Mandela, ontem um filho da África, hoje, o pai dos Africanos.

Cem anos do nascimento daquele que o mundo conheceu como Nelson Mandela

Fotografia: Naudal Alves

A noite de dezoito de julho de 2018 ficará por muito tempo nas memórias dos homens e das mulheres, de diversas religiões, que participaram da celebração inter-religiosa do aniversário de cem anos de Nelson Mandela. A celebração aconteceu na Catedral Anglicana em Curitiba. Sob à coordenação de Roberto Mistrorigo Barbosa, do Conselho Parlamentar pela Cultura da Paz do Estado do Paraná – CONPAZ -, e sob às bênçãos de Dom Naudal Alves Gomes, Bispo Anglicano Primaz do Brasil. Fizemos memória! Dissemos em uníssono, “Os condenados da terra são os preferidos de Deus”. Na verdade, são seus enviados e suas enviadas. E foi assim que manifestamos a nossa indignação e a nossa gratidão, fazendo memória também dos cem dias do sequestro político de Lula pela república de Curitiba. O nosso clamor que chegou aos céus, se deu ao som dos Tambores do Paraná. Sob o compasso e a maestria do Márcio José Ferro e sua gente, os tambores falaram a voz das Divindades.  Também foi em coro que dissemos juntos: “Mandela vive! Lula Livre! ”

Entre as presenças de denominações religiosas, culturais e políticas, e seus representantes tivemos: a Igreja Anglicana, que nos acolheu, com Dom Naudal e sua esposa Carmem, que proclamou a leitura do profeta Isaías (Is 65,17s), e outros membros; a Igreja Católica no Brasil, com a presença de diversas lideranças de pastorais como a Irmã Luciene de Melo, da Pastoral Carcerária, que deu eco aos clamores da população carcerária no Brasil. Sobretudo, a população feminina. Temos aproximadamente 750 mil presos no Brasil. Mais de 40% sem jamais terem sido julgados. Só no Estado do Paraná são 33 mil, sendo que são 138 mulheres grávidas e 5 bebês recém-nascidos. “As condições são desumanas, sendo que, a pessoa presa, só perde o direito de ir e vir. Todos os outros Direitos Humanos lhes são mantidos”, disse a irmã; João Ferreira Santiago, teólogo, poeta e militante, pelo CEBI Curitiba e do COMPAZ, falou sobre Mandela como um profeta que, assim como Isaías, sonhou e semeou sonhos de novos céus e nova terra. Como uma testemunha e um mestre, como o Papa Paulo VI concebia os profetas. Mas Mandela, assim como Lula, é um mártir: Lula, um mártir em vida, e Mandela, que foi perseguido e seguiu sua vida leal a suas convicções. Um abençoado de Javé, disse; Guilherme Pereira de Bairro, jovem estudante de teologia no CEBI, que estava emocionado; Luiz Rosa, da Comissão de Direitos Humanos, falou sobre a perspectiva da família como escola de humanidade; Marici Ventura Seles, do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial e da Rede Mulheres Negras do Paraná; Cristina Paulek, liderança do CEBI Curitiba, na Paróquia Santa Amélia, no Bairro Fazendinha.

Paulo Borges, do Centro de Promoção de Agentes de Transformação – CEPAT, nos levou à uma viagem na vida, na existência, na história e na mística de Nelson Mandela. De Rolihlala, seu nome de batismo, que, em xhosa, um dos idiomas oficiais do país, significa “quem traz problemas”, ou “agitador”. Até que, aos 16 anos, ao realizar um ritual de iniciação à vida adulta, recebeu o segundo nome de Dalibhunga, em português, “convocador de diálogo”, ou “conciliador”. Lembrando os mais de 25 anos que passou sequestrado pelo regime do apartheid, na prisão, até por fim, se tornar o “Madiba”, nome do clã ao qual pertencia. Este reconhecimento nos mostra o nível de pertencimento étnico de Mandela; Luiz Saboia da casa religiões unidas, destacou o papel das religiões na superação da violência e na construção da paz; Luiz Carlos, da antiga Mística Ordem Rosa Cruz, nos motivou um lindo momento místico com o canto Ohuuum!; Célia, da Comunidade de Vida Cristã – CVX – formada por leigos e leigas inacianos. Foi ela quem proclamou o texto das Bem-Aventuranças, trazendo-nos o que diz o Papa Francisco na Exortação Apostólica GAUDETE ET EXSULTATE (Alegrai-vos e Exultai), o “Coração pulsante do Evangelho”; as meninas da dança circular coordenadas pela Lúcia e da Casa Hoffmann.

A partir destes momentos de tantas emoções, em que a espiritualidade aflora e a vontade de Ser Mais cresce, a gente refaz uma série de conceitos. Enquanto cada vez mais se usam das palavras para dominar, oprimir e até como chicote, ficam-nos os exemplos dos místicos: são as atitudes, as ações concretas que seduzem as pessoas e movem multidões, mesmo após décadas e séculos. Partilho aqui duas das frases que me comoveram no novo livro do professor Mario Betiato. Estão presentes nas vidas de Mandela e de Lula, mas também de todos/as os/as condenados/as da terra. E são lições de humanização e de santidade para nós. Assim nos diz ele, em sua Carta escrita na Zâmbia, África 1991 e publicada no ano passado, “Quero dizer que não são as palavras que tornam Jesus Cristo conhecido e amado. São as atitudes” (BETIATO, 2017, p. 107). Poderíamos também dizer que são as mesmas atitudes que o fizeram um “Condenado da terra”. Que fazem de Lula, de Frei Tio Alencar, de Dom Oscar Romero, de Margarida Alves, de Marielle Franco e tantos e tantas outras de ontem e de hoje, condenadas da terra. Logo adiante, continua o professor, “É porque a vida é assim. A gente lembra de atitudes e esquece os discursos” (ibidem, p 108).

Preparando o trem de pouso desta viagem incrível, tão longa e tão rápida, tão rica em significado e em sentido, e, sobretudo registrando a significativa presença jovem nesta celebração inter-religiosa, é oportuno trazer presente o Frei Betto e o seu batismo cosmoecológico, “A Obra do Artista”, “(…) Não ganharia a humanidade tendo, à sua frente, e não atrás, exemplos como o modo de vida das nações indígenas e Che Guevara, Gandhi e Francisco de Assis, Maomé e Hipácia, Jesus e Buda, Lao-Tsé e Confúcio, e tantos outros?” (Betto, 1997, p. 75). Certamente, Frei Betto, e nós sabemos que os temos e os teremos. A nossa dificuldade é reconhecê-los em vida. Porém, “Só o tempo nos permite olhar para trás e contemplar o caminho já caminhado. Quantas curvas, tantas barreiras, obstáculos e desafios…. Aí a gente descobre que pode mais! Viva a tua vida! Viva a nossa vida! Viva!!” (SANTIAGO, 2017, p 129).

Referências:

BETIATO, Mário Antonio. Cartas de um professor. Curitiba-Pr: MouraSA, 2017.

BETTO, Frei. A Obra do Artista. São Paulo: Ática, 3ª Edição, 1997,

SANTIAGO, João Ferreira. Entre o Sol e a Lua – Um Eclipse de Amor e Poesia. São José dos Pinhais-Pr: Talher Gráfica e Editora – Encaderbrindes, 2018.

www.brasildefato.com.br

João Ferreira Santiago

É Teólogo, Poeta e Militante.

Mestre em Teologia e Especialista em

Assessoria Bíblica.

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