Riqueza não é apenas abundância, mas concentração de bens. E pobreza não é apenas carência, mas negação dos bens existentes e acumulados. Se houvesse abundância de bens para todos não haveria riqueza, mas fartura. Se houvesse carência de bens para todos não haveria pobreza, mas escassez. Não se pode identificar riqueza com abundância nem pobreza com carência. Riqueza e pobreza têm a ver com concentração dos bens existentes. Não é algo natural, mas um produto social. Tampouco é algo bom, ético e evangélico, mas uma injustiça social e um pecado que clama ao céu. Por isso, é preciso lutar com todas as forças contra a pobreza e contra a riqueza. Só há pobreza porque há riqueza. E só se combate a pobreza, combatendo a riqueza.
A expressão mais extrema e dramática dessa relação entre riqueza e pobreza é a fome. Ela é resultado de uma forma de organizar a sociedade que concentra os bens nas mãos de uns poucos e nega a grande parte da população até os meios materiais básicos de sobrevivência. Como entender que um dos maiores produtores de alimento do mundo deixe mais de 33 milhões de pessoas passando fome (15,5% da população) e mais de 125 milhões de pessoas em algum nível de insegurança alimentar (58,1% da população)? Não falta alimento no Brasil. Pelo contrário. A cada ano, o País bate recordes na produção de alimentos. O que há é concentração dos bens nas mãos de uns poucos. A pobreza e miséria de muitos é resultado de riqueza/concentração de uns poucos.
E esse quadro geral de riqueza que produz pobreza e miséria se reproduz em cada região do Brasil e do mundo. Um exemplo disso é o Vale do Jaguaribe, no Ceará. Segundo informações do Ministério da Cidadania, mais de 43% da população da região vive em situação de pobreza (renda mensal de até 486 reais) ou extrema pobreza (renda mensal de até 168 reais). Curiosamente, essa região é um dos centros mais importantes do agronegócio no Ceará: fruticultura, carcinicultura, cotonicultura, pecuária etc. Só o Município de Limoeiro do Norte, que possui o segundo maior PIB Agropecuário do Ceará, tem 39% de sua população em situação de pobreza ou extrema pobreza. E essa situação se reproduz, com suas peculiaridades, em todas as regiões do país.
Tudo isso mostra que riqueza não significa apenas abundância, mas concentração de bens. E que pobreza não é apenas carência, mas negação dos bens existentes e acumulados. Em seu discurso na abertura da Conferência do Episcopado Latino-americano em Puebla – México (1979), João Paulo II expressou bem essa situação, ao se referir aos mecanismos que produzem “ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres”. E formulou bem um princípio que deve orientar a ação de enfrentamento dessa situação: “sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”. Retomando e aprofundando essa reflexão, Francisco recorda em sua Exortação Apostólica “A alegria do Evangelho” que “a desigualdade é a raiz dos males sociais” e insiste que, “enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum” (EG 202).
Isso não nega a importância e necessidade de ações emergenciais e políticas assistenciais (a fome tem pressa!), mas mostra que elas não são suficientes e que é preciso lutar por políticas estruturais que promovam repartição dos bens existentes e acumulados: demarcação de terras indígenas e quilombolas, reforma agrária, agricultura familiar camponesa, moradia, saúde, educação, reforma tributária com taxação das grandes fortunas e imposto progressivo etc. E isso só consegue com mobilização e organização popular. Daí a insistência de Francisco na importação dos movimentos populares na luta por direitos e por justiça social. Em seu primeiro encontro mundial com os movimentos populares (14/01/2015), sintetizando gritos, sonhos e lutas, indicou uma verdadeira agenda para a construção de uma nova sociedade:
“Nenhuma família sem casa,
nenhum camponês sem terra,
nenhum trabalhador sem direitos,
nenhuma pessoa sem a dignidade que provém do trabalho”!
Papa Francisco
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