polêmicos como casamento de padres e ordenação de mulheres serão abordados?

Os chamados temas polêmicos, para mim não são polêmicos. Quando sonhamos uma Igreja toda ministerial. Uma igreja para o serviço. Uma Igreja samaritana, entendo que os batizados, todos somos chamados para amar e servir. Independente de ser ordenado ou não. Agora, pensar o celibato para a Igreja como dom e um valor inestimável é uma bênção, concordo, mas também pensar o celibato como única forma de exercício sacerdotal, me parece limitar a criatividade do Espírito Santo de Deus. Muitos homens podem ter vocação para o sacerdócio sem ter vocação para o celibato.

O Sínodo é o Kairós de Deus dado à Igreja para pensar e rezar estes temas que apaixonam pelo Reino de Jesus. O Sínodo é espaço aberto para o debate e favorece o diálogo. Outro aspecto é o reconhecimento da presença da mulher na Igreja. Na Diocese de Juína, de 700 catequistas, cerca de 670 são mulheres. Assim é com a animação das comunidades. Nos grupos de reflexão e grupos de família são as mulheres em sua maioria que os animam. Não vejo nada de estranho, muito menos polêmico pensar em algum ministério oficial para as mulheres.

Por que um Sínodo específico para uma região quando o mundo está cada vez mais globalizado?

O Sínodo da Amazônia não é um acontecimento que anda sozinho. Ele abre uma perspectiva para outras realidades. Ao falarmos da REPAM, por exemplo, (REDE ECLESIAL PANAMAZÔNICA) estamos abrindo espaço para que outras realidades regionais participem dos mesmos ideais, problemas, dificuldades e perspectivas.

Por exemplo, a rede do Congo, a rede meso-americano, os bosques tropicais. O Sínodo da Amazônia, Sínodo regional assume a linha de frente com coração profético as grandes inquietações do mundo. Principalmente pensar a casa comum e nosso comportamento no interior desta casa. É uma chamativa para a conversão ecológica.

Diz-se que estamos consumindo 20 % a mais do que o planeta pode dar. O que acontece com a família, com a empresa quando gasta mais do que ganha? É falência na certa.

Portanto, não podemos falir a casa comum. Não podemos falir a água. Não podemos falir a biodiversidade. Não podemos falir o ambiente comum. Não podemos terceirizar nossa missão e nosso compromisso. Não podemos falir o futuro da humanidade. Não podemos negar nossa fé e falir com a obra prima da criação de Deus. Antes, nossa missão é sermos os guardiões por excelência desta obra.

A Amazônia precisa enfrentar por primeiro as grandes questões que afetam a humanidade inteira e precisa dar respostas. A Amazônia tem implicâncias para o mundo inteiro. Tudo está interligado.

O Sínodo da Amazônia apesar de ser regional assume os desafios de um sistema devorador centrado na ganância do produzir o máximo, consumir tudo, e lucrar o tudo o que dá. Este paradigma do produzir, consumir e lucrar leva à falência, a moral, a ética, a vida, as relações e a responsabilidade. Pensar outro mundo possível a partir das contradições do presente e assumir um estilo de vida mais sóbrio está no coração do Sínodo como meta que garante as gerações futuras. É chegada a hora. Não temos por onde correr.

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