(Documento Final do Sínodo para a Amazônia – DF 39)
“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado de uma comitiva governamental, chega à cidade de Breves, no Arquipélago do Marajó, para o anúncio de medidas do Programa Abrace o Marajó. A solenidade em pleno período eleitoral integra um espetáculo midiático com questionáveis efeitos concretos. Soa estranho, também, em plena pandemia, em uma região com um sistema de saúde precário, a realização de atividades que favoreçam a aglomeração social, sem respeito às normas sanitárias, onde as taxas de contágio e óbitos em decorrência da Covid-19 são preocupantes.
A Prelazia do Marajó se associa às iniciativas democraticamente construídas com vistas à promoção do desenvolvimento socioeconômico e do bem estar da população marajoara. Sobretudo, aquelas medidas destinadas a superar dívidas históricas com o povo da região, com a proteção do meio ambiente e com a valorização da cultura regional. “A Amazônia (inclua-se o Marajó) hoje é uma beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os ataques à natureza têm consequências negativas na vida dos povos” (DF 10).
O Programa Abrace o Marajó poderia ser uma iniciativa governamental com vistas a oferecer respostas públicas às demandas da região. Para isso, seria indispensável um diálogo com o governo do Estado, com os poderes municipais e, principalmente, com as lideranças da sociedade civil. Um diálogo sincero, franco, responsável, envolvendo a pluralidade do tecido social da região: as lideranças religiosas das diferentes denominações, as lideranças dos variados setores da atividade econômica, formal e informal, as lideranças dos trabalhadores, das populações tradicionais, dos artistas, das juventudes, das mulheres, bem como lideranças de movimentos sociais e ambientais. Para se constituir em um programa de governo, com efetivos resultados econômicos e sociais, com responsabilidade ambiental, demandaria o envolvimento daqueles que trabalham em defesa da cidadania, da convivência democrática, do respeito à pluralidade, da justiça social e do cuidado com a “Casa Comum”. Como ensina o Sínodo para a Amazônia: “Para os cristãos, o interesse e a preocupação com a promoção e o respeito dos direitos humanos, tanto individuais quanto coletivos, não são opcionais. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus Criador, e sua dignidade é inviolável. É por isso que a defesa e a promoção dos direitos humanos não são meramente um dever político ou uma tarefa social, mas também, acima de tudo, um requisito de fé” (DF 70).
A história brasileira tem demonstrado fartamente o fracasso de iniciativas governamentais que veem o povo como destinatário e não como interlocutor, que dispensaram o seu conhecimento e as suas contribuições. Somar é a melhor estratégia para chegar aonde não se pode chegar sozinho (cf. DF 39) e o diálogo é o meio mais adequado para se conferir audiências aos interlocutores legítimos e às suas demandas. Portanto, é importante indagar sobre esta visita repentina do presidente e sua comitiva ao Marajó: Com quem o governo do presidente Jair Bolsonaro estará somando em pleno processo eleitoral? A que interlocutores estará conferindo audiência? Que mensagens estará veiculando?
Esta solenidade do anúncio de medidas do programa Abrace o Marajó não contará com a acolhida da Prelazia do Marajó porque não está inscrita em uma estratégia de somar forças, de estabelecer diálogos com a sociedade e de impulsionar iniciativas. Como estratégia midiática e eleitoral, parece claro que o presidente Jair Bolsonaro não veio ao Marajó para construir parcerias. Sua postura unilateral, com absoluto desprezo às autoridades constituídas, à população residente e às lideranças marajoaras, sinaliza que o objetivo de sua viagem está mais inclinado à busca de aplausos e não do estabelecimento de diálogos; reflete mais o desejo por plateias e menos a busca de interlocutores e de parcerias para um empreendimento público, orientado para a resolução de demandas regionais importantes.
A Prelazia do Marajó está disponível, como sempre esteve, ao diálogo construtivo e democraticamente cultivado. Contudo, recusa-se, por convicção ética e evangélica, a participar de eventos que favoreçam apropriações político-partidárias, especialmente no curso de processos eleitorais. Não compactuaremos com ações que confisquem a voz do povo marajoara e exonerem as suas agendas. Acolheremos, com especial atenção, dedicação e envolvimento, todas as ações destinadas ao Marajó que se abram à participação das populações locais, dando-lhes voz e vez nas decisões, considerando suas necessidades, respeitando suas tradições e culturas e garantindo a preservação do meio ambiente saudável.
Aproveitamos a oportunidade para desejar a todos os marajoaras e paraenses, um Círio de paz, de alegria, e de fraternidade. Que a Virgem de Nazaré nos inspire a sermos fiéis discípulos de Jesus, caminhando guiados pelo seu Evangelho.
+ Evaristo Pascoal Spengler
Bispo da Prelazia do Marajó
Breves-PA, 09 de outubro de 2020.
Segue o link da Carta em PDF: https://drive.google.com/file/d/1Jt1p4vYePEJ9tQezUJcJ3wkmri-G5ntw/view?usp=sharing