Por Jorge Alexandre Alves
Desde hoje cedo já circulava nas páginas de notícias que o Presidente indicaria hoje Flávio Dino ao STF e Paulo Gonet à Procuradoria-Geral da República. Confirmados os rumores, Lula cometeu um erro duplo.
Ao tirar Flávio Dino da política, perde-se a figura pública mais eloquente no embate contra a extrema-direita no Congresso Nacional e nas Redes Sociais. E nós sabemos muito bem as limitações que o campo popular e democrático tem apresentado em comunicação na internet.
Evidente que se tornar ministro do Supremo seria a coroação de uma vida pública para Dino. Mas a questão é o momento. Que Dino deverá estar no STF não há dúvidas, mas neste quadrante histórico onde a democracia corre risco, seria melhor que continuasse onde está. A democracia brasileira agradeceria.
A Esplanada dos Ministérios perde uma voz essencial na defesa da democracia, justo em uma conjuntura onde tanto se ameaça as liberdades individuais e os direitos humanos no Brasil. Quem poderá, no atual governo, ter a mesma desenvoltura que Flávio Dino no Ministério da Justiça.
Quanto ao nome para a PGR, soa absurdo. Apenas a indicação de dois ministros muito ligados às oligarquias brasileiras é algo difícil de compreender.
Sobretudo quando o indicado é ligado ao ultraconservadorismo católico e lavajatista. E, não faz muito tempo, andou elogiando o Regime Militar. O perfil de Gonet não combina em nada com um governo de centro-esquerda, com a história dos movimentos sociais e tampouco com a trajetória de Lula.
Com a confirmação dos indicados, reforça-se a percepção da enorme fragilidade política deste terceiro mandato do nosso presidente, em uma conjuntura delicadíssima. O Centrão vem tentando – com certo êxito – emparedar o governo. Neste caso, Lula teve que ceder os anéis para não perder os dedos.
Mas a composição majoritariamente conservadora não é culpa de Luiz Inácio. Reflete a dificuldade extrema das esquerdas em convencer o eleitorado e eleger deputados e senadores comprometidos com causas populares. Isso acontece por diversas razões.
A perda de capilaridade social das esquerdas, fora do Nordeste do país. No centro-sul, perdeu-se espaços que hoje estão ocupados pela necropolítica – milícias, bancada da bala, jogo do bicho e agro; e pela necrorreligião – fundamentalismo católico e evangélico.
Sobretudo nas periferias profundas das regiões metropolitanas, as últimas décadas viram surgir uma mistura explosiva entre violência e fanatismo religioso. Agentes do estado, bandidos e lideranças religiosas se aproveitaram da situação e instauraram novas formas do velho voto de cabresto, tornando-se verdadeiros coronéis da fé ou senhores das armas nas áreas mais miseráveis.
Enfrentamos a eficiência da narrativa da extrema-direita na redes sociais, ainda muito capazes de angariar votos e causar surpresas nos resultados das eleições. A isso soma-se um sistema eleitoral viciado pelo poder econômico, o que prejudica movimentos sociais e partidos de esquerda. Por meios digitais, tais narrativas são mais convincentes aos olhos da população que a verdade dos fatos. É neste campo específico que Flávio Dino fará falta.
Enfim, as indicações recentes podem ter um elevado custo em médio prazo. A extrema-direita perdeu a eleição presidencial, mas continua dando as cartas em muitos estados brasileiros. Eles não estão mortos.
Por motivos absolutamente distintos, são duas escolhas ruins. No STF, a corte voltará a ser composta por homens, em sua maioria brancos. Nem parece a instâncias máxima do Poder Judiciário em país miscigenado como o Brasil.
Se a composição da Câmara dos Deputados e de Senado Federal depende de fatores que transcendem Lula, os movimentos sociais e às esquerdas, a indicação de nomes ao STF e do chefe da PGR são atribuições exclusiva do Presidente da República. Contudo, ao atender outros poderes dessa forma, o Poder Executivo se encolhe e renuncia a algo fundamental nas democracias representativas: a independência dos poderes. Isso preocupa.
Lula pode ter pensado em avalizar e fortalecer o STF enquanto centro de Poder da República neste anos difíceis. Mas é possível ignorar as omissões da mais alta corte de justiça do país durante os episódios que culminaram no impedimento de Dilma Roussef?
Além disso, durante os anos tenebrosos de Bolsonaro, o Supremo pode ter sido o anteparo que resguardou a democracia? Mas até quando o será em um sistema político que não consegue se reinventar em meio aos escombros da Nova República?
Olhemos os exemplos recentes de Israel, da Polônia, da Turquia e da Hungria, que transformaram o judiciário em marionete do parlamento ou de um autocrata. Basta observar os movimento do Senado, que tenta cercear o STF para empoderar o legislativo federal.
Governos de esquerda que ficam muito moderados ou buscam conciliar com o andar de cima são defenestrados cedo ou tarde. As eleições na Argentina e nossa história recente deveriam nos fazer tirar lições preciosas.
Se em 2002 Lula dizia não poder errar com o país, em 2023 a margem de erro se tornou bem menor. Que o presidente não tenha perdido a capacidade de olhar o Brasil para além do Planalto Central e das costuras com os donos do poder.
Jorge Alexandre Alves é sociólogo e professor do IFRJ.