A coluna precisa começar pedindo perdão aos bispos, presbíteros, diáconos, ministros e ministras não clericalistas. Não são muitos, mas existem. Chicão, o Papa Francisco, desde o início de seu pontificado fala disso. Chegou a comparar com um câncer. Mas apesar do papa, continua gordo, forte e corado. Por quê?
José Comblin, um teólogo visionário falecido em 2011, afirmou, com razão, que o sistema teológico cristão foi fortemente influenciado pelo império, inicialmente o romano, depois outros impérios foram fazendo o mesmo papel. O clericalismo é a forma de manutenção de um governo imperial eclesiástico. Para um império se manter, ele precisa dominar de todas as formas, inclusive ou principalmente, com armas simbólicas. Armas que não precisam ser ostensivas, mesmo que em certos momentos históricos, até armas que produzem dor e sofrimento sejam utilizadas, como nas guerras. Sabemos muito bem, por exemplo, a razão pela qual os EUA lançaram duas bombas atômicas sobre civis japoneses em uma guerra já vencida. Tratava-se de uma mensagem para o mundo, isto é, uma afirmação do poder dominador.
Aqueles que agem como aliados do poder dominador na Igreja não precisam mais, graças a Deus, enviar “bruxas” para o “braço civil” queimar na fogueira. Mas queimam de outra forma. Relacionam pessoas boas, caso recente do Pe. Júlio Lancellotti, do próprio Papa Francisco, com o mal, buscando justificar o ódio como um sentimento de rejeição ao “pecado”. Libertando as consciências de uma possível autoavaliação de seus atos como desumanos e justificando a injustiça social como vontade de Deus: “Jesus disse: pobres sempre terão entre vós”.
Ora, o clericalismo é uma forma simbólica da manutenção de um poder que não é poder do amor, aquele vivido e revelado por Jesus de Nazaré. O “manto sagrado” que o disfarça induz a maior parte do povo santo de Deus a uma obediência cega que desculpa, muitas vezes, transgressões perversas dos clérigos e de todas as pessoas na Igreja que agem sob o manto do clericalismo, pois leigos e leigas também podem ser clericalistas. Até abusos morais são camuflados. A imagem de um Deus Misericordioso, como o revelado por Jesus Cristo, é muito condescendente com aqueles que mostram, por sua própria condição, a contradição da sociedade, por isso devem ser eliminados sem pudor. Como assim “bem-aventurados os pobres”? Por isso, a imagem de um Deus que condena o pecador é muito mais eficaz para garantir a manutenção dos privilégios daqueles que tem poder, mesmo que seja um privilégio menor diante dos grandes privilégios dos verdadeiros dominadores.
Os clérigos que incorporam o clericalismo, consciente ou inconscientemente, desejam a manutenção dos cincos “Cês”, como diz um presbítero amigo, não clericalista evidentemente: casa, comida, celular, carro e casula. As ovelhas, muitas vezes, cheiram mal, por isso é melhor atrair o povo “cheiroso” e vestir paramentos litúrgicos que brilham no altar e resplandecem o poder do sagrado na figura humana do padre, sem precisar do trabalho cotidiano, do contato com a miséria humana que precisa de ajuda.
Neste contexto, uma Igreja Sinodal não pode ser bem recebida. Uma Igreja onde, de fato, o batismo seja o grande vínculo com o Caminho de Jesus atrapalha. Daí se entende porque o Sínodo Comunhão, Missão e Participação não seja bem recebido por boa parte do mundo clericalista.
O clericalismo exige obediência cega, não tolera o diálogo, confunde autoridade com autoritarismo, é autorreferencial, centralizador, não suporta ser contestado, mesmo que a contestação seja feita com fraternidade. Exclui leigos e leigos que tenham alguma iniciação teológica, pois podem oferecer contrapontos não desejáveis, que induzam a pensar, a refletir em possibilidades de uma participação mais efetiva de todas as pessoas batizadas que desejam servir a Igreja em algum ministério.
A volta da batina, por exemplo, já tratada em outra coluna, pode ser um forte símbolo de afirmação de um poder sagrado dominador e não de desapego. Evidentemente que pode ser um desapego, como foi no caso de Dom Hélder; mas o que está acontecendo nos últimos anos vai em outra direção. É significativo que o uso das vestes clericais hoje seja mais dos presbíteros jovens, sem generalizar, do que dos mais velhos. Em uma determinada paróquia, de um determinado lugar do Brasil, um fiel chegou a afirmar quando um presbítero jovem tomou posse em substituição a um falecido presbítero, depois de ter dado a vida durante anos àquela paróquia: “agora sim temos um sacerdote”. Sim, o uso do conceito “sacerdote” em detrimento do conceito de “presbítero”, no sentido neotestamentário, ganhou força. O “sacerdote” é aquele que quase é outro Cristo, e o “presbítero”, como a palavra grega original, é o ancião, a pessoa mais velha que orienta, acolhe, ajuda a comunidade a seguir o Caminho de Nosso Senhor Jesus Cristo. O presbítero simboliza mais o Jesus do lava-pés.
Por isso, rogamos a Deus para que o Sínodo possibilite o recomeço de uma Igreja que anuncia o Reino de Deus como fez o mestre Jesus Cristo. Que a Igreja seja sinal, luz, fermento no meio do mundo, e não aliada dos impérios. Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!