Igrejas: aborto, comunismo, etc., sem hipocrisia

O título da coluna precisaria ser bem maior, pois a desonestidade e a obtusidade de setores das diversas igrejas cristãs sobre estes temas são enormes. Aborto, comunismo, ideologia de gênero, família, Deus, pátria, e por aí vai. Alguém disse que quando vê tais conceitos na mesma frase já suspeita que a pessoa possa estar sendo induzida a demonizar qualquer um que fale deles ou fale em direção contrária ao que ela julga, por exemplo, ser a família ideal. É muito difícil em uma única coluna aprofundar, mas vamos exemplificar. 

Alguém, por exemplo, pode ser contra o aborto e reconhecer que a situação é bem mais dramática do que reduzir o ato a um assassinato. No século passado – infelizmente não consegui encontrar o nome da pessoa e a data exata -, em audiência pública no senado, um médico ateu, sim, ateu, se posicionou contra o aborto porque, para ele, o princípio ético de defesa da vida, para não ser banalizado, deve ser defendido desde o momento em que há vida. Como no caso do embrião não há consenso cientifico de quando se pode afirmar a vida humana, então, dizia ele, por enquanto não se deveria tomar a decisão de abortar. No entanto, ele reconhecia toda a complexidade que tal questão representava no contexto concreto de uma sociedade com problemas sérios de saúde pública e de forte cunho patriarcal. Por exemplo, na lei brasileira, somente as mulheres são criminalizadas, e os homens, que muitas vezes são as pessoas que empurram as mulheres ao aborto, nada sofrem. 

Só que setores das igrejas não são honestos, pois reduzem a defesa da vida no útero, mas, fora, dele podem até banalizar. Podem afirmar que o feto é uma vida indefesa e, por essa razão, merece mais proteção. Contudo, quantos milhões de vidas indefesas não são protegidas com a mesma veemência?

E, aí, em situações de definição da organização política da sociedade, de um país como o Brasil no momento, reduzem a opção por nomes que são contra ou a favor do aborto, como se uma questão tão complexa fosse decisão, por exemplo, de um presidente. Qualquer um pode ser crítico ao LULA, por exemplo, por discordar de sua política econômica, mas isso não choca os humores de campanhas que demonizam candidatos exclusivamente pelo tema do aborto. Ora, quantas vezes já se falou que esta não é uma decisão da presidência? É uma decisão do Congresso. E, nos anos em que ele foi presidente, nunca enviou um projeto de lei nesta direção. 

Ora, em uma democracia, as pessoas têm todo o direito de escolha. Mas é preciso garantir um mínimo de honestidade no tratamento dos temas. É triste, muito triste, que igrejas, em nome de Jesus Cristo, usem a fé do povo para direcionar decisões que mantenham os seus privilégios em relação ao poder. Por favor, por favor, não é necessário ser marxista para reconhecer que as religiões podem ser instrumentalizadas. 

E, por falar em Marx, falemos de comunismo. É incrível a desonestidade aqui também. O projeto de uma sociedade inteiramente comunista nunca se realizou. Nem na antiga União Soviética. E hoje, por exemplo, a China é ideologicamente comunista, mas é a segunda maior economia capitalista do mundo. Os comunistas são tratados como “bruxos” incapazes de reconhecer, por exemplo, a importância das religiões. De novo, pegam erros dos comunistas, com se os capitalistas fossem anjos enviados do céu, e descolam da complexidade do mundo de hoje. Isso, sim, é diabólico. 

Mas, de novo, como explicar isso para a população, sobretudo em período eleitoral? É mais fácil demonizar, dizer que comunistas comem as crianças em suas refeições, do que tentar ser honesto no diálogo da contraposição de ideias. E por favor, mais uma vez, esta coluna não está defendendo de modo absoluto o projeto comunista, e sim reconhecendo a complexidade dos processos históricos. 

Poderíamos continuar a exemplificar. A tal “ideologia de gênero” chega a ser um escárnio de simplificação. Muitas pessoas repetem o conceito e não sabem nem o que é “ideologia” e nem o que é “gênero”. Aí, diante deste novo “demônio” afirmam que as famílias estão sendo destruídas. Pelo amor de Deus, se é possível falar de destruição das famílias, a razão principal é a violência doméstica. Há pesquisas que já detectaram o grau desta violência em muitas famílias que se afirmam cristãs. Os presbíteros não casam, mas aí aparecem outros problemas, como pedofilia, assédios, que são colocados para debaixo do tapete com enorme facilidade. 

Assim sendo, esta coluna está apenas buscando indicar que as igrejas precisam ser mais fiéis à verdade que elas tanto prezam. Que não comportem como “sepulcros caiados”, como diz o Evangelho. Que o Espirito Santo de Deus jogue um farol de luz sobre este momento de crise civilizatória que estamos vivendo. 

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