ColunistasIrmã Ivone Gebara

O que é a diversidade?

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Uma das expressões que mais temos ouvido ultimamente é a importância do ‘respeito à diversidade’. O que significa a diversidade?

Diversidade é uma palavra que indica uma pluralidade de coisas e de seres que constituem tudo o que existe. Tudo o que existe é plural e diverso, isto é,  marcado pela diferença, mesmo mínima, de um em relação ao outro. Ao mesmo tempo em que dizemos que algo é diverso, dizemos também que é interdependente, isto é, que vive na interdependência de outros seres.

A constatação da diversidade das coisas e dos seres é óbvia. Porém a diversidade se torna problema nas relações humanas não por sua existência, mas pela complexidade de relações que nós humanos geramos a partir dela. Classificamos, hierarquizamos, valorizamos, excluímos os diferentes seres na tentativa de gerenciar nossas relações com a diversidade do mundo. Porém, para classificar e gerenciar, nós necessitamos de critérios que nos ajudem à convivência mútua. Somos todos/as em primeiro lugar apaixonados por nossos interesses e defensores de nossa vida e dos mais próximos.

As muitas formas de apropriação e dominação eclodem de nossa relação com a diversidade. Quando uma pessoa se julga a autoridade escolhida por Deus para gerenciar a diversidade, todas/os se submetem a ela e passam a ter sua diversidade controlada e coordenada pela ordem que impõe. Da mesma forma, um governo pode gerenciar as relações humanas a partir de interesses próprios e exercer pressão sobre a diversidade que somos. Portanto, é em meio às nossas diferentes relações que a palavra diversidade se torna problema.

A diversidade perde sua força e riqueza existencial quando é controlada por uma palavra de ordem, por ordens autoritárias que julgam possuir o direito de julgar e ordenar. Tal procedimento é comum nas religiões, na medida em que a última autoridade que gerencia a diversidade é afirmada como sendo o Deus Pai. Porém, sabemos bem que Deus exerce sua autoridade através de homens que vão propor o ordenamento da diversidade a partir de seus interesses e ideologias.

O ordenamento da diversidade pode significar muitas vezes roubo da criatividade que existe nela. Por isso quando agroecologistas propõem plantar uma diversidade de plantas diferentes num mesmo pedaço de terra onde cada espécie controla a expansão da outra, somos desafiados a aprender uma convivência diversa respeitosa. A hortelã nunca será a salsinha e a salsinha não será o cominho. Cada ser conserva sua identidade própria necessária para a afirmação de uns e outros nutridos pela mesma terra.

O conhecimento humano é também diverso e complexo. Nosso cérebro acumula experiências e aprendizados diversos. Quando dizemos que aprendemos de nossa experiência, aprendemos coisas que certamente mudarão e, se as repetirmos no futuro, tornar-se-ão vivências anacrônicas. Nossas experiências nos servem para seguir adiante e saber que nem sempre teremos que reproduzi-las no futuro.

Para gerenciar a diversidade em favor do bem comum é preciso algo mais que expressamos com a expressão ‘sentir a vida’. Sentir a vida é ser capaz de nos colocarmos no lugar do outro cuja vida é diferente e semelhante. É tentar apreender para além da crítica que lhe fazemos, é buscar meios de conviver sem empurrá-lo imediatamente para fora de nosso caminho.

Se tomarmos o exemplo das CEBs, admitimos sua diversidade local, de composição, de atividades e de histórias. Porém, há algo nelas que deveria ser comum. Se afirmarmos que o comum é o princípio evangélico ‘amar ao próximo como a si mesmo’, nos deparamos também com uma diversidade de interpretações. Eis-nos de novo confrontados à diversidade, daí a necessidade de um ponto de apoio comum por menor que seja. O que significa?

Embora seja mutável, o ponto de apoio é aquele a partir do qual gera-se uma concordância entre os membros de uma comunidade. Essa unicidade ou esse acordo é o que nos permite avançar em conjunto. Então diante de uma urgência como, por exemplo, um incêndio em duas casas da comunidade, temos que chegar a acordos, ou seja, como ‘amar o próximo como a nós mesmos’. Reconstruindo as casas, abrigando os desamparados, trazendo comida, apelando ao poder público etc. Creio que por aí se pode afirmar um sentido mais preciso da diversidade que a constitui. A comunidade é uma ‘comum unidade’ diante de uma situação à qual temos que dar uma resposta imediata. Não é apenas uma unidade de pensamento, de obediência a ordens ou de sentimentos iguais. Mas é uma unidade na necessidade da ação, na especificidade de cada situação não assimilável a outra. Então nos damos as mãos em vista de uma ação comum. E quando chegamos a esse reconhecimento podemos construir entre nós uma comunidade mais ampla e inclusiva.

Tais afirmações nascem de nós mesmas/os e nos convidam a nos desnudarmos de nossas ideias pré-estabelecidas e reconhecer a riqueza da diferença. Reconhecer que somos mais do que as etiquetas sociais, as etiquetas cristãs, partidárias, profissionais. O que sou é sempre para além delas?

É o sentir, o coração que nos leva a respeitar o outro/a como nossa imagem e semelhança e buscar agir em favor de uma sociedade mais justa através de ações novas.

Pensar o direito à diversidade é exigir que a diversidade se instrua e se direcione em vista do ‘bem comum’. Nas ações comuns a espontaneidade de nosso coração deve ser direcionada para a eficácia no salvamento de vidas. Como abrir-nos para a responsabilidade comum para além de nosso desejo de converter o mundo às nossas ideias? A diversidade ética exige uma escuta atenta dos outros, assim como silencio para ouvir a mim mesma/o e perceber o quanto é difícil viver a coerência das ideias na mistura do cotidiano.

Façamos exercícios de escuta das pessoas sem retrucar e querer responder-lhes imediatamente como se fôssemos por nossa situação de comunidade cristã sabedores de antemão das respostas.

Qual é o próximo passo?

É o passo da vida, é a música que hoje é ouvida embora amanhã possa ser outra. Há que confiar na riqueza da diversidade e na beleza das muitas cores enfeitando a vida. 

Você pode ler o primeiro artigo da colunista Ivone Gebara através do link: https://portaldascebs.org.br/2020/10/19/o-que-e-o-humano/

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