Neste próximo dia 10 de outubro, o papa Francisco abrirá oficialmente os trabalhos do Sínodo sobre a Sinodalidade. Começa o lento processo de escuta e sistematização das contribuições vindas das comunidades, paróquias, dioceses, congregações e movimentos.
Com esta Coluna vamos começar uma série de reflexões bíblicas tratando desta questão. O enfoque será maior em Atos dos Apóstolos, já que este livro relata os processos originários das comunidades que congregavam os seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré, morto e ressuscitado.
O primeiro episódio relatado em Atos (At 1,12-26) já nos coloca com clareza o processo sinodal assumido pela Igreja nascente. E, é bom lembrar, trata-se um processo decisório anterior à vinda do Espírito Santo. O texto narra a escolha do substituto de Judas Iscariotes no colégio dos Doze. Ou seja, Jesus subiu aos céus e não escolheu um novo apóstolo. E a Igreja deve agora fazer a escolha desta pessoa. Uma decisão anteriormente tomada pelo próprio Jesus. Creio que aqui está um dos grandes fundamentos da sinodalidade: diante de um problema, a Igreja deve tomar uma decisão no lugar de Jesus, buscando entender os critérios que Jesus assumiria ao tomar a sua decisão. E isso também deve nos tranquilizar bastante. Afinal, se o próprio Jesus fez uma má escolha ao colocar Judas no colégio apostólico, nós não temos a obrigação de acertar sempre.
Todo o processo relatado em Atos começa com a liderança assumindo seu papel. Pedro toma a iniciativa de restaurar o colégio apostólico, congregando o povo de Deus disperso. Cerca de 120 pessoas respondem à convocação de Pedro. Claro que este número tem um significado simbólico. É dez vezes doze. Cabe ao povo de Deus restaurar o colégio dos Doze já que este é o número que simboliza as doze tribos de Israel que formavam o povo da antiga Aliança.
Em seguida, Pedro coloca com clareza o problema a ser resolvido: ele fala da corrupção que foi a perdição de Judas, ao vender-se às autoridades sacerdotais, fala do que foi feito das trinta moedas e fala da morte violenta de Judas (At 1,16-20a). Atos deixa aqui um importante recado ao processo sinodal: ter clareza do problema e saber expor este problema às comunidades.
O texto deixa claro que Pedro não nomeia ninguém! O passo seguinte é entregar a decisão ao povo. Mas antes, Pedro também coloca critérios nesta escolha. Ele deixa claro que o sucessor de Judas Iscariotes não pode ser qualquer um. Pedro dá três critérios (cf. At 1,20b-22):
- O escolhido (sim, é um novo patriarca!) deve ser um membro da comunidade que se reuniu ao redor de Jesus. Ou seja, deve ser uma testemunha ocular (Cf. Lc 1,2);
- O escolhido deve testemunhar toda a caminhada de Jesus, “desde o batismo de João até o dia da Ascensão”;
- Este escolhido integrará o colégio apostólico e testemunhará a fé na ressurreição.
A comunidade convocada e orientada deve agora descobrir a vontade de Deus. Seguindo os critérios dados por Pedro, a comunidade seleciona duas pessoas: um tal José, chamado Bársabas e apelidado de “o Justo” e um outro chamado Matias. José Bársabas é bem elogiado e deve ser irmão de Judas Bársabas, pessoa importante que levou a Carta Conciliar para Antioquia (cf. At 15,22). De Matias não se diz nada. Tendo feito seu trabalho, a comunidade entrega os nomes para Pedro.
Pedro então convoca a comunidade para a oração e faz o sorteio entre os dois nomes. O sorteio, desde o Antigo Testamento, é considerado uma maneira de se acolher a vontade de Deus (cf. 1Sm 28,6). A sorte caiu não sobre o elogiado Bársabas, mas sobre o simples Matias que, desta forma, passou a integrar o colégio apostólico. Por incrível que pareça, tal método de escolha papal por sorteio ainda é mantido pela Igreja copta do Egito. Acredito se um método assim fosse assumido nas nossas dioceses, teríamos bispos muito melhores.
Não deixa de ser interessante que Atos nada fale em escolha por maioria de votos. Tal método já era usado nas cidades gregas daquela época. Talvez assim a gente entenda a insistência do papa Francisco em dizer que Sínodo é muito diferente de Parlamento. Implícito está a firmação verdadeira de que nem sempre a maioria tem razão. Está aí a eleição do Bolsonaro que confirma isso.