Por Marcelo Barros (79 anos) e Paulo Sampaio (26)
Marcelo:
Somos todos e todas parentes foi o tema da Semana dos Povos Indígenas que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) coordenou há poucos dias, com a proposta de nos unirmos a todos os povos originários do Brasil nas suas justas e urgentes lutas por seus direitos. Nessas lutas em defesa da Mãe-Terra e na reconquista dos direitos coletivos de cada povo, as juventudes têm tido um protagonismo tão grande ou maior do que tem sido a ação dos anciãos e pessoas sábias de cada etnia.
Paulo:
Para além dos movimentos indígenas, podemos lembrar outros tantos sinais em que as juventudes estão presentes e resistindo – movimento quilombola, povos de terreiros, ativismo sociambiental e de enfrentamento à crise climática, grupos LGBTQIAPN+ etc.
Trago dois exemplos que mostram essa dinâmica onde jovens estão inseridos e exercendo protagonismos. Primeiro, o movimento Novas Narrativas Evangélicas. O Novas tem pensado a pluralidade das espiritualidades na busca da superação dos fundamentalismos. Debatendo novas formas de pisar na terra, de amar, de modelos de Igreja, de arranjos políticos; discutindo as teologias feministas, a guerra às drogas, o diálogo inter-religioso, a cultura e a comunicação. No último encontro do Novas, realizado em dezembro de 2023 em Recife, pudemos ver o seu rosto jovem e plural.
O segundo exemplo é a iniciativa Fé no Clima do ISER – Instituto de Estudos da Religião. Criada em 2015, a iniciativa propõe, através dos diálogos intergeracional e inter-religioso, pensar o lugar das espiritualidades nas questões socioambientais e no enfrentamento à crise climática. Seja na dimensão da formação, produção de materiais ou incidência pública o ISER tem entendido a importância das juventudes. A rede de juventudes do Fé no Clima, a formação Boto Fé no Clima, o documentário “Fé pelo Clima – Juventudes e ação ambiental” dão testemunho disto.
Marcelo:
Esses dados não invalidam ou diminuem a importância do alerta lançado por frei Betto e que outros irmãos continuaram ao desenvolver o assunto. De fato, tanto em relação às lideranças políticas como às pessoas que são para nós referência de inserção nas comunidades de fé e nas pastorais sociais, mesmo nas famílias, sentimos as dificuldades que a geração dos 50 e maiores de 70 têm de passar os mesmos valores de fé e de mística para a geração de seus filhos e netos.
De fato, de cada um dos cinco artigos que foram publicados sobre esse assunto, podemos tomar alguns pontos importantes. Não vamos aqui repeti-los e sim continuá-los.
Penso que o pano de fundo de toda essa discussão poderia ser melhor clareada. De um lado, precisamos assumir o fato de que nós, da caminhada de inserção e do Cristianismo de Libertação, somos mesmo minoria e minoria ínfima. Em todas as idades. Claro que não podemos dizer isso para nos acomodar, ou nos fechar em grupos de esquerda ou de progressistas. Devemos assumir o fato de que nunca fomos maioria e nem vamos ser. Dom Helder Camara nos chamava de “minorias abraâmicas”.
Claro que no tempo dele, em geral, na sociedade, os avôs eram mais conservadores do que os pais e os pais mais conservadores do que os filhos. Atualmente, ao menos, nos círculos de Igreja, parece que a tendência é que os/as jovens sejam mais conservadores do que os mais velhos. É claro que se trata de um conservadorismo pós-moderno, já que escolhem aspectos nos quais decidem ser conservadores e outros nos quais não é prático ser conservador.
No que diz respeito ao clero e institutos religiosos, isso é muito claro: conservadorismo nos ritos e nas roupas. Mas, nenhum deles propõe voltarmos à ascese dos tempos de seus avós. E quanto à seriedade de estudos e de reflexões, para que?
Paulo:
Muitas destas lideranças conservadoras colocam nas costas do povo um fardo que elas sequer carregam. Falam de uma moral excessiva, quando vivem vidas duplas e escondem elementos de suas vidas. A boca fala um discurso e o resto do corpo realiza outra prática. Cobrem a cabeça com véus, vestem-se com as melhores rendas e no escondido desnudam suas fragilidades e revelam uma vida fragmentada.
Marcelo:
Seja como for, não basta ser minorias para ser abraâmicas. Só o seremos se conseguirmos, mesmo como minorias, sermos minorias fecundas e proféticas. E aí as questões levantadas sobre o XII Encontro Nacional de Fé e Política e tantos outros encontros (XV Intereclesial de Cebs) são válidas e merecem ser aprofundadas. De fato, não basta dar espaço para juventudes, mas precisamos nos interrogar sobre como e de que modo esses espaços são dados.
Pessoalmente, tenho a impressão de que as categorias mentais com as quais organizamos esses espaços continuam sendo os que seguem hierarquizações e critérios seletivos que não têm nada de novo ou de verdadeiramente revolucionário.
É claro que vivemos em uma sociedade na qual há nomes que reúnem muita gente e outros que não reúnem tanto. É, então, natural que se opte por esses nomes e assim continuemos com diferenciações nas quais geralmente as pessoas mais jovens têm, naturalmente, menos oportunidade do que os de cabelos brancos que já vêm de muitas jogadas.
É claro que as juventudes com as quais lidamos não têm consciência disso e talvez não seja por isso que não participam de nossos projetos e propostas. No entanto, provavelmente, mesmo inconscientemente, sentem que não há nada de novo debaixo do sol.
Todos e todas falam no paradigma do bem-viver, mas esse pede outra forma de nos organizar. Nas primeiras relações com a sociedade dominante, alguns grupos indígenas, ao participarem de partidas de futebol, não aceitavam terminar o jogo sem que houvesse empate, porque não compreendiam que um time pudesse vencer o outro. Será que nós, formados e deformados nessa sociedade de competição, aceitamos mesmo nos transformar para entrar nesse novo modo de pensar?
Desde 2014, o grupo Emaús provocou um diálogo com grupos e coordenações de juventude e daí surgiu o Movimento de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras (MEL) que já realizou dois e está preparando o III ENJEL (Encontro Nacional de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras). Será em Salvador, BA, de 30 de maio a 2 de junho próximos. O tema será “Saberes, Sabores e Lutas: territórios do Bem Viver”. Desde o começo, esse encontro está preparado coletivamente e a partir do diálogo intergeracional e com o protagonismo e a iniciativa de jovens.
Desde 2014, temos vivido uma boa experiência de diálogo intergeracional – fazer juntos em diálogo e no aprendizado mútuo – e a partir do protagonismo das juventudes, aceitando, inclusive que deem suas pautas e marquem seu modo de caminhar.
Paulo:
Este diálogo não está dado, nem é fácil. Há desafios profundos que não são superados totalmente. Eles acompanham todo o caminho. E estes existem uma vez que há diferença de linguagens, temperamentos, visão de mundo, expectativas etc.
O diálogo, para ser diálogo, exige disposição, capacidade de abrir mão. Não busca vencer a outra pessoa, mas crescer juntos. E, como anteriormente falado, como é difícil imaginar dentro do atual paradigma, ceder e não competir. É complexo, exigente, difícil, mas extremamente necessário. Apesar de todos os desafios, há beleza!
O diálogo intergeracional, assim como os diálogos interculturais e inter-religiosos, não deveria ser um fim em si mesmo, mas um método ou estilo de vida. Quer dizer, não se usa o diálogo para uma ação ou um evento pontual e depois segue a vida como se fosse só aquilo. Ao contrário, toda a vida deveria ser feita tendo estes diálogos como prática constante.
Somente assim o diálogo deixará de ser um enfeite ou adereço em nossos encontros, que se usa para dar um aspecto mais bonito ou simpático, mas não é real. Ou, pelo menos não provoca mudanças significativas.
Marcelo:
Em meio às incertezas do momento atual, é possível que iniciativas como essas possam nos apontar na direção das respostas de que precisamos para essa caminhada em que gente de todas as gerações possam se unir na construção do mundo novo possível.