Celso Pinto CariasColunistasSínodo para a Sinodalidade 2024Sínodos

Um olhar positivo sobre o IL do Sínodo – participação

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

O Instrumentum Laboris (IL), instrumento de trabalho para a segunda sessão da XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS, já recebeu muitas reações, embora sua publicação seja muito recente (09/07). Teólogos como o italiano Andrea Grillo e o bispo emérito do Xingu, Altamira, Dom Erwin Kräutler, escreveram boas observações, entre outras que também estão aparecendo. Mas, com modéstia, queremos propor uma mudança de foco.

Das reações a que tive acesso, praticamente não há o que discordar. Mas a questão que me parece chave neste Sínodo e não tão bem reconhecida pelos comentadores, passa por garantir que os mecanismos de participação efetivos do Povo de Deus, sendo “povo” com maiúscula, apontando para todas as pessoas batizadas, sejam efetivados. Inclusive no âmbito das decisões. Aqui o documento confirma a eclesiologia do Concílio Vaticano II. Será que apontando o que falta no IL estaremos contribuindo para que esta perspectiva seja garantida no pós-sínodo? O que é possível fazer, dentro da conjuntura eclesial atual, até com franca oposição a Francisco, para que o resultado do Sínodo não seja absolutamente frustrante?

Evidentemente que o IL não é completo e não dá conta de dimensões fundamentais para uma “Igreja em saída”, mas o tempo todo ele aponta para garantir participação. Creio, modestamente, que este é o eixo central.  Muitas expectativas podem ser frustradas se tais mecanismos não forem aprofundados. Trata-se de garantir, no processo, ampla participação. Ora, se não for possível ao menos abrir canais nesta direção, aí, sim, o Sínodo será apenas mais um capítulo da manutenção de uma igreja clericalista e autorreferencial. As forças do clericalismo estão muito bem sedimentadas. Qualquer batizado que caminha com o Concílio Vaticano II percebe isso. Neste sentido, qual seria a melhor estratégia para, no processo deste Sínodo e no que acontecerá após ele, garantir a manutenção de um diálogo profícuo em vista de responder aos desafios que estão a nossa frente nesta crise civilizatória? 

Apenas algumas menções. No número 67, o IL vai afirmar que o “exercício da autoridade na Igreja não consiste na imposição de uma vontade arbitrária”. No 77, que é preciso haver transparência e prestação de contas. No 92, fala que os organismos que organizam a pastoral não podem ser feitos a partir da escolha exclusiva das autoridades eclesiásticas. Quantas vezes já vimos isso acontecer? Um Pároco novo destituir uma coordenação por pura e exclusiva vontade pessoal? No 94, fala da criação de conselhos a nível de comunidade de base. Sim, COMUNIDADE DE BASE. No fundo, o IL parece confirmar uma prática que na América Latina se fez por décadas e que foi sendo destruída.

Ora, se tais estruturas de participação não existirem, certamente, por maior fundamentação teológica que alguém possa ter, nada poderá sequer ser discutido, como o caso de ordenações de mulheres. Nem mesmo ordenar mulheres diáconas, por exemplo. Como poderemos propor, como propôs o Sínodo para a Amazônia a ordenação de homens casados, se o poder decisório se concentra única e exclusivamente nas mãos dos bispos? Mesmo que o Papa decidisse por sua conta, cremos que dificilmente os bispos iriam efetivar. Como poderemos falar de uma Igreja toda ela ministerial, se há um temor de perda de privilégios? E poderíamos continuar com outros exemplos. Portanto, no mínimo, é fundamental garantir um debate franco, aberto, dialogal. Não é possível, em uma Igreja de irmãos e irmãs, ter medo de se posicionar. A Igreja tem leis e mecanismos próprios para se defender de abusos, mas não pode usar essa estrutura sem dar direito ao contraditório. Temos visto, por exemplo, muitos abusos no campo litúrgico, e nada sendo feito. Alguém, em sã consciência, pode afirmar que “cerco de Jericó” é uma expressão legítima da liturgia católica? No entanto, nada é dito. Porém, tem bispo proibindo que se entre com a bíblia em uma liturgia de forma inculturada.

O IL reconhece a necessidade de reformular o processo de escolha de bispos. O processo atual é extremamente frágil, e, em boa medida, não pautado por valores evangélicos. Os procedimentos de escolha não garante que interesses muito específicos de arcebispos e cardeais locais acabem por prevalecer e o processo acabe sendo viciado por questões pessoais. Sem falar na falta de perspectiva pastoral, pois se pode colocar um bispo “doutor em direito canônico”, mas sem experiência pastoral comprovada. Um bispo do sul, no caso do Brasil, que nunca trabalhou no nordeste. É possível uma inculturação? Evidentemente, mas um bispo tem necessidade de tomar decisões nos primeiros meses logo que toma posse de uma diocese. Assim, ele precisa de experiência para além de um saber canônico.

Portanto, não é preciso demonstrar que a perspectiva sinodal é fundamental para a continuidade do Projeto de Jesus Cristo no seio da Igreja Católica. Agora, sem ingenuidade, neste caso Andrea Grillo está coberto de razão, existe uma reação forte de um “Trento moderno” que quer impedir uma Igreja em saída. Mas a Igreja estará condenada à irrelevância no mundo se insistir nesta direção. Certamente, ela não acabará, até porque os mais ricos são os tridentinos de hoje. Mas assumam essa possibilidade sem escamotear, como fez o Cardeal Carlo Maria Viganò.

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