Os Cardeais e as CEBs

Em 25 de outubro de 2020 o Papa Francisco anunciou um novo consistório e a criação de treze novos cardeais. A frase pode soar um tanto estranha, mas é isso mesmo. Os cardeais são uma espécie de conselheiros papais, um tipo de senado que auxilia o Bispo de Roma no governo da Igreja.

Periodicamente, o papa reúne o conjunto dos cardeais em uma reunião chamada consistório. Quando ele anuncia este encontro, geralmente se comunica a escolha de novos cardeais.  Foi o que Francisco fez.

Os cardeais geralmente são escolhidos pela função que desempenha na estrutura do Vaticano, por serem bispos (arcebispos) de importantes dioceses mundo afora e por sua inestimável contribuição para a vida da Igreja. Neste caso, o cardinalato é o reconhecimento de uma vida inteira a serviço do catolicismo. Alguns são pessoas com mais de 80 anos.

Poderíamos falar muitas coisas a respeito da história, das funções e das origens deste título religioso, mas não caberia neste espaço. Dentre todas as atribuições dos cardeais, a mais importante é a de eleger o Bispo de Roma. Este procedimento foi adotado ainda na Idade Média e é decisivo para o futuro da Igreja.

Hoje em dia, apenas os cardeais com menos de 80 anos podem ser eleitores em um futuro conclave. Com os novos cardeais, passaremos a ter 128 cardeais eleitores. Mas o número deve se reduzir, porque vários cardeais farão 80 anos nos próximos meses.

O Colégio de Cardeais sempre foi composto majoritariamente por italianos e, com o tempo, por europeus. A América Latina responde pelo maior percentual de fiéis católicos, mas isso não se reflete no cardinalato. Ainda assim, no século passado presenciamos uma lenta internacionalização deste coletivo tão importante.

Francisco, ao escolher novos cardeais, elege os que escolherão seu sucessor. E tem desmontado tradições. O Papa tem escolhido para o sacro colégio bispos das zonas de fronteiras do catolicismo, de dioceses pequenas.

As chamadas sedes cardinalícias, por historicamente terem seus bispos elevados ao cardinalato estão em brancas nuvens, sobretudo na Itália. No Brasil também. Além disso, chama atenção a escolha de homens que realizam um trabalho junto aos mais pobres ou nas periferias existenciais.

Quanto aos futuros novos cardeais, Francisco continua a nos surpreender nas nomeações. De certa forma, alguns ficaram surpresos com esse consistório em ano de pandemia. A expectativa era de, em 2022, realizar um consistório com muitos novos nomes. Dos treze novos cardeais, nove serão eleitores.

Um deles, Frei Cantalamessa – pregador de retiros para os papas desde os anos 1980 – é muito querido dos carismáticos, não será eleitor, porque tem mais de 80 anos. Foi uma homenagem.

O mexicano é uma homenagem também. Dom Felipe Esquivel substituiu o grande Samuel Ruiz em Chiapas. Era para mudar a linha do velho bispo defensor dos indígenas e das CEBs em seu país, mas acabou se convertendo. Até usa o anel de Tucum. Aqui se pode enxergar uma legitimação da Teologia da Libertação e da caminhada das comunidades de base.

O arcebispo de Santiago causa surpresa também, ainda mais depois de todos os escândalos recentes na Igreja do Chile. Por isso, deve gozar da confiança do Papa. Destaca-se também ter mais um cardeal das Filipinas, Dom José Advincula. Trata-se do país mais católico da Ásia.

O arcebispo de Washington, Wilton Gregory, é primeiro cardeal afro-americano da história. Apoiador das causas contra o racismo em seu país e crítico de Donald Trump. No restante, universalização do Colégio de Cardeais e três nomes ligados à Cúria Romana. E dois padres, um deles, responsável pelo Santuário de Assis, onde Francisco recentemente assinou a encíclica Fratelli Tutti.

Mas o que isso tudo tem a ver com a caminhada das Comunidades Eclesiais de Base? No cotidiano, pouco, talvez quase nada. Neste momento, o impacto dessas e de outras nomeações é pequeno. As CEBs continuarão como sempre em sua trajetória de testemunho do Evangelho e de profetismo na construção do Reino.

Porém, isso pode nos oferecer um belo sinal de esperança para o futuro da Igreja. Cada vez mais temos cardeais escolhidos por Francisco. E com isso aumentam as chances do sucessor de Francisco ser um Francisco II ou um João XXIV. E reduzem-se as chances de termos no futuro um Pio XIII ou um João Paulo III.

Isso significa que aumentam, a cada consistório, as chances de o futuro da Igreja passar pelas práticas das CEBs, e pelo compromisso com as causas dos pequenos. Nesse sentido, cada vez que Francisco cria novos cardeais, aumentam as chances de continuidade das reformas e do aprofundamento das posturas deste Papa enviado pelo Espírito lá do “fim do mundo”…

Portanto, trata-se da esperança cujo horizonte aponta para um maior protagonismo das CEBs, como “um novo jeito de ser Igreja”, fiel ao seguimento de Jesus. E, em um mundo cada vez mais desigual e injusto, o modo ser das pequenas comunidades seja a alternativa dada pelo Espírito de Deus para não deixar morrer o sonho de Jesus.

*Jorge Alexandre Alves é sociólogo e professor. Atua no Movimento Fé e Política.

 

 

 

 

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