O 15º Encontro Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, celebrado em Rondonópolis – MT, nos dias 18 a 22 de julho, nos proporcionou uma bela e fecunda vivência com características marcantes, dentre as quais destacamos: a alegria do encontro, a força viva e participativa das pequenas comunidades, as celebrações da caminhada, a centralidade e força da Palavra de Deus, a comunhão com o magistério do Papa Francisco, a voz, o grito e o clamor dos pobres e da terra frente aos grandes desafios do nosso tempo, a análise crítica e sapiencial da sociedade e da Igreja; a opção inegociável pela Igreja pós-conciliar – Igreja povo de Deus, Igreja-Comunidade, Igreja dos pobres; a memória martirial e profética das defensoras e defensores da vida, o protagonismo das mulheres, das juventudes e dos povos originários e a identidade de uma Igreja sinodal e missionária das CEBs como Igreja em saída para as periferias.
Em sintonia com o ano e o mês vocacional da Igreja do Brasil, que nos apresenta como tema: Vocação, Graça e Missão e o Lema: “Corações ardentes, pés a caminho” (Cf. Lc,24,32-33), abordo neste texto a temática das vocações das e nas Comunidades Eclesiais de Base.
O 15º intereclesial das CEBs deu visibilidade à beleza e fecundidade das diversas vocações na Igreja, na qual, leigas e leigos, religiosas e religiosos, padres e bispos, além de lideranças de outras denominações religiosas, juntos e juntas, compartilharam em relações de igualdade, a missão de ser comunidade de discípulos e discípulas de Jesus de Nazaré. Todas e todos testemunharam com alegria e vigor missionário a vocação para a qual foram chamadas/os, colocando suas vidas a serviço da vida plena para todos e todas. E o fizeram, na circularidade e horizontalidade das relações, denunciando a hierarquização e o clericalismo tão arraigado nas estruturas eclesiásticas. Foi bonito de ver leigas/os, consagradas/os e ministros ordenados, cirandando, unidos e unidas no passo e no compasso do esperançar militante; cantando a utopia de que a vivência da mística e a profecia das CEBs por “Novo céu e a Nova terra” são possíveis através da partilha dos dons, carismas e ministérios de cada vocação específica.
À luz dos relatos bíblicos e da eclesiologia pós-conciliar, a vocação é entendida como Dom, Graça e Missão. Um chamado de Deus a todas e todos para a missão de fazer que todos os povos se tornem discípulos/as missionários/as (Mt 28,19). As CEBs trazem no seu DNA a vocação profética, sinodal e missionária, herdada da práxis libertadora de Jesus e das Primeiras Comunidades Cristãs. A escuta e a encarnação da Palavra de Deus na história, a assídua vida de oração, a partilha do pão, a opção e o cuidado com os pobres, o compromisso com a transformação da realidade, a vivência do amor, da solidariedade, a luta pela justiça social e a cultura da paz, faz das CEBs terreno fértil, sementeiras de todas as vocações e ministérios. Nelas, há lugar para todos e todas.
A comunidade é por excelência o lugar do despertar e do cuidado das vocações, no qual as pessoas amadurecem através da vivência da fé, a descoberta do dom de Deus que nelas habita, como um convite vocacional que emerge do Vem e Segue-me de Jesus, ouvido e sentido na vida de oração, da escuta da Palavra de Deus e do clamor dos pobres, da vivência do mandamento do amor, das relações soroternas e do poder serviço. Assim afirma o Papa Francisco: as vocações brotam do coração de Deus e germina na terra boa da comunidade do povo fiel.
Infelizmente, a conjuntura eclesial das últimas décadas, com a ascensão dos movimentos espiritualistas e conservadores e a paroquialização das comunidades e, consequentemente, a invisibilização das CEBs e da Igreja pós-conciliar, tem mostrado uma significativa mudança no perfil das vocações. Tanto os ministérios ordenados, a vida religiosa consagrada, como também o laicato, na sua maioria trazem a marca do tradicionalismo conservador e do clericalismo. São vocações voltadas mais para o templo e o rito, em detrimento da Igreja povo de Deus. São vocações a serviço de um fundamentalismo religioso intimista e terapêutico em detrimento do anúncio profético do Evangelho de Jesus.
Frente a isso, as Comunidades Eclesiais de Base são, sem dúvida, o espaço-semente para a criação de uma cultura vocacional, tão necessária e querida por nós: com lideranças leigas, ministros ordenados, religiosos e religiosas comprometidas com a vida do povo, capazes de responder aos sinais dos tempos com amor e ousadia profética, com cheiro de ovelhas, testemunhas fiéis da alegria do Evangelho, dispostas e dispostos a sair para as periferias geográficas e existenciais, assumindo a radicalidade do seguimento de Jesus, o mestre do caminho e da cruz que liberta e salva.
Desde os seus primórdios nos anos 60, as CEBs foram parteiras de inúmeras vocações para a Igreja e a sociedade. Os Intereclesiais com sua força mobilizadora são uma mostra explícita desta afirmação. Nas CEBs cada pessoa é vocacionada, convidada a ouvir e responder ao chamado de Deus que se manifesta na escuta da Palavra de Deus e da vida, no grito dos pobres e nas celebrações litúrgicas, colocando a sua vida e seus dons a serviço do Reino de Deus, numa Igreja toda ministerial.
Neste horizonte, se de fato queremos criar uma cultura vocacional voltada para uma Igreja sinodal, de comunhão, participação e missão, uma Igreja pobre para e com os pobres, Igreja da proximidade, da inclusão e da sorofraternidade universal, uma Igreja rede de comunidades, que caminhe com Jesus de Nazaré pelas trilhas do bem viver para todos os povos, é urgente: alargar a tenda das CEBs e potencializar sua vocação de gestar, parir e acompanhar as novas e diversas vocações que seguirão surgindo em seu meio, como Dom, Graça e Missão do Espírito de Deus; uma maior aproximação e abertura para o protagonismo das juventudes nas CEBs; o reconhecimento das CEBs como espaço de sujeitos eclesiais ativos; o redirecionamento, investimento e qualificação dos processos formativos dos seminários, das casas religiosas e também do laicato, em vista de uma formação encarnada e inculturada na vida do povo; o reconhecimento dos ministérios das mulheres e sua participação nos espaços de decisão; a dinâmica das relações pautadas num discipulado de iguais com acolhida e respeito às diferenças, uma liturgia mais viva e atrativa que toque a vida das pessoas, valorize a cultura, a simbologia da comunidade local, dentre outras.
O ano vocacional só atingirá seu objetivo se reconhecer que as CEBs são de forma privilegiada o caminho e a casa de Emaús onde arde o coração, o chão onde os pés se põem a caminho em saída missionária!