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“Ser uma Igreja que permanece junto ao seu povo, que necessita se reconciliar, participar da Eucaristia e ser ungido”, afirma Dom Sérgio Castriani

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Por Luis Miguel Modino

Deus sempre se fez presente na vida de seu povo, “o Senhor livrou o povo da opressão do Egito”, afirmava Dom Sérgio Castriani, na homilia da festa de Corpus Christi. Esse é uma realidade que pode ser renovada, para isso se faz necessário que o povo “ouça a voz do Senhor e ande em seus caminhos”, segundo o arcebispo de Manaus.

Dentro do processo do Sínodo para a Amazônia, o arcebispo quis relacionar a solenidade Corpus Christi com o kairós sinodal, que na última segunda-feira dava um passo a mais com a apresentação do Instrumentum Laboris. Em suas palavras lembrava o convite do Papa Francisco “para escutar a voz de Deus que fala hoje”, colocando os exemplos “os povos indígenas esquecidos ou não levados a sério”, os “ribeirinhos vistos como remanescentes de um passado que é preciso superar”, a juventude que sonha com “um mundo mais justo e mais fraterno”, as comunidades que fazem “seu itinerário de fé, comprometidas com a vida”. Mas também outros atores da sociedade civil.

O arcebispo quis marcar distância daqueles “que só visam o lucro imediato e não se importam em destruir, sem nenhum respeito pelos seres humanos do passado, do presente e do futuro”. Essa realidade “nos deve preocupar a todos”, pois dá a impressão que “as forças da morte parecem estar vencendo”, algo que acontece “quando entra em campo o grande capital”, que faz com que não exista mais controle. Segundo o arcebispo, “até o que foi conquistado nos últimos tempos em favor de uma ecologia integral parece estar retrocedendo”, o que mostra a realidade atual da Amazônia brasileira, cada vez mais ameaçada pelas políticas predatórias do atual governo.

Mesmo assim, movidos pela esperança, “somos convocados a continuar acreditando num destino comum para a humanidade e a necessidade de preservar a casa comum”, segundo Dom Sérgio, que em suas palavras recolhe as ideias do Papa Francisco.

Na grande festa eucarística, o arcebispo de Manaus quis refletir sobre as exigências atuais para a presidência da Eucaristia, um elemento presente no Instrumentum Laboris e que tem provocado polêmica desde sua publicação. Dado que se exige que “o presidente da celebração seja ordenado”, ele refletia sobre a realidade da Amazônia, “onde os ordenados são poucos e as comunidades vivem distantes umas das outras ou nas periferias das grandes cidades onde o número de comunidades supera e muito o dos sacerdotes ordenados”, o que provoca que “boa parte dos católicos não tem acesso à Eucaristia dominical”.

Em suas palavras, Dom Sérgio Castriani tem destacado que “sacerdotes missionários heroicamente visitam rios e igarapés, paranás e lagos onde vivia e vive ainda um povo que apesar de tudo guarda a fé da Igreja, e se não tem Eucaristia, tem fé eucarística”. Isso se expressa “numa contínua ação de graça, reconhecendo em tudo a ação de Deus. Vivem o serviço na doação da própria vida, cuidando dos filhos, dos familiares próximos e, quantas vezes, dedicando-se aos serviços comunitários”. Tem seguido a ordem de Jesus: “Dá-lhes vos mesmos de comer”, recordava o arcebispo, o que “motivou tantos sacerdotes a dar a vida para que as comunidades tivessem a Eucaristia ao menos uma vez ao ano”.

Dom Sérgio, missionário por muitos anos em diferentes regiões da Amazônia, conhece a realidade da região. Por isso, em sua homilia tem falado sobre os ministros da Palavra, e reconhecia um dos desafios que aparecem no Instrumento de Trabalho, “ser uma Igreja que visita”. Seguindo o que afirma o documento recentemente publicado, o arcebispo fez um chamado a “ser uma Igreja que permanece junto ao seu povo que necessita não só batizar e casar, mas sobretudo se reconciliar, participar da Eucaristia e, quando chegar a hora final, ser ungido para o grande encontro”.

Aos presentes na celebração, acostumados a ter “acesso à Eucaristia com tanta facilidade”, os pedia “sentir o drama dos que não a tem”. Diante dessa realidade pedia “sacerdotes que se disponham a ir até as comunidades distantes e as comunidades das periferias, as comunidade pobres”, e ao Sínodo “que surja uma nova solução eclesial madura, consciente, para a falta de sacerdotes”. Junto com isso, “que as comunidades centrais compreendam quando o seu padre vai atender comunidades sem padre”.

Tudo numa perspectiva que faz que “caminhemos juntos numa Igreja sinodal, onde quem tem partilha e seja enriquecido pelo ser do irmão que lhe dá a alegria de viver”.

Homilia completa

Senhores bispos e padres, que presidis a Eucaristia,

Povo de Deus que sois presença de Jesus como seu corpo na celebração eucarística,

O Senhor alimentou o seu povo com a flor do trigo e com o mel do rochedo o saciou. O Salmo do qual este versículo é tirado e serve como antífona de entrada da missa de hoje, recorda o Êxodo, quando o Senhor livrou o povo da opressão do Egito. Deus pode renovar as maravilhas que operou outrora com a seguinte condição, que ouça a voz do Senhor e ande em seus caminhos.

A Igreja que está na Amazônia foi convocada pelo Papa Francisco para escutar a voz de Deus que fala hoje pela voz dos povos indígenas esquecidos ou não levados a sério, dos ribeirinhos vistos como remanescentes de um passado que é preciso superar, da juventude que representa os sonhos de um mundo mais justo e mais fraterno, das nossas comunidades que com teimosia continuam a fazer seu itinerário de fé, comprometidas com a vida. Mas também ouvimos os cientistas, os ambientalistas, os responsáveis pela segurança. Não interessa ouvir aqueles que só visam o lucro imediato e não se importam em destruir, sem nenhum respeito pelos seres humanos do passado, do presente e do futuro.

E o que ouvimos nos deve preocupar a todos. As forças da morte parecem estar vencendo. Quando entra em campo o grande capital, não existe mais controle. Até o que foi conquistado nos últimos tempos em favor de uma ecologia integral parece estar retrocedendo. Somos convocados a continuar acreditando num destino comum para a humanidade e a necessidade de preservar a casa comum.

Hoje temos gente que, como em Melquisedec, abençoa-nos bendizendo o Deus criador de todas as coisas. Mas o sacrifício oferecido por Jesus na Cruz supera todas as bênçãos. Por isto, ele deixou um memorial que deve ser celebrado pelos seus discípulos até a sua volta. A Eucaristia se torna a fonte da vida cristã e a Igreja vive da Eucaristia e por causa Dela. As comunidades cristãs se reúnem aos domingos para fazer memória da Páscoa. Ela é tão importante para a vida e a unidade da Igreja que para ser válida tem que ser celebrada com as palavras e os rituais aprovados pela Igreja.

Uma das exigências é que o presidente da celebração seja ordenado para tanto. Em regiões como a nossa, onde os ordenados são poucos e as comunidades vivem distantes umas das outras ou nas periferias das grandes cidades onde o número de comunidades supera e muito o dos sacerdotes ordenados, boa parte dos católicos não tem acesso à Eucaristia dominical. Desde sempre, sacerdotes missionários heroicamente visitam rios e igarapés, paranás e lagos onde vivia e vive ainda um povo que apesar de tudo guarda a fé da Igreja, e se não tem Eucaristia, tem fé eucarística.

Vive numa contínua ação de graça, reconhecendo em tudo a ação de Deus. Vivem o serviço na doação da própria vida, cuidando dos filhos, dos familiares próximos e, quantas vezes, dedicando-se aos serviços comunitários.

Dá-lhes vos mesmos de comer. Esta ordem de Jesus motivou tantos sacerdotes a dar a vida para que as comunidades tivessem a Eucaristia ao menos uma vez ao ano.

A Igreja formou celebrantes para garantir que a palavra seja anunciada. Mas continuamos, em muitos lugares, a ser uma Igreja que visita. Devemos ser uma Igreja que permanece junto ao seu povo que necessita não só batizar e casar, mas sobretudo se reconciliar, participar da Eucaristia e, quando chegar a hora final, ser ungido para o grande encontro.

O fato de termos acesso à Eucaristia com tanta facilidade e nos acostumarmos a ter missas em todas as ocasiões não nos ajuda a sentir o drama dos que não a tem. Peçamos a Deus que envie sacerdotes que se disponham a ir até as comunidades distantes e as comunidades das periferias, as comunidade pobres. Peçamos a Ele que surja uma nova solução eclesial madura, consciente, para a falta de sacerdotes. Que as comunidades centrais compreendam quando o seu padre vai atender comunidades sem padre.

Que a flor do trigo, o pão consagrado, seja alimento para todos nós na caminhada da vida e que o mel do rochedo, que é a doutrina de Jesus e sua palavra no Evangelho, dê sabor e força ao peregrino. Caminhemos juntos numa Igreja sinodal, onde quem tem partilha e seja enriquecido pelo ser do irmão que lhe dá a alegria de viver.

Dom Sergio Eduardo Castriani, servo da Eucaristia.

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