ColunistasPadre Joaquim Jocélio

Tempo do descanso da Terra

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Este ano, a Campanha da Fraternidade (CF) tem como tema Fraternidade e Ecologia Integral e como lema “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). É a nona vez que a CF tem um tema ligado à ecologia. Para além da urgência e necessidade do cuidado com a Casa Comum, vários fatos levaram à escolha desse tema este ano: 10 anos da publicação da encíclica Laudato Si’; o Brasil sediará uma das conferências internacionais da ONU sobre o clima (COP 30); 800 anos do Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis e o Ano Jubilar. Mas o que o Jubileu teria a ver com ecologia integral? 

Claro que o povo da bíblia não tinha o conceito de ecologia nem a compreensão sobre o planeta que hoje temos. Contudo, os israelitas entendiam o mundo como obra de Deus que deveria ser zelado e protegido. Por isso, ao apresentar a criação do mundo, mostram que Deus viu que toda a sua obra era muito boa (Cf. Gn 1,31) e deu à humanidade a tarefa de “dominar” (Cf. Gn 1,26.28) as criaturas, mas não em um sentido abusivo/destruidor, mas para cultivar e guardar (Cf. Gn 2,15). Esse zelo e cuidado com a criação estava presente até na lei. O descanso do sábado se aplicava também aos animais (Cf. Ex 20,10; Dt 5,14); o ano sabático era tempo de descanso da terra (Cf. Lv 25,3-5) assim como o próprio Ano Jubilar: “O quinquagésimo ano será para vocês um ano de júbilo: vocês não semearão, nem ceifarão as espigas que tiverem nascido espontaneamente, nem colherão uvas das videiras não podadas. O jubileu será uma coisa sagrada, e vocês comerão o que o campo produzir” (Lv 25,11-12). Assim, o Jubileu também era um tempo propício, um ano da graça para deixar a terra descansar, para cuidar da criação. Por isso, esse ano jubilar deve ser um momento para aprofundarmos o debate pelo cuidado com a criação.

Devemos aprender a ver a beleza da nossa Casa Comum, a mata, os animais, os rios, as tradições e a força dos nossos povos indígenas, a cultura popular. É momento de contemplar o conjunto da obra de Deus. Depois, também é preciso perceber o agravamento da destruição que estamos causando a essa obra e suas terríveis consequências ambientais, sociais, políticas, econômicas: desmatamento, queimadas, poluição, agrotóxicos, mineração predatória, crise migratória, aumento de novas e velhas doenças, latifúndio, consumismo desenfreado, etc. Por trás de tudo isso tem um modelo econômico destruidor que devora nossa Casa Comum e os povos, porque visa acima de tudo o lucro. O papa Francisco fala de paradigma tecnocrático onde a técnica domina em vez de servir e tudo controla para o interesse do mercado. Por isso, já denunciava que este “sistema social e econômico é injusto na sua raiz” (EG 59), por isso “este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos…. E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco” (II Encontro com os Movimentos Populares).

Mas enquanto somos chamados a cuidar da criação, vemos várias medidas, inclusive de autoridades governamentais, que agridem a criação: O governo dos Estados Unidos saiu do Acordo de Paris que traz várias estratégias de combate às mudanças climáticas, além de apresentar profundas posturas negacionistas quanto às mudanças climáticas; já o governo brasileiro formou um projeto para explorar petróleo na foz do Rio Amazonas, além de outras medidas preocupantes. O Brasil registrou ano passado o maior número de agrotóxicos liberados, cerca de 663; além disso, o incentivo ao agronegócio continua sendo muitíssimo maior do que o incentivo à agricultura familiar. É preciso dar um basta. Nós precisamos aproveitar esse tempo quaresmal e o próprio Ano Jubilar para intensificar nossas atitudes e reflexões no cuidado com a Casa Comum. “Se pelo simples fato de ser humanas, as pessoas se sentem movidas a cuidar do ambiente de que fazem parte, ‘os cristãos, em particular, advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em relação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé’” (LS 217), para nós, cristãos, é uma atitude religiosa, espiritual, zelar pela obra do criador. Pois “na tradição judaico-cristã, dizer ‘criação’ é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado” (LS 76).

E é bom recordar em nossos debates e ações que se trata de lutar por uma ecologia integral, que leve em conta os aspectos políticos, sociais, econômicos e ambientais para ouvir tanto o grito da terra como o grito dos pobres, pois são estes os que mais sofrem com a destruição do planeta. Precisamos entender que “não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental” (LS 139). Por isso que, “hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS 49). 

Além disso, as nossas propostas de ação devem envolver todos os níveis: pessoal, comunitário e social. Todos devem fazer sua parte para cuidar da Casa Comum, separando materiais recicláveis, evitando o desperdício e o consumismo, não poluindo; mas também devem se envolver em debates e movimentos que denunciem as estruturas, projetos que ditam os rumos destrutivos do planeta e que são a raiz mais profunda de tamanha crise socioambiental. Afinal, “para se resolver uma situação tão complexa como esta que enfrenta o mundo atual, não basta que cada um seja melhor… Aos problemas sociais responde-se, não com a mera soma de bens individuais, mas com redes comunitárias” (LS 219). Que esse tempo jubilar nos ajude a crescer como verdadeiros cuidadores da obra do Senhor, pois só assim podemos lhe render o verdadeiro louvor por suas criaturas! 

Artigos relacionados

Deixe um comentário

Botão Voltar ao topo