Não haveria Francisco sem João XXIII e o Concílio Vaticano II. E não haveria João XXIII sem Leão XIII. E por aí vai. Estabelecer processos: insistia Francisco. Sim, em um mundo de imediatismo, como é difícil perceber a necessidade de subir um degrau de cada vez, ou mesmo descansar um pouco antes de continuar subindo as escadas. Byung-Chul Han tem razão: é uma sociedade do cansaço.
Entre a internação hospitalar de Francisco e a eleição do novo bispo de Roma, o cardeal Robert Prevost, Leão XIV, muito já se falou e escreveu. Quantos diagnósticos e prognósticos. Estamos todos ansiosos, a ansiedade é um mal deste século, por encontrar um caminho no qual a humanidade possa achar uma “lâmpada maravilhosa” que contenha um “gênio” que irá realizar todos os nossos desejos. Desejos que muitas vezes esquecem que também nós somos natureza e que precisamos de paciência. Parece que aprendemos pouco com a história. Nós cristãos, então, aprendemos pouco com Jesus de Nazaré, aquele que passou fazendo o bem (At 10,38). Sim, ressuscitou, mas viveu a história humanamente, enfrentou desafios de relacionamentos, dos poderes que viram no profeta da Galileia uma ameaça, e foi preso, torturado e crucificado. É sempre bom lembrar o QUERIGMA, isto é, apresentar Jesus Cristo é apresentar a vida, paixão, morte e ressurreição. Não se pode fragmentar a mensagem do Nazareno.
De todas as falas que ouvi sobre o novo Papa, a que melhor suou nos meus ouvidos foi a de um amigo agostiniano; “É um homem bom, sabe escutar, caminhou com o povo”. Sim, um Papa com “cheiro de ovelha”. Esperemos que este critério nunca mais seja esquecido na Igreja Católica.
Pouco provável que este estadunidense/peruano, que o irmão mais velho disse que quer encontrar com ele para lhe dar uns “cascudos” na cabeça, consiga liderar a Igreja em direção a Galileia. Que ele em um longo pontificado, talvez de “20 anos”, faça uma “igreja pobre para os pobres”, que rompa com o patriarcalismo e com a ocidentalização do cristianismo, e que seja capaz de fazer uma Igreja com rosto negro e indígena. Pouco provável. Mas se ficarmos com o discurso de Pedro no livro dos Atos Apóstolos, poderemos dizer que Leão XIV, a exemplo do Mestre Jesus, “passou fazendo o bem”, e isto vai ser muito bom.
Francisco foi um profeta. Leão XIV poderá ser, mas será ao seu modo e só o tempo dirá. Porém, mesmo que ele não venha a ser, ele pode muito bem ajudar a Igreja a ser um pouco mais fiel ao Caminho de Jesus Cristo.
E nós, humildemente, esperando o aprofundamento da sinodalidade, poderemos dialogar como irmãos e irmãs que falam sem medo de punições e reprimendas, em um poliedro respeitoso, imagem de Francisco, vamos continuar tentando ser fiéis à herança deixada pelo projeto do Reino de Deus, missão fundamental de Jesus de Nazaré, e que, portanto, deve ser também dos cristãos e cristãs, de todas as igrejas que querem apontar para Jesus como Caminho, Verdade e Vida que se apresenta pela força do amor e não por força do poder dominador.
Sim, Leão XIV, se como Dom Cláudio Hummes sussurrou no ouvido de Francisco – “não esqueça dos pobres” – um cardeal tenha também sussurrado em seu ouvido – “não esqueça a sinodalidade” – será um “rio de água viva” desestruturando as barreiras que não permitem que na Igreja aquela frase do historiador seja repetida: “vejam como eles se amam”.
Somente em uma Igreja Sinodal se poderá conversar sobre ordenação de mulheres, por exemplo, sem que o báculo de algum bispo quebre a cabeça de alguém. Somente em uma Igreja Sinodal se poderá dialogar com outras religiões sem uma teologia da salvação arrogante e sem sentido para os dias de hoje. Somente em uma Igreja Sinodal haverá um serviço ministerial não clericalista onde todos os batizados, homens e mulheres, crianças e jovens, sejam tratados como irmãos e irmãs na mesma fé, e não como súditos. Que as insígnias do poder dominador sejam substituídas pelas do amor, como tantos santos e santas já demonstraram.
Esta coluna não tem espaço para colocar toda a conclusão da última encíclica de Francisco, Dilexit nos (sobre o amor humano e divino do coração de Jesus Cristo), mas encerremos com o último parágrafo, o 220:
“Peço ao Senhor Jesus Cristo que, para todos nós, do seu Coração Santo, brotem rios de água viva para curar as feridas que nos infligimos, para reforçar a nossa capacidade de amar e servir, para nos impulsionar a fim de aprendermos a caminhar juntos em direção a um mundo, solidário e fraterno. Isso até que, com alegria, celebremos unidos o banquete do Reino celeste. Aí estará Cristo ressuscitado, harmonizando todas as nossas diferenças com a luz que brota incessantemente do seu Coração aberto. Bendito seja!”
OBRIGADO FRANCISCO DA DIVINA MISERICÓRIDA. SEJA BEM VINDO LEÃO XIV.