A Presença nas Bases

Quando se fala de voltar as Bases é possível aparecer uma questão: que tipo de presença qualifica um/a assessor/a, um/a articulador/a para falar com legitimidade? Haveria necessidade de uma presença permanente? Uma presença eventual daria conta?

A resposta a tal indagação está longe de um consenso. Contudo, se faz necessário problematizar. Parece que há acordo quanto certo distanciamento que vem se dando nos últimos tempos. No mundo da política, por exemplo, a vitória de políticos populistas e até mesmo com boa dose de fascismo, é explicada, por muitos, pelo fato de não se saber dialogar com universo popular. Nas igrejas a mesma coisa.

Defendemos que algum tipo de presença é, de fato, uma condição para qualificar, falar e escrever sobre as bases. Clodovis Boff, que escreveu uma obra clássica sobre o método teológico, ficava seis meses no Acre em trabalho com a Base, e seis meses na universidade dando aula. E como fui aluno dele percebia nitidamente o quanto sua experiência era um fator de fundamental importância em suas aulas. Foi um dos melhores professores que já tive.

Outro mestre que tem enorme sintonia com as pessoas que estão na base é Frei Carlos Mesters. Seu livro “Seis dias no porão da humanidade”, o primeiro que li, transpira povo. Mesters também é conhecido por sua presença no meio do povo.

Agora, seja qual for o tipo de presença, será necessário estar por inteiro, com humildade, com abertura até para mudar o rumo de uma assessoria se no diálogo com o povo for percebido que o processo estabelecido no início não está alcançando a interação necessária. E com grande capacidade de ouvir. Como diria Rubem Alves, precisamos de cursos de “escutatória”.

Evidente que há uma variedade enorme de presença nas bases. Muitas lideranças, inclusive, qualificaram-se ou até mesmo ascenderam economicamente te tal modo que podem com o tempo permanecer em um modelo de relação que não se comunica mais com o povo. Muitos acabam até saindo do território onde fizeram sua opção de caminhar com as comunidades. Podem até se colocar com certa arrogância e sentimento de superioridade.

É comum que setores progressistas desqualifiquem o povo quando estes optam por uma direção contrária ao que temos por convicção ser o melhor para eles. E quando nos referimos aqui ao povo ou base, estamos falando das classes espoliadas, e não do povo em geral. Podemos reagir sem tentar entender o porquê de determinadas situações. Meu mantra dos últimos tempos é: estamos dando respostas velhas a perguntas novas. Perguntas novas que exigem um reposicionamento de estratégias, de argumentos, de metodologias, pois o que fazíamos no século passado pode não ter a mesma capacidade de comunicação no presente.

Não se trata, naturalmente, de começar tudo de novo, de negar determinados pressupostos do conhecimento, ou muito menos a ética. Mas é fundamental rever convicções que não se enquadram mais na mudança de época que estamos vivendo. Aliás, mesmo no passado corríamos o risco de usar métodos que não penetravam com profundidade na existência de muitos e muitas. Assim, tanto se pode sair das bases como as bases podem não ouvir mais as lideranças locais. Pode acontecer que assessores/as, mesmo fazendo um enorme esforço para manter alguma presença nas bases, não consigam cativar o povo. O fenômeno midiático atual entra na vida das pessoas e nossa fala pode ficar esvaziada. E não por falta de um bom conteúdo, mas por não tocarmos em mentes e corações.

O elemento pedagógico se torna fundamental. Não basta promover uma quantidade grande de formação. Faço uma pergunta curiosa: neste momento de pandemia, no qual explodiu a prática dos encontros à distância, quanto do que assistimos penetrou em nossas vidas? Esta pergunta é uma provocação para avaliarmos o caminho escolhido: meto-odos. “Odos” é caminho em grego. Assim, sem um bom mapa para alcançar o objetivo, podemos dar muita volta e perdemos muita gente pela estrada.

 

 

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