Uma pedagogia para as bases

A palavra “pedagogia” é de origem grega. Significa conduzir uma criança. Mas um dado muito interessante na história da palavra é que o principal “pedagogo” era um escravo.

Temos conversado nesta coluna as implicações do trabalho de base em nossa realidade atual. Nestes dias Guilherme Boulos fez a seguinte afirmação: “A unidade da esquerda é importante, mas sozinha não garante a vitória. É preciso se reconectar com o povo”.

Porém, a grande pergunta é: COMO? Depois de Paulo Freire e tantos mestres do trabalho popular, não deveríamos ter tanta dúvida. Mas temos. Temos porque não fomos “pedagogos”. Temos porque, como diz Freire, comparando o método de Jesus com a nossa prática: “O ensino do Cristo não era nem poderia ser o de quem, como muitos de nós, julgando-se possuidor de uma verdade, buscava impô-la ou simplesmente transferi-la”.

Sim, a nossa cabeça ocidental e positivista não permite reconhecer sabedoria em quem narra a história com categorias pouco precisas para os nossos padrões. Queremos treinar seres humanos como treinamos cachorros, macacos, papagaios etc.. Temos interesse pelas histórias que acontecem ao redor das pessoas e não com a história das pessoas. Os mecanismos simbólicos de construção da subjetividade não são reconhecidos como uma força de resistência e de luta pela vida. Mal comparando, é como dizer a uma pessoa com depressão que ela só está deprimida porque quer.

Assim, vamos formulando “chavões” para justificar opções pedagógicas equivocadas como “pobre de direita”, “cada povo tem o governo que merece”, “o povo não sabe votar” e não nos perguntamos por que determinadas situações tomarem rumos que consideramos absurdos. E então colocamos na conta da ausência de formação quando acontece uma resposta popular que não vai em direção àquilo que acreditamos ser o melhor. A chamada conscientização nem sempre é pedagógica. Achamos que o cérebro é um computador que pode ser programado conforme a direção que queremos. Não se percebe os processos contínuos sob os quais a vida vai sendo vivida e tudo o que está em jogo para sobreviver.

O aprendizado é um processo que exige mente e coração. É preciso fazer a experiência de aprender, melhor ainda, apreender, isto é, trazer para dentro. Conhecer é um processo de emancipação, autonomia e liberdade.

Na década de noventa do século vinte, participei da coordenação de um programa de formação chamado TRAIRAPONGA. Pelo nome já se percebe a intenção. Este era o nome que indígenas davam a parte da região da Baixada Fluminense. Assim, o programa reunia pessoas durante um fim de semana por mês para rezar, refletir, conviver e aprender algo sobre a caminhada da fé. Até hoje encontro muitas pessoas que falam deste processo com grande entusiasmo. Fui até colocado em um grupo de Whatsapp chamado “amigos trairaponga”. Nunca mais participei de algo parecido.

Um processo pedagógico que envolva mentes e corações dá trabalho. Mas como diz um ditado árabe: “quem planta tâmaras não colhe tâmaras”, porque a tamareira leva de 80 a 100 anos para dar frutos. Aprender a aprender exige paciência. Recomendo uma animação no Youtube chamada justamente “aprender a aprender” (https://www.youtube.com/watch?v=Pz4vQM_EmzI).

E falando especificamente das CEBs, comunidades cristãs, deveríamos nos espelhar Naquele que é a razão de nossa fé. Deus se fez história. Escolheu o caminho humano processual, isto é, gravidez, infância, juventude, até se tornar adulto. Fez parte de uma família, certamente com todas as tensões que isto representa. E fez isto como escravo: “Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo” (Fl 2, 1-11).

Que a nossa ligação com o Senhor da vida nos permita ter “os mesmos sentimentos de Cristo Jesus”. Que possamos redescobrir aquilo que os povos tradicionais sempre souberam e continuam sabendo, muitas vezes no meio do barulho e da confusão, o que significa caminhar em direção ao BEM VIVER.

 

 

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