ColunistasFrancisco Orofino

CF 2022: A prática pedagógica de Jesus

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Fala com Sabedoria. Ensina com Amor

Vimos na coluna anterior que Jesus fez uma opção pastoral assumindo a função de um educador popular itinerante. Por isso mesmo, o verbo que mais aparece no Novo Testamento associado à vida pública de Jesus é o verbo ensinar (didásko – mais de 90 vezes). Assim, o mestre (didáskalos) Jesus ensinava o povo através de um sistema pedagógico acessível aos seus ouvintes. Tal sistema, definido pela palavra parábola, indica um tipo especial de relacionamento entre Jesus, chamado de mestre, e os seus seguidores e seguidoras, chamados discípulos e discípulas. Este relacionamento mestre-discípulo é muito diferente de um relacionamento professor-aluno. Seguindo o mestre, o discípulo e a discípula devem aprender sabendo conviver com ele. Só entenderemos o método pedagógico de Jesus se entendermos sua prática formativa desenvolvida na convivência com as pessoas que o seguiam. Formando uma comunidade com seus discípulos e discípulas, Jesus aponta como caminho pedagógico a sua própria prática de ser um com eles. Vamos destacar alguns passos deste método.

Fala com Sabedoria

Jesus convida as pessoas à reflexão teológica e existencial a partir das coisas ou dos fatos mais corriqueiros e cotidianos. Salgar a comida (cf. Mt 5,13), acender uma lâmpada (cf. Mt 5,14), pescadores que puxam rede (cf. Mt 13,47), camponeses semeando (cf. Mt 13,4), plantas que crescem (cf. Mt 13,31), pastores trabalhando (cf. Lc 15,4), uma galinha choca que protege seus pintainhos debaixo das asas (cf. Mt 23,37), uma torre que cai sobre os operários (cf. Lc 13,4), mulher fazendo pão (cf. Lc 13,20), filhos que saem de casa (cf. Lc 15,13), brigas familiares (cf. Mc 3,25), juízes corruptos (cf. Lc 18,2), trabalhadores desempregados (cf. Mt 20,7), mendigos sentados nas portas (cf. Lc 16,20), odres que se rompem (cf. Mc 2,22), roupas remendadas (cf. Mt 9,16), festa de casamento (cf. Mt 22,2)… Qualquer situação humana é material suficiente para Jesus transmitir um ensinamento. Sua pedagogia parte da observação, da realidade, do cotidiano. Nada de decorar conteúdos ou raciocinar em cima de abstrações, mas saber analisar fatos e situações bem concretas procurando discernir a ação de Deus. Partindo destas situações caseiras, Jesus consegue se fazer entender por qualquer pessoa (cf. Lc 10,21), permitindo que sua mensagem atinja a todos e todas, sem discriminação.

Ao optar pelo ensinamento através de parábolas, Jesus adota uma pedagogia de participação do ouvinte. A palavra parábola vem do grego e significa “comparação”. Na verdade, parábola tenta traduzir o hebraico mashal. Um mashal é mais do que uma comparação. Mashal é uma sentença sapiencial, uma frase, um dito, um provérbio, enfim, o alicerce da Sabedoria que define o pensamento próprio do povo de Israel (cf. Sl 78,1-8). Ao adotar o mashal como instrumento pedagógico (cf. Mc 4,33), Jesus está sendo fiel ao pensamento e à cultura de seu povo. Ao construir suas historietas, seus contos, seus “causos”, Jesus sabe que o mashal só se completa com a reação e a participação do ouvinte. Desta forma, vemos que Jesus faz sua opção por uma pedagogia participativa e de fácil acesso, sendo compreendido por todos.

Contando ou inventando parábolas, Jesus revela toda a sua pedagogia aberta e livre. Aos ouvintes ele faz uma proposta, exigindo de cada um uma tomada de posição diante do que ele está narrando (cf. Lc 10,29-37). Desta forma, não podemos pensar que uma parábola, isolada de seu contexto, contenha todo o ensinamento de Jesus. Ou que qualquer detalhe ou imagem de uma parábola tenha um significado específico. As parábolas devem ser entendidas no seu conjunto e na sua situação. Sua mensagem explicitando a realidade nova do Reino de Deus é captada a partir deste conjunto.

Mas um detalhe é importante no uso das parábolas. O pensamento construído a partir da parábola busca levar a pessoa a pensar dentro de uma lógica diferente. Ao analisarmos certos comportamentos dentro de uma parábola pensamos que eles são ilógicos. Na verdade, muitos comportamentos dentro de uma parábola são a-lógicos, ou seja, revelam uma lógica diferente daquela que estamos acostumados a lidar no nosso dia-a-dia. Por exemplo, nenhum pai age como o pai da parábola do filho perdido (Lc 15,11-32). Da mesma forma, nenhum patrão contrata trabalhadores faltando apenas uma hora para encerrar a jornada de trabalho (cf. Mt 20,1-16). Ao contar a parábola, Jesus chama a atenção para uma maneira diferente de resolver e enfrentar os problemas do cotidiano. É como se Jesus pedisse para que olhássemos para aquilo que está oculto nas coisas mais aparentes e banais. Desta forma, por trás dos gestos corriqueiros que ele toma para transmitir seus ensinamentos, Jesus tenta nos colocar diante do comportamento a-lógico de Deus. Ao narrar as parábolas com estes exageros, Jesus está tentando nos comunicar o Reino de Deus e a sua justiça. Ele quer deixar claro que as atitudes do Pai não podem ser, de maneira nenhuma, confundidas com as atitudes humanas. A justiça de Deus não pode ser confundida com a justiça construída dentro da lógica humana. 

Hoje, mergulhados dentro de propostas pedagógicas construídas a partir dos princípios racionais da filosofia grega, o pensamento judaico expresso pelas parábolas pode servir de importante instrumento para descobrirmos o profundo que se esconde nas situações ou coisas mais aparentes. Jesus vem nos alertar para aquilo que está oculto nas intenções ou nas situações mais evidentes. Ele nos convida para ir além do que é evidente e buscar o que está oculto. E o Pai, “que vê o que está oculto” (Mt 6,4.6.18), nos recompensará. 

Ensina com Amor

Jesus propõe um caminho. No seu esforço de ser um com seus discípulos e discípulas, Jesus oferece a todos uma convivência. Nesta proposta ele não seleciona pessoas. Acolhe a todos e todas. Sabe conviver com todos, transmitindo e ensinando qualquer um que se proponha a ouvi-lo. Por outro lado, Jesus não trata a todos por igual. Ele sabe distinguir as pessoas com métodos particulares, conforme a situação peculiar de cada uma delas. Tanto Nicodemos quanto a samaritana receberam um ensinamento sobre o batismo. Mas o diálogo de Jesus com Nicodemos não é o mesmo que ele estabelece com a samaritana.

Ao longo daqueles três anos, Jesus acompanha os discípulos e as discípulas. Ele é o amigo (cf. Jo 15,15) que convive com elas e eles, conversa com eles, come com eles, anda com eles, alegra-se com eles, sofre com eles. É através desta convivência pedagógica que os discípulos e as discípulas se formam. Muitos pequenos gestos refletem o testemunho de vida com que Jesus marcava presença na vida dos discípulos: o seu jeito de ser e de conviver com os amigos e amigas, de relacionar-se com as pessoas e de acolher o povo que vinha falar com ele. Era a maneira de ele dar forma humana à sua experiência de Deus como Pai:

Com esta comunidade Jesus soube ser um bom pedagogo através de atitudes e posturas:

  • Amigo, já que comparte tudo, até mesmo o segredo do Pai (cf. Jo 15,15). 
  • Carinhoso, capaz de provocar respostas fortes de amor (cf. Lc 7,37-38; 8,2-3; Jo 21,15-17; Mc 14,3-9; Jo 13,1). 
  • Atencioso, preocupa-se com a alimentação dos discípulos (cf. Jo 21,9), cuida do descanso deles e procura estar a sós com eles para descansar (cf. Mc 6,31). 
  • Pacificador, ele inspira paz e reconciliação: “A Paz esteja com vocês!”.(Jo 20,19; Mt 10,26-33; Mt 18,22; Jo 20,23; Mt 16,19; Mt 18,18). 
  • Compreensivo, aceita os discípulos do jeito que são, até mesmo a fuga, a negação e a traição, sem romper com eles (cf. Mc 14,27-28; Jo 6,67). 
  • Comprometido, defende os amigos quando são criticados pelos adversários (cf. Mc 2,18-19; 7,5-13). 
  • Realista e observador, desperta a atenção dos discípulos para as coisas da vida através do ensino das parábolas (cf. Lc 8,4-8). 
  • Livre e liberto, desperta e provoca liberdade e libertação: “O ser humano não foi feito para o sábado, mas o sábado para o ser humano!” (Mc 2,27; 2,18.23)
  • Misericordioso, manso e humilde, acolhe a todos, especialmente os pobres: “Venham todos a mim” (Mt 11,28). 
  • Preocupado com a situação do povo, esquece o próprio cansaço e acolhe o povo que o procura (cf. Mt 9,36-38). 
  • Sábio, conhece a fragilidade do ser humano, sabe o que se passa no seu coração e, por isso, insiste na vigilância e ensina-os a rezar (cf. Lc 11,1-13; Mt 6,5-15). 
  • Pessoa de oração, Jesus reza em todos os momentos importantes de sua vida e desperta nos outros a vontade de rezar: “Senhor, ensina-nos a rezar!” (Lc 11,1-4; Lc 4,1-13; 6,12-13; Jo 11,41-42; Mt 11,25; Jo 17,1-26; Lc 23,46; Mc 15,34)

Deste modo, pelo seu jeito de ser e pelo testemunho de sua vida, Jesus encarnava o amor de Deus e o revelava aos discípulos (cf. Mc 6,31; Mt 10,30; Lc 15,11-32). Com sua prática pedagógica libertadora, Jesus tornava-se para eles uma pessoa significativa, alguém que os marcou pelo resto de sua vida como “caminho, verdade e vida” (cf. Jo 14,6).

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