Amigas e Amigos, setembro … primavera … ABYA ALA … Casa Comum … dia da Amazônia … do Cerrado … da Árvore … dia … isso tudo me leva a convidar-vos a um tempo de silêncio e no silêncio colocar-nos à escuta. No silêncio escutar a Amazônia falar ao nosso coração e quem sabe na escuta nosso coração se converta aos verbos:
Contemplar…
Peço-te uns minutos para meditar comigo sobre o estado da nossa casa.
Fecha os olhos e traz à tua mente a imagem do nosso planeta, a imagem que temos do espaço deste ser tão frágil, tão belo, tão azul, flutuando numa escuridão imensa…
Deixa teu corpo responder à sua beleza, a seu imenso tecido de montanhas e oceanos, à sua dança contínua: vento e calor, chuvas e novos amanheceres.
Deixa que tua respiração se conecte com as dinâmicas mais profundas da Terra; respiramos juntas, tu, eu, nós, ela.
“Aprendendo com os povos nativos, podemos contemplar a Amazônia, e não apenas analisá-la, para reconhecer esse precioso mistério que nos supera; podemos amá-la, e não apenas usá-la, para que o amor desperte um interesse profundo e sincero; mais ainda, podemos sentir-nos intimamente unidos a ela, e não só defendê-la: e então a Amazônia tornar-se-á nossa, como uma mãe” (QAm 55).
Amar…
Permite-te ver e sentir o estado diminuído de nosso torrão. O que está vivendo agora é realmente angustiante; um de seus brotos – nós, os humanos – estamos mudando sua química, estamos alterando seus grandes ciclos hidrológicos; estamos debilitando a capa de ozônio que nos protege das radiações solares; estamos contaminando o ar, a água e a terra com substâncias tóxicas. Enfim, a espécie humana está debilitando o tecido terrestre que foi urdido durante milhões de anos desde que produziu este imenso desenvolvimento de formas de vida que continuam evoluindo.
Somos um planeta que está secando, “desertificando”, perdendo seu esplendor, sua diversidade.
Pensa: cada vez que extinguimos uma espécie, perdemos uma voz única de nosso planeta, e nada pode ressuscitá-la; nem Deus nem a ciência. Resta somente a memória de que “havia uma vez a águia, o condor…”.
“… há que apreciar esta espiritualidade indígena da interconexão e interdependência de todo o criado, espiritualidade de gratuidade que ama a vida como dom, espiritualidade de sacra admiração perante a natureza que nos cumula com tanta vida…“ (QAm 73).
Cuidar…
Deixa que venham os sentimentos de angústia, de tristeza, de raiva. Sabemos, muito bem, esta destruição vem de uma mentalidade de “poder sobre”. Por mais de 5.000 anos temos recusado crer que somos parte da comunidade da terra. Que somos e fazemos parte do mesmo tecido: terra, água, céu, plantas, cada expressão de vida invisível ou visível aos olhos, inúmeros fios que tecem esta imensa rede universal. Somos terrestres, não extraterrestres.
O que te dizem tuas instituições para iniciar um processo de re-enraizarmos na comunidade da terra? As minhas dizem-me que qualquer ética humana deriva da ética da mesma terra.
O que nos diz a ética da terra? Que a norma básica é o bem-estar da comunidade inteira, e dentro disso, o bem-estar da espécie humana.
Os ecossistemas da terra devem manter-se coerentes entre si para poder seguir o processo evolutivo programado no mesmo planeta. Nós humanos devemos escutar nossos próprios códigos genéticos que nos vinculam ao contexto mais amplo dos códigos da mesma terra.
“… A sabedoria dos povos nativos da Amazônia «inspira o cuidado e o respeito pela criação, com clara consciência dos seus limites, proibindo o seu abuso. Abusar da natureza significa abusar dos antepassados, dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o futuro». Os indígenas, «quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuidam»… A terra tem sangue e está sangrando, as multinacionais cortaram as veias da nossa “Mãe Terra”».” (QAm 42).
A terra é a primeira progenitora, a primeira economista, sanadora e educadora e, às vezes, a razão de ser de todas as criaturas. A terra sempre está ressuscitando.
Pensa, a cada instante, outros milhões de ‘caras’ novas aparecem, debaixo das folhas molhadas, em cima das árvores, dentro de um pau podre, no fundo do mar, nas clínicas e hospitais: todas estas caras novas, de onde vem? Da fecundidade misteriosa da mesma terra! Porém cada cara, cada espécie, está interligada e limitada pelas outras espécies, o por seu mesmo ecossistema.
Quantos seres humanos o planeta pode sustentar? A resposta vem da mesma terra: os números que um ecossistema pode sustentar e, às vezes, seguir enriquecendo a aventura da comunidade inteira deste ecossistema.
Esta resposta nos dá pistas, ou é uma resposta demais simplista num assunto muito mais complexo?
Possas escutar tuas próprias intuições, tuas reflexões, mulher, homem, fruto do ventre da terra.
Amigo, Amiga, teu coração escuta, contempla, ama, quer cuidar? Se sim, ore comigo, como um compromisso que da Amazônia se espraia a cada canto do Planeta, da Casa que nos acolheu e nos hospeda:
“Sonho … que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida.
Sonho … que reserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.
Sonho … que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.
Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar, que deem à Igreja rostos novos” (QAm).
[QAm = Querida Amazônia, exortação apostólica pós-sinodal de 2020 do Papa Francisco, escrita em resposta ao Sínodo dos Bispos da região da Pan-Amazônia, realizada em Roma em outubro de 2019].