Já faz tempo que a mídia digital religiosa fascista usa e abusa de conceitos teológicos sem nenhum pudor. Chamar esta campanha midiática de “ultraconservadora” já não define a desonestidade de tais grupos. O conservador, mesmo “ultra”, pode ter algo com fundamento a ser justificado. Por isso, a melhor definição é fascista ou, pelo menos, braço religioso da extrema direita.
O título da coluna poderia ser alargado para cristianismo e outras expressões religiosas em geral. Até o Espiritismo, que sempre primou por argumentar bem suas convicções, também tem sido utilizado por estes grupos.
E a principal vítima é o povo pobre que teima em sobreviver neste contexto de crise civilizatória. Os empobrecidos se agarram onde e como podem para enfrentar os desafios da luta pela vida. Mas existe também um setor considerável da classe média que já não é tão vítima e imagina que os “progressistas” podem acabar com “valores” que muitos deles só falam da boca para fora, como o conceito de família. São contra o aborto, e esta coluna não questiona a posição contrária ao aborto, mas escondem abusos sexuais, pedofilia, assédios de diversos tipos, violência doméstica, desvios de conduta, etc. São capazes de bater palmas para assassinatos feitos pela polícia sob a alegação de que são todos “vagabundos”.
Existe maldade mesmo, nada a ver com o caminho misericordioso de Jesus Cristo. Existe desonestidade, defesa de privilégios, de poderes autorreferenciais que estimulam o próprio ego e não o serviço ao povo de Deus. Deus, que nos criou livres e, como ensinou Jesus de Nazaré, não se impõe pela força, mas vem ao nosso encontro no amor, deve “sofrer” de alguma forma vendo tudo isso. Os cristãos devem lembrar que Deus se revelou em Jesus Cristo que assumiu a condição humana, passando pela vida, paixão, morte e ressurreição. Mateus 25 nos lembra de que o critério fundamental do Caminho é encontrar o Senhor naquele e naquela que sofre: “Tive fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber…”.
No 15º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), realizado de 18 a 22/2023, na diocese de Rondonópolis-Guiratinga, algumas postagens desta mídia perversa nos chamou a atenção. Costumam recortar partes para fazer suas acusações sem qualquer fundamento, mas que, infelizmente, como aprendemos nos últimos anos com as notícias falsas (fake news), fazem muito estrago. Infelizmente, leigos e leigas católicos/as, nas últimas décadas, assistiram à contínua diminuição dos processos formativos, abrindo espaço para o exercício de um “poder sagrado” autoritário e nada sinodal.
Eles sabem muito bem diferenciar uma Missa de uma celebração da Palavra, mas recortam trechos e colocam na mídia para afirmar que estávamos fazendo, no 15º, uma celebração eucarística falsa, ainda mais porque uma mulher presidia a celebração. Chamam de paganismo símbolos da cultura popular que preenchem ricamente a mensagem cristã. Ora, quando um Papa se deixa fotografar com cocar indígena ele está usando um símbolo pagão? São João Paulo II usou e agora Francisco também. A inculturação sempre esteve presente no processo de evangelização. Não é preciso estudar muito teologia e história da Igreja para perceber o quanto a fé cristã usou símbolos que não afetaram e não afetam o essencial da mensagem evangélica.
Contudo, quando questionados em suas práticas litúrgicas sem fundamento teológico, como o tal “cerco de Jericó”, acusam-nos de não respeitar Jesus na hóstia consagrada. Aproximam-se perigosamente do “jansenismo”, prática condenada pela Igreja que pregava um rigorismo moral e visão deturpada do sacramento eucarístico.
Muitas lideranças das CEBs têm sido acusadas, em suas bases, de paganismo e heresias, e muitos ministros ordenados, que em tese estudaram teologia, não ajudam a procurar um caminho fraterno de conciliação, muito pelo contrário. Colocam-se dentro de uma postura autoritária e muitas vezes até impedem a participação de tais lideranças na comunidade.
Está passando a hora de desmascarar essa turma que causa muita dor e sofrimento a servidores e servidoras que doam suas vidas em direção ao Projeto de Jesus Cristo: o Reino de Deus. Talvez tais setores católicos queiram mesmo afastar pessoas que caminham com as CEBs e que até saiam da Igreja. Assim, podem manter suas posições sem questionamento. A espiritualidade católica é muito rica, naturalmente não se faz necessária uniformidade de práticas religiosas. O exemplo mais clássico é o conjunto de ordens religiosas diferentes. É preciso viver a unidade na pluralidade. Mas quando se pretende colocar toda Igreja debaixo de um único caminho espiritual, se está indo no caminho diametralmente oposto ao de Jesus Cristo, Aquele que “passou fazendo o bem” (At 10,38).
P.S.: Quando esta coluna estava a caminho da publicação, Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte, no domingo da transfiguração (06/08), foi vítima de uma dessas ações por uma suposta negação da comunhão eucarística. Ele precisou vir a público para esclarecer. Gasta-se muita energia com essa gente.