Após tratarmos sobre os diversos blocos/grupos de livros do Antigo Testamento, abordaremos os do Novo Testamento. No AT, Deus se revela a um povo como Deus libertador e faz aliança com ele. No NT, em Jesus de Nazaré, essa revelação chega à plenitude. Jesus anuncia o Reino de Deus que é dos pobres, caminha com eles, forma uma comunidade que deve continuar sua missão no mundo guiada pelo Espírito Santo. Os textos do NT nos apresentam esse caminho. Mas antes, é importante apresentar algumas características desses escritos e seu contexto. Esse é o objetivo do presente texto.
Os autores dos escritos do NT não entendiam sua obra como Escritura Sagrada. Quando no NT se fala de Escritura, se pensa nos livros do Antigo Testamento, principalmente, a Escritura grega (Septuaginta), pois os primeiros cristãos quando citam o AT, geralmente o fazem a partir do texto grego existente e não simplesmente fazem uma nova tradução das Escrituras hebraicas. Contudo, alguns textos mais tardios, como a Segunda Carta de Pedro, possivelmente o último livro escrito do NT (ano 100 a 110 d.C.), já trata as cartas de Paulo como Escritura: “Considerem que a paciência de Deus para conosco tem em vista a nossa salvação, conforme escreveu para vocês o nosso amado irmão Paulo, segundo a sabedoria que lhe foi dada. Em todas as suas cartas ele fala disso. É verdade que nelas há alguns pontos difíceis de entender, que os ignorantes e vacilantes distorcem, como fazem com as demais Escrituras, para a sua própria perdição” (2Pd 3,15-16).
Outro dado importante que precisamos trazer é que os primeiros escritos do NT não foram os Evangelhos, mas as cartas de Paulo. Isso porque como os primeiros cristãos acreditavam que Jesus voltaria logo e haveria uma grande transformação do mundo, não havia porque documentar sua vida e ensinamentos para a posteridade, bastava resolver assuntos mais urgentes, o que se poderia fazer por carta ou epístola. “Tal antecipação do fim do mundo desencorajava os cristãos a escrever para as gerações futuras (que não existiriam para que pudessem ler livros). Não é por acaso, portanto, que os primeiros escritos cristãos de que temos conhecimento sejam cartas: uma vez que podiam ser concebidas com o fim de dar uma resposta a problemas urgentes e imediatos” (R. Brown).
A primeira carta de Paulo aos Tessalonicenses é o primeiro escrito do NT. Ela é datada de 50/51 d.C. Ou seja, o primeiro texto do NT que nos chegou é de uns 20 anos depois da pregação de Jesus. Essas cartas serão melhor estudadas no próximo texto, mas já antecipamos que embora a tradição atribua 14 delas a Paulo, os estudos recentes acreditam que a maior probabilidade é que apenas 7 tenham sido realmente escritas por ele, a saber: Primeira Tessalonicenses, Primeira e Segunda Coríntios, Gálatas, Filipenses, Filêmon, Romanos (entre os anos 51 e 58 d.C.).
O primeiro Evangelho escrito foi o de Marcos (65-70 d.C.); depois Mateus e Lucas, depois Atos bem próximo (década de 80). Os Evangelhos também serão tema de um texto específico, mas já antecipamos que eles surgiram quando os cristãos começaram a pensar que o Senhor não voltaria imediatamente, então viu-se a necessidade de pôr por escrito as tradições referentes a ele que começavam a se perder com a morte dos apóstolos e surgimento de correntes divergentes. Texto significativo é de At 1,6-11 que narra a ascensão do Senhor e o conselho dos anjos aos apóstolos para não ficarem olhando para o céu: “O conhecimento da segunda vinda de Jesus não foi dado aos seus discípulos, e a expansão do cristianismo é mais importante do que olhar para o céu, na expectativa do que virá” (R. Brown). É preciso continuar sua missão aqui no mundo, difundindo o Evangelho, por isso a importância de colocar por escrito as tradições e ensinamentos de Jesus.
No tempo da escrita dos Evangelhos, surgiram textos de discípulos de Paulo, mas que foram atribuídos a ele, como a Segunda Tessalonicenses, Efésios, Colosenses e de cristãos posteriores como a Primeira e Segunda Timóteo e Tito (década de 80 até o final do I século d. C.). Também são do final do primeiro século os chamados escritos joaninos, isto é, o Evangelho de João, as Cartas Joaninas e o Apocalipse. As chamadas Cartas Católicas (universais) são dirigidas a todas as Igrejas e tratam de assuntos mais gerais. Apresentam um enfrentamento a ideias como as do nascente pensamento gnóstico. Apesar de algumas dessas cartas receberem o nome dos apóstolos, muito provavelmente, nenhuma foi escrita pela pessoa de quem ganham o nome: Tiago, Judas, Primeira e Segunda Pedro (textos do final do primeiro século depois de Cristo e início do segundo).
É importante termos uma visão básica da situação social na Palestina no tempo do NT para entendermos seus textos. Um estudo do Elliott Maloney ajuda a entender um pouco essa situação. A Palestina foi dominada por Roma em 63 a.C. e era governada por reis fantoches, como Herodes o grande. Esses reis governavam junto com a aristocracia (2% da população), contando com funcionários responsáveis pela cobrança de impostos e administração do sistema (5%). Esses reis locais tinham a função de garantir a “ordem” e arrecadar tributos para o Império. Em Israel, os Herodes (O Grande, Antipas, Agripa) se destacaram por sua crueldade. Dois terços da renda do país estavam nas mãos desses 7% e apenas um terço nas mãos dos outros 93% da população. 90% do povo trabalhava no campo. Muitos perdiam a terra devido dívidas por conta dos pesados impostos. O povo era subjugado pela ilusória ideia de troca da terra pela proteção dos nobres e pelo medo de perder o pouco que tinham (E. Maloney).
Na Galileia, as pessoas viviam da agricultura, pecuária e pesca; em Jerusalém era mais forte o comércio. Eram comuns doenças, desemprego; o que mais causava pobreza eram os pesados impostos. Algumas profissões eram vistas como impuras, como ser pastor ou cobrador de impostos. Estes além de serem colaboradores do império, ainda se utilizavam de sua posição para cobrar a mais para si.
A religião era uma das grandes mantenedoras desse sistema, tanto é que Jesus derruba as mesas e expulsa vendedores quando entra no templo de Jerusalém como gesto profético contra a religião alienadora (Lc 19,45-46). A vida religiosa girava em torno do Templo de Jerusalém e das sinagogas. A grandes festas judaicas de Jerusalém eram o Dia do Perdão (Ion Kippur); Páscoa; Festa das Semanas (Pentecostes); Festa das Tendas quando havia cerimônias da água (Jo 7,37-39) e da luz (Jo 10,12); festa do Ano-novo e festa da Dedicação do Templo. Era sagrado também o cumprimento do descanso sabático. A sinagoga era lugar da oração, leitura e ensino da Escritura; lá lia-se um trecho da Torah (5 livros da Lei) e outro dos profetas. Ao longo do ano se li toda a Torah. Os judeus também rezavam todos os dias o Shemá (Dt 6,4-5).
Tendo essas informações básicas sobre o Novo Testamento, poderemos entender melhor seus escritos e sua mensagem de salvação, vida, libertação. Assim, nos próximos textos, trataremos mais especificamente alguns livros, suas marcas, constituição e teologia. Lembrando que é Jesus o coração de tudo, pois se o AT fala da revelação de Deus a um povo e sua aliança com ele, o NT traz a plenitude dessa revelação em Jesus de Nazaré, em seu anúncio e concretização do Reino e formação da comunidade que continuaria no mundo sua missão de levar a Boa Nova aos pobres e libertação aos cativos (Cf. Lc 4,18-19).