Discipulado de mulher: Samaritana

Ir, ver, seguir, habitar, conhecer, testemunhar, amar, anunciar: são os verbos que colocam em movimento o processo do discipulado. Mas nem todo ir é andar de discipulado.

A mulher ia todo dia ao poço. Um ir obrigado. Um ir cotidiano. Um ir trabalho. Era sua tarefa cotidiana: dura, escaldante, pesada, monótona. Aquele dia, como todo dia, foi com seu cântaro tirar água do poço. De longe avistou um homem, viajante, desconhecido. Receosa, voltar ou ir adiante, se aproximou: ignorar, estar alerta para o que der e vier. O desconhecido podia se tornar um perigo, uma ameaça.

Passo firme, coração vacilando e, ao chegar ao poço, um pedido a surpreendeu: “dá-me de beber”. O homem era judeu e atrevido, lhe dirigia a palavra em público, pedia água. A água da hospitalidade a uma mulher samaritana!

Hospitalidade é sagrada. Ao viajante não se pode negar água, mas pode-se questionar: “como tu pede água a uma mulher, uma samaritana?”.

Pedido, interrogação, inicia-se a conversa. Conversa que começa a partir do trabalho, passa pela vida pessoal, entra na religião. Conversa que ora corre paralela, ora é desencontro, até se tornar encontro, parceria.

Água, água viva, dom, derramar do Espírito, memória bíblica, espiritual, na fala de Jesus. Na fala da mulher um objetivo claro: tornar menos pesado e entediante seu trabalho. Quem sabe o judeu tenha um segredo para não vir mais até a nascente e mesmo assim ter abundância de água. Falas que correm paralelas sem se encontrar.

E teu marido, pergunta Jesus. É vida pessoal! Ao falar de sua vida pessoal a Samaritana fecha a conversa: no íntimo da pessoa pode entrar somente quem tem entrada franca. O homem, o judeu, o inimigo atávico do seu povo, que a considera de raça mestiça e heterodoxa, não tem permissão de entrar. Desencontro, embora as palavras acordem uma memória antiga: a origem do seu povo (2Rs 17,24-41).

Então a mulher dá uma virada, toma a palavra, direciona a conversa sobre religião. Justamente religião era um dos motivos da inimizade: ”Onde adorar no Garizim ou em Jerusalém?” “Nem no Garizim nem em Jerusalém, em espírito e verdade”.

Nem no meu, nem no teu monte; nem no meu, nem no teu rito. Em continuidade aos profetas, Jesus indica a superioridade do culto espiritual sobre o ritual. A Ruah conduz à verdade, à participação da Vida Divina. O verdadeiro culto vem da Ruah não da necessidade de purificação, não precisa de mediação, de templo, de culto, de sacrifício, de sacerdote.

Não mais o templo é o centro da religião, mas a vida. A Ruah habita o universo, a vida. Na nova realidade a mulher readquire sua dignidade, ela mesma entra em relação com a Divindade, é templo da Ruah.

Não precisa mais do homem, sacerdote que tem pureza legal, que oferece sacrifícios para ter o perdão. A Ruah mesma se oferece para que as pessoas santificadas e libertadas pelo seu amor comuniquem vida.

Os não judeus e judeus, as mulheres e os homens, os pobres e os que têm, os pecadores e os justos podem adorar a Deus em qualquer lugar, ninguém está excluído do seu amor.

Judeu, homem, profeta, enviado, palavras de encontro, palavras de diálogo, palavras de revelação. “És quem esperamos? Sou Eu que falo contigo”. À pergunta uma resposta, revelação: Sou eu.

O andar se torna correr. O cântaro é esquecido. Não é água que oferece! Oferece um anúncio, um testemunho: “Venham ver encontrei um homem, me disse quem eu sou!”.

Saíram andando, saíram prosseguindo, caminhando, na parceria do Reino, rompendo barreiras, vencendo preconceitos, superando obstáculos, apontando, fascinando, conquistando, provocando, anunciando… Saíram, cúmplices do sonho, da utopia, da religião que anuncia o novo modo de reconhecer, adorar, servir, amar ao Divino presente na história, presente no universo, presente na Vida.

Poço

memória matriarcal

trabalho duro

encontro desafiante

revelação surpreendente

anúncio novidade

testemunho parceria

memória da Samaritana.

(João 4,1-42)

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