Seguem, a partir de agora, algumas reflexões teológico-pastorais sobre a Ética na perspectiva libertadora.
Neste primeiro artigo – de caráter introdutório – trato da questão da Ética hoje e, no final, apresento as linhas fundamentais da proposta de Ética da Libertação que pretendo desenvolver posteriormente.
A questão da Ética, na sociedade e cultura contemporânea, voltou a ser central. Desde as décadas de 1980 e 1990 fala-se:
– Da “necessidade cultural de Ética” (Viano, C. A. (Org.). Teorie etiche contemporanee. Bollati Boringhieri, Torino, 1990, p. 11);
– Do “retorno à Ética” e das “tendências e ambiguidades de tal fenômeno” (Angelini, G. Ritorno all’Etica? Tendenze e ambiguità di un fenomeno recente, em “Il Regno” 14 (1990) 438-449);
Da “emergência da Ética” (VV. AA. L’ Etica nel Pensiero contempoaneo. Mucchi, Modena, 1989, p.7);
– Do “renascimento da Ética”, da “urgência da reflexão ética” e da “atenção com a qual são considerados e discutidos os problemas éticos”, que “envolvem a vida e a qualidade da vida das gerações presentes e futuras” (Da Re, A. Il ritorno dell’Etica nel Pensiero contemporaneo. Gregoriana, Padova, 1988, p. 9-17);
– Da “necessidade de um projeto de Ética mundial” e de “uma Moral ecumênica em vista da sobrevivência humana” (KÜNG, H. Projeto de Ética Mundial. Uma Moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. Paulinas, São Paulo, 1993).
Pergunta-se, pois: “como pensar a Ética a partir das contradições de um mundo que produz uma ciência e seus intelectuais dedicados a pesquisar, no mesmo espaço e ao mesmo tempo, princípios de vida e armas de morte?” (VV. AA. Ética. Companhia das Letras, São Paulo, 1992).
Para o Ser humano de hoje, “trata-se de compreender o processo epocal que tornou incertas a solidez e a estabilidade na transmissão dos valores e das normas achadas evidentes, pelo qual perderam eficácia os habituais critérios de legitimidade, os princípios reconhecidos para estabelecer aquilo que é bem e aquilo que é mal”.
As mudanças produzidas por essa transformação – que são muitas – podem ser descritas como: ‘
– “Passagem de uma sociedade tradicional, que prescrevia comportamentos socialmente apreciados e aceitos sem discutir sua legitimidade, a uma sociedade pós-tradicional, na qual temos sistemas morais baseados não em prescrições sociais, mas em preferências individuais”; ou como:
– “Passagem de uma sociedade de diferenciação estratificada, na qual a pertença a um estrato comportava a aceitação de uma moral no âmbito de uma mais geral subordinação desta última à religião, a uma diferenciação funcional, que reconhece ao ser humano maiores liberdades em relação ao seu ambiente social, inclusive a liberdade de comportar-se de maneira não racional e não moral” (L’Etica nel pensiero contemporâneo, op. cit., p. 7).
É nesta realidade complexa e contraditória que surge a Ética da Libertação. Ela elabora – e emite – juízos de valor desde o ponto de vista dos Pobres (a partir dos Pobres, na ótica dos Pobres): empobrecidos, marginalizados, oprimidos, excluídos e descartados. É este, aliás, o ponto de vista de Jesus de Nazaré e do Evangelho: a Boa Notícia do Reino de Deus.
Propriamente falando, a Ética da Libertação não é um dos ramos da Filosofia e/ou da Teologia da Libertação, mas é o tema que a perpassa. Por ser “intrinsecamente moral”, o ético é uma dimensão “constitutiva” ou “consubstancial” de toda a Filosofia e/ou Teologia da Libertação.
Mesmo, porém, tendo como fonte de inspiração uma realidade particular, seu valor é universal, porque a Ética da Libertação é Ética da Vida e da Vida em plenitude para todos os seres humanos e para a Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum.
A proposta de Ética da Libertação – que irei aprofundar nas próximas reflexões teológico-pastorais – é vivida e tematizada em torno de três eixos: o ser humano, o ser humano como ser práxico (prático-teórico e teórico-prático) e o ser humano práxico como ser ético.
Portanto – além deste que situa historicamente a Ética da Libertação – estão previstas três séries de artigos.