ColunistasJoaquim Jocélio

Sabedoria é amar a Deus amando o próximo

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Em nossa introdução à bíblia, estamos estudando os diversos blocos/grupos de livros que compõe a Escritura. Já falamos sobre o Pentateuco e os Livros Históricos. Seguimos agora falando sobre os Livros Sapienciais que são sete: Jó, Salmos, Provérbios, Sabedoria, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes e Eclesiástico. Alguns desses livros não estão presentes nas Escrituras judaicas e protestantes (Eclesiástico e Sabedoria); 2 deles também estão entre os 5 rolos festivos, ou seja, os livros lidos nas grandes festas de Israel: Cântico dos Cânticos que era lido durante a Festa da Páscoa e Eclesiastes durante a Festa das Tendas. O tempo de formação desse bloco é muito variado. Ele foi concluído durante o período da dominação grega (séc. III, II e I a.C.) e busca mostrar que os judeus não ficavam atrás diante da sabedoria dos gregos; Israel também tinha uma sabedoria própria e ela vinha da Lei de Deus. 

Os livros sapienciais tratam, portanto, da sabedoria de Israel, de aspectos importantes da vida e como o dia a dia deve ser vivido segundo a vontade de Deus. Seus conteúdos estão ligados a questões mais universais. Nesse bloco, temos muito de poesia, oração, ditados populares ou provérbios, textos mais elaborados e outros mais simples. Nos escritos sapienciais, inclusive, é onde mais aparece a “autoria” dos pobres. Porque, em boa medida, esses textos são fruto da tradição oral que era preservada pelas camadas mais populares. Claro que ao serem colocadas por escrito pelas elites, corria-se o risco de distorção. “Para impedir essa manipulação, os pobres conservavam a sua tradição em forma oral… Um caso claro são os Salmos. Como eram sempre recitados de cor, era muito difícil manipulá-los por escrito. Daí nos Salmos transparecer bem claramente a autoria do pobre” (Pablo Richard).

É importante também saber que a sabedoria, no mundo antigo, não se caracterizava por um saber enciclopédico ou acúmulo de conhecimento, mas por algo mais prático. Duas características marcantes da compreensão de sabedoria em Israel diferente da visão de outros povos é a personificação da mesma (a sabedoria é descrita como se fosse uma pessoa) e sua relação com a Lei, melhor entendida na ideia do temor do Senhor como fidelidade a Lei e, portanto, princípio da sabedoria. Mas em que consiste o temor do Senhor? Alguns textos não sapienciais, como Gn 20,11 (Abraão em Gerara) e Ex 1,17 (parteiras hebreias que desobedecem ao faraó), nos ajudam a entender isso. Neles, há uma “equivalência entre a ideia de ‘temor de Deus’ e a ideia do respeito pelos direitos fundamentais da pessoa e da família… Temor de Deus é sinônimo de respeito pela vida das pessoas” (J-L. Ská). Os livros sapienciais tratam fundamentalmente da sabedoria de Israel, ela tem a ver com o temor do Senhor e ele significa amar e respeitar o próximo. Logo, fica claro que a sabedoria de Israel não é um bocado de conhecimento abstrato/teórico, mas se trata de viver sabiamente, amando a Deus por meio do amor ao próximo, principalmente aos oprimidos. Por isso, os Livros Sapienciais “aproximam-se do pobre a partir de uma perspectiva do observador, reúnem principalmente as experiências tidas com eles” (M. Schwantes).

No livro de , em meio ao drama que passa o personagem, o mesmo denuncia a opressão sofrida pelo povo: “Os injustos mudam as fronteiras, roubam rebanhos e os levam a pastar. Apoderam-se do jumento que pertence ao órfão, e penhoram o boi que é da viúva. Empurram os indigentes para fora do caminho, e os pobres da terra têm que se esconder” (24,2-4). Os Salmos igualmente estão cheios de referências aos pobres e a parcialidade de Deus por eles: “a ti se abandona o indefeso, para o órfão tu és um socorro… Javé, tu ouves o desejo dos pobres… Fazendo justiça ao órfão e ao oprimido” (10,14.17.18); “tu salvas o povo pobre e rebaixas os olhos altivos” (18,28); “protejam o fraco e o órfão, façam justiça ao pobre e ao necessitado, libertem o fraco e o indigente, e os livrem da mão dos injustos!” (82,3-4); “ele ergue o fraco da poeira e tira o indigente do lixo” (113,7); “mas Javé é justo: ele cortou os chicotes dos injustos” (129,4); “eu sei que Javé faz justiça ao pobre e defende o direito dos indigentes” (140,13); “fazendo justiça aos oprimidos, e dando pão aos famintos. Javé liberta os prisioneiros. Javé abre os olhos dos cegos. Javé endireita os encurvados. Javé ama os justos. Javé protege os estrangeiros, sustenta o órfão e a viúva, mas transtorna o caminho dos injustos” (146,7-9). 

Do livro de Provérbios destacamos: “Javé derruba a casa dos soberbos, e fixa os marcos do terreno da viúva” (15,25); “quem zomba do pobre insulta o Criador” (17,5); “quem tapa o ouvido quando o fraco suplica, não terá resposta quando clamar” (21,13). Eclesiastes nos fala muito da futilidade das riquezas e fala do desprezo pela sabedoria do pobre: “Aí está o choro dos oprimidos, e não há quem os console; ninguém os apoia contra a violência de seus opressores” (4,1); “há outro mal doloroso que vejo debaixo do sol: riquezas que o proprietário acumula para a sua própria desgraça” (5,12); “a sabedoria vale mais do que a força, porém a sabedoria do pobre é desprezada, e ninguém dá ouvidos às palavras dele” (9,16). O livro da Sabedoria fala da defesa, por parte de Deus, do justo pobre, denunciando o ímpio opressor: “Raciocinando de forma errada, eles comentam entre si… Vamos oprimir o pobre inocente e não vamos poupar as viúvas, nem respeitar os cabelos brancos do ancião” (2,1.10); “a maldade derrubará o trono dos poderosos” (5,23); “os pequenos serão perdoados com misericórdia, mas os poderosos serão examinados com rigor” (6,6). Eclesiástico traz uma das denúncias mais fortes da literatura sapiencial a uma religiosidade ligada a injustiça: “Como quem imola o filho na presença do próprio pai, assim é aquele que oferece sacrifícios com os bens dos pobres. O pão dos indigentes é a vida dos pobres, e quem tira a vida dos pobres é assassino. Mata o próximo quem lhe tira seus meios de vida, e derrama sangue quem priva o operário de seu salário” (34,20-22). Cântico dos Cânticos é um livro de poemas sobre o amor entre casais, fala da beleza e sensualidade de forma positiva, valoriza a figura da mulher que costumava ser elogiada apenas pelo aspecto materno. Depois, o livro foi interpretado a partir do amor de Deus por Israel e, posteriormente, o amor de Cristo pela Igreja.

Os Livros Sapienciais nos ensinam o valor da poesia, do canto, da oração como expressão das coisas simples do dia-a-dia que revelam o amor de Deus. Trata-se de uma sabedoria que, em grande medida, vem das experiências do povo mais humilde. Ensina que a sabedoria está no amor a Deus por meio do amor ao próximo. Mostra, enfim, como Deus vem em socorro dos pobres através de nós que nos comprometemos em viver a fé nele. Que a leitura/oração desses livros nos ajude a viver sabiamente amando como Deus quer. 

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