Eleições e decadência social

É uma pena, mas a senhora democracia tem sido duramente machucada. E entre tantas feridas expostas, por incrível que pareça, talvez em períodos eleitorais seja onde tal ferida pode ser mais identificada.

Costuma-se afirmar que eleição é a grande festa da democracia. Na verdade, nunca foi. Mas já foi um caminho menos decadente. Porém, apesar de tudo, como dizia Winston Churchill, o primeiro ministro inglês durante a segunda guerra mundial, “a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais”, ela permite um nível de participação popular que outras formas de governo não possibilitam. E a participação popular é uma espécie de “freio” para que não aconteçam muitas derrapagens, como acontece em ditaduras.

A questão é que os mecanismos eleitorais estão cada vez mais encobertos por uma série de situações, incluindo as legais, que não garante a qualidade de parlamentares e do poder executivo, em direção a um “governo do povo”, como a etimologia da palavra democracia indica. E pior, mesmo os partidos progressistas se omitem em denunciar o sistema eleitoral, pois o medo de perder eleição sempre fala mais alto.

Cremos ser este um desafio muito abrangente, que ultrapassa, inclusive, as fronteiras brasileiras. Mas mesmo falando a partir de um território bem específico, Baixada Fluminense, RJ, onde o presente redator vive há mais de cinco décadas, é possível verificar como estamos debaixo de uma situação extremamente dilaceradora de valores fundamentais, camuflados pela “festa da democracia”.

O poder econômico atua livremente e o judiciário, mesmo quando tem boa vontade, não dá conta. Milhares de pessoas com bandeiras de candidatos nas mãos, em geral pessoas bem pobres, que precisam de cinquenta reais por dia para completar o orçamento. Senhoras e senhores idosos, mães com filhos no colo. No dia da eleição, se compra voto com dinheiro vivo. Pressão de traficantes e milícia. Promessas de emprego que fazem os olhos brilhar por uma vida melhor, e por aí vai.

No exato momento em que se escreve esta coluna, passa um carro de som com músicas de candidatos das mais esquizofrênicas. Caminhada pelas ruas atrapalhando o trânsito, e um volume enorme de papel, até de quem defende a ecologia. Os programas eleitorais na televisão beiram a comédia. É preciso massificar o nome e não o histórico da pessoa e possíveis garantias de que se fará um bom mandato ou governo. Muito teatro. Hoje, é fundamental, se você não for já famoso, jogador de futebol, por exemplo, precisa atuar muito bem no palco político.

E quem tem a máquina, isto é, quem está na estrutura do poder, seja municipal, estadual ou federal faz ações, muitas vezes dentro da lei, de verdadeira maquiagem. Asfalto novo, praça nova, até hospital novo que não vai funcionar; muito visual, mas pouca política pública. Se alguém precisar de tratamento de saúde bom, pode esperar, afinal, é só um voto.

Assim, joga-se para manter a política na lama, anunciando candidaturas como antipolítica, para ocupar, contraditoriamente, um cargo político. Quanto mais recurso municipal se tem, mas negociação inescrupulosa é possível. Enfim, uma coluna é pouco para mostrar as entrelinhas deste emaranhado. A cadeirada em candidato a prefeitura de São Paulo é o símbolo mais expressivo da situação na qual chegamos.

O que fazer então? Três breves indicações.

Em curto prazo, é preciso sim participar do processo eleitoral, pois apesar de tudo, é possível eleger pessoas honestas que lutam pelo povo. Não é nada fácil, por tudo que já foi dito, e se poderia dizer mais. Ajudar para que possa acontecer um mínimo de debate. Não jogar fora a instituição do SEGUNDO TURNO, um dos avanços democráticos da constituição de 1988, querendo eleger o “mal menor” sem analisar consequências já sabidas.

Em médio prazo, lutar para que os partidos progressistas possam garantir um debate interno no qual eleição não seja o único assunto de pauta. Também muito difícil, mas é preciso tentar. Buscar entender melhor o que se passa com a população, sobretudo os mais pobres, e evitar o julgamento arrogante. Uma expressão horrível é “pobre de direita”, pois o pobre que de fato luta pela sua sobrevivência, aquele que segura bandeira de candidato na rua, ou que não consegue comer “mistura” todo dia, nem estou dizendo passar fome, luta pelo imediato. É preciso entender a estrutura mental do simbolismo humano, dos desejos. E vejam bem, desejos estimulados por um capitalismo cruel.

Por fim, em longo prazo, e aqui talvez sejam necessárias umas três décadas, repensar o modelo de sociedade diante de um mundo que está entrando em colapso. Grupos periféricos, movimento popular, agricultura familiar, indígenas, quilombolas, etc., todas e todos que acreditam em um novo mundo possível, precisaremos resistir e constituir mecanismos de sobrevivência coletiva, como nossos antepassados fizeram: BEM VIVER e UBUNTU. Alguém pode dizer: UTOPIA. Sim, u-topos, isto é, outro lugar no qual os que estão nascendo possam se orgulhar e contar a história de como sobrevivemos ao capitalismo diabólico que só deseja lucro e para isso se alia até a genocidas se for preciso.

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