Depois de uma pausa de 1 ano nesta participação no Portal das Cebs, retomo o tema da Espiritualidade Libertadora, dedicando algumas colunas à reflexão sobre a Mistagogia e a Espiritualidade Libertadora. Vamos dialogar sobre os processos de acolhimento, de iniciação, de acompanhamento para as pessoas que se aproximam, mas também para todas as que já estão presentes nas comunidades. Ou seja, vamos pensar em quem chega, mas também em que já faz parte, pois diante do Mistério do Amor Divino que se revela incessantemente em toda a história, somos sempre iniciantes.
Sabemos que existem muitos caminhos da espiritualidade nas muitas tradições religiosas. Na vivência do cristianismo e nos muitos itinerários espirituais, vamos encontrar fontes, formas de iniciação, ritos próprios, mesmo se tratando de uma fundamentação comum: a fé e a dinâmica da revelação.
Mas, o que nos cabe nesta reflexão? Proponho que nos demos conta da urgência de recuperar vivências concretas que conduzam a fontes espirituais, que ajudem a construir um eixo pessoal e comunitário que reoriente a vida e, com isso, a responsabilidade comum de contribuirmos com uma humanidade íntegra, conectada em sua condição humana com todo o Cosmos.
Talvez seja importante retomarmos um pouco do que compreendemos como fé e como dinâmica da revelação, sem pretensões de entrarmos em um aprofundamento teológico, apenas como uma breve revisão.
Quando pensamos nessa dinâmica da revelação, lembramos que é uma relação entre Deus e o ser humano. É Deus mesmo quem vem, quem convida, quem se revela, quem se entrega. O ser humano pode ouvir, acolher, perceber ou se distrair, responder afirmativamente ou não. É um processo dialógico, duas partes estão envolvidas, cada uma com sua identidade dinâmica, viva, presente – Deus e o ser humano.
Sim, as duas partes em diálogo estão dinâmicas, vivas e presentes. O mistério que Deus é e se revela. É ação, é história viva, não é um mistério estático ou definido. Deus é presença presente em toda a história do cosmos e da humanidade. O ser humano também é mistério, vivo, dinâmico. A cada segundo, tudo muda dentro e fora dele e afeta seu ser inteiramente. Não há situação fixa, estática. Estamos todas e todos em movimento incessante e misterioso.
Estamos entrando na categoria do Mistério – central para pensarmos a dinâmica da Revelação. Este diálogo é um caminho, um processo no qual as duas partes estão envolvidas. Contudo, o Mistério de Deus que se revela é também a condição de realização de cada ser humano. Não é algo externo, extra-identidade, com o qual se entra em contato e há estranhamento. Ao se abrir ao diálogo com Deus, o que acontece com o ser humano é que se identifica com a voz de Deus, é reconhecimento da própria voz que ecoa em seu peito.
Muitos teólogos e teólogas vêm se dedicando a este tema tão precioso, que foi chamado por Karl Rahner como antropologia transcendental. Para nossa linguagem, poderíamos dizer que o Mistério que se revela já está em nós, nos constitui. Nesse diálogo, ouvimos uma voz familiar, como às vezes acontece de conhecermos alguém e termos a impressão de que é familiar. O encontro com Deus tem essa característica, e é aí que entra o que conhecemos como mistagogia. Um outro amigo teólogo, Andrés Queiruga, nos diz que, nessa relação, encontramos a realidade mais íntima e profunda, na qual já fomos iniciados pela livre iniciativa do amor que nos cria e nos conduz. É o que estamos reconhecendo como Mistagogia, como o caminho que vai nos conduzindo ao Mistério.
A mistagogia é a pedagogia do Mistério, a forma de aproximar e conduzir ao encontro com o Mistério. Imaginemos a metáfora da ponte entre dois rios. Ela é a possibilidade de encontro, de comunicação, de diálogo. É uma boa metáfora para pensarmos na importância daqueles que são as pontes, os mediadores na dinâmica da Revelação, que são os mistagogos na comunidade.
E aqui estamos chegando no centro da reflexão que propomos por um período aqui no Portal das Cebs: A urgência de mediadores, de mistagogos, que não apenas vivenciam em suas vidas e comunidades a experiência de encontro com o Mistério Divino, mas que se disponibilizem para contribuir nos processos mistagógicos com iniciantes e com as comunidades.
Cada ser humano é aberto às relações consigo mesmo, com as pessoas, com o mundo, com Deus. Mas, por que será que encontramos tantas posturas justamente opostas a essa abertura ontológica? Algumas respostas virão do próprio movimento da modernidade, construindo a crença de que somos indivíduos, nos separando uns dos outros, estimulando competições, desigualdades, ou seja, educando e condicionando as pessoas para atitudes opostas à dinâmica da revelação, ao Amor que está dentro e fora nos convocando a vivermos a vida em plenitude.
As pessoas não são indivíduos autônomos, autocentrados. Somos relação, abertura, diálogo, mesmo com dificuldades de desencontros e incompreensões, esse é o dinamismo que nos faz ser pessoas em comunidades. Não precisamos perguntar por onde anda o Amor Divino, pois desde sempre estamos imersos nesse Mistério amoroso.
O que seria ser mistagoga, ser mistagogo? Pensemos juntos em alguns elementos importantes. O primeiro é a própria pessoa estar aberta ao Mistério Divino, numa atitude de disposição, disciplina espiritual. O segundo elemento é a atenção aos sinais dos tempos, à história, aos fatos, ao contexto e características de cada tempo, de cada comunidade. O terceiro elemento é a mediação em si mesma, ou seja, a escolha de como construir a intimidade de cada pessoa com Deus, escolhendo palavras, textos, narrativas, ritos, símbolos, elementos que construam a ponte.
Esses três elementos – vivência da espiritualidade, atenção aos sinais dos tempos e pedagogia do Mistério – não possuem uma ordem ou hierarquia, os três atuam conjuntamente, uma dialogando com o outro, numa circularidade viva.
O mistagogo é, portanto, alguém que tem consciência profunda da dinâmica de diálogo entre Deus e seus filhos e filhas, reconhece a importância da dimensão da espiritualidade como integradora de todo o ser e de toda a comunidade e se coloca como caminhante, mas também como quem ajuda no caminho. Ele é mediador, um missionário do caminho da iniciação.
Vamos continuar essa bonita conversa na próxima coluna?