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Os primeiros escritos do Novo Testamento foram as cartas de Paulo. “Isso se explica, em parte, porque os primeiros cristãos pensavam que Cristo voltaria em breve, e, assim, apenas uma ‘literatura imediata’, que tratava de problemas concretos, tinha importância” (R. Brown).  Com Paulo, a Boa Notícia de Jesus se espalhou por várias regiões. Por onde passava, ele criava comunidades e, diante das necessidades que surgiam, utilizou as cartas para orientar e fortalecer a fé destas Igrejas. Assim, dando prosseguimento a nossa introdução à bíblia, conheceremos um pouco as características dos escritos de Paulo e dos atribuídos a ele.

Os textos geralmente eram em papiro, material mais barato. Paulo podia ter escrito de próprio punho textos curtos (ex: Fm) ou ditado para um secretário (ex: Tércio em Rm 16,22), e até pode ter dado liberdade a outros de escrever em seu nome. Suas cartas eram destinadas a serem lidas em alta voz com o estilo de conversa. Não eram escritos de “gabinete”, mas fruto da intensa atividade pastoral de Paulo. As cartas eram uma forma de substituição para se comunicar quando não podia estar pessoalmente naquela Igreja. Paulo pode ter sofrido influência da retórica grega. Em seus escritos também estão presentes fórmulas litúrgicas na introdução e conclusão. Há presença de fórmulas brevíssimas do credo primitivo, bem como de alguns hinos (assumidos por Paulo da tradição cristã) e importantes trechos onde ele fala da sua própria vida.

Suas cartas eram vistas como acontecimento de salvação para as comunidades destinatárias. Há uma forma mais ou menos padrão das cartas de Paulo: Fórmula introdutória (remetente, destinatário, saudação, recordação); ação de graças; corpo/mensagem (abertura do corpo falando dos motivos da carta e da relação entre remetente e destinatário; conclusão da carta com retomada da razão da mesma; como deveria ser respondida e pretensão de contato futuro); fórmula conclusiva (desejo de boa saúde e palavra de despedida; saudações e bênção).

O conjunto das cartas de Paulo e que foram atribuídas a ele pela tradição é chamado de corpus paulinum, composto de 14 textos. A ordem que as cartas aparecem na bíblia não é a cronológica, mas de tamanho; praticamente, da maior para a menor. Há um significativo consenso entre os estudiosos de que apenas sete cartas foram de fato escritas por Paulo; elas são chamadas de proto-paulinas (1 Tessalonicenses, 1 Coríntios, 2 Coríntios, Filipenses, Filêmon, Gálatas e Romanos – essa é, inclusive, uma possível ordem cronológica). Tem-se também as dêutero-paulinas que foram escritas, possivelmente, por discípulos de Paulo (2 Tessalonicenses; Efésios; Colossenses). E há ainda as trito-paulinas que foram provavelmente escritas por uma segunda geração de discípulos de Paulo (1 Timóteo; 2 Timóteo e Tito). Caso especial é Hebreus que estudaremos depois; por hora, basta indicar que por muito tempo foi tomada como Carta de Paulo aos Hebreus e hoje se acredita que nem seja carta, nem de Paulo, nem escrita aos hebreus. Alguns comentadores também fazem uma diferença entre carta e epístola, embora, na prática, isso não seja muito observado. Na antiguidade, carta era escrita em uma ocasião particular e se destinava a um grupo restrito de leitores, portanto, com questões mais concretas. A epístola era um escrito mais vasto, destinado a qualquer leitor, com questões mais gerais. Embora os textos de Paulo se caracterizem mais como carta, também podem ser chamados de epístolas. 

Os escritos de Paulo trazem muito de quem ele foi: judeu da diáspora (nasceu fora de Israel), fariseu com grande influência do judaísmo e também do helenismo (cultura grega). Contudo, “deve-se dizer que seu pensamento não se deixou penetrar, em profundidade, pela cultura filosófica grega. As grandes estruturas mentais que sustentam sua construção teológica são de matriz bíblica e judaica” (G. Barbaglio). Inclusive, é possível dizer que “embora maneje o grego com facilidade, como sua língua materna, parece às vezes que ele pensa em aramaico” (W. Harrington). Seu estilo é marcado pelo amor de Cristo e por uma paixão pela pregação do Evangelho. Os escritos de Paulo têm muita emoção, pessoalidade e sentimentos fortes que transparecem paixão. Contudo, têm um carácter complexo. Tanto que o autor que escreveu a Segunda Carta de Pedro, no início do segundo século, trata sobre isso ao afirmar que, nas cartas de Paulo, “há alguns pontos difíceis de entender, que os ignorantes e vacilantes distorcem, como fazem com as demais Escrituras” (2Pd 3,16).

Como foi dito antes, muitos textos foram atribuídos a Paulo. Esse ato de atribuir a alguém uma obra que ele não escreveu é chamado de pseudonímia. Ela “era convenção literária muito conhecida e aceita nos tempos do Novo Testamento – tanto nos círculos helenísticos como nos judaicos. Entre os gregos, nas escolas de filosofia e medicina, era normal que o discípulo publicasse a sua obra com o nome do mestre – reconhecendo, assim, que devia ao mestre seu saber e proficiência” (W. Harrington). Vale ressaltar que o fato de não ser de Paulo, não diminui a autoridade, inspiração ou valor dos textos. Eles continuam textos sagrados, canais da Palavra de Deus que nos toca e orienta.

Mas uma questão que pode ser levantada é quais critérios os estudiosos usam para especular se uma carta é ou não autenticamente paulina. Dentre tantos possíveis, três se destacam: A linguagem, a teologia e a pessoalidade ou impessoalidade das cartas. Há uma diferença significativa de vocabulário entre as cartas paulinas e as que foram atribuídas a Paulo, apresentando, inclusive, vários termos alheios e desconhecidos ao vocabulário paulino e mesmo a outros textos do NT. Além disso, a teologia é, em muitos pontos, diferente; ou seja, a visão sobre Cristo, a Igreja, os ministérios, a salvação etc. trazem pontos diferentes do que aparece nas cartas autenticamente paulinas. Além do mais, aparece o ponto da pessoalidade. Paulo é muito apaixonado em suas cartas, expressando com clareza seus sentimentos, seja de raiva e decepção, seja de alegria e orgulho pela comunidade. As cartas dêutero-paulinas e trito-paulinas são muito impessoais, formais; o que se distancia bastante do estilo de Paulo.

O apóstolo entendia a Igreja como uma comunidade de irmãos e irmãs, sem diferença quanto a dignidade: “Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo” (Gl 3,28). Era altamente sensível às dores dos irmãos, ao cuidado com os pobres. Via a Igreja como Corpo de Cristo e nele, “os membros do corpo que parecem mais fracos são os mais necessários” (1Cor 12,22); de modo que, “se um membro sofre, todos os membros participam do seu sofrimento; se um membro é honrado, todos os membros participam de sua alegria” (1Cor 12,26). Por isso, diz aos fiéis de Roma: “alegrem-se com os que se alegram, e chorem com os que choram” (Rm 12,15). Sabia que o Senhor assumiu o lado dos pequenos, pois “Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que não tem valor, isso Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que é importante” (1Cor 1,27-28). Foi por sua compreensão de Igreja que ele, para socorrer os pobres de Jerusalém, realizou uma coleta entre as comunidades que fundou. Ele entendia que essa coleta não era mera arrecadação econômica, mas expressão genuína de fé, tanto que a chama de “comunhão” (2Cor 8,4; 9,13), “serviço” (2Cor 8,4.19; 9,1.12.13), “bênção” (2Cor 9,5), “liturgia” (2Cor 9,12). Paulo se revela em suas cartas como um apaixonado pelo Evangelho, cuja paixão contagia quem o lê, comprometendo-nos a ter “os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo” (Fl 2,5). 

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