Em 2015, o Papa Francisco publicou a Encíclica Laudato Si’ (Louvado seja): “sobre o cuidado da casa comum”. Chamava atenção para os efeitos e as causas da crise ambiental. Falava da urgência de “tomar dolorosa consciência” dessa situação, ouvindo os gritos/clamores/gemidos da terra e dos pobres. E fazia um apelo a “proteger nossa casa comum”, indicando algumas linhas de ação e insistindo na necessidade de uma educação e espiritualidade ecológicas. Em 2023, oito anos depois, publicou a Exortação Apostólica Laudate Deum (Louvai a Deus) sobre a crise climática, insistindo na urgência de levarmos a sério a crise ambiental: “O impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas” etc.
A catástrofe no Rio Grande do Sul é um apelo dramático a levarmos a sério a crise ambiental: centenas de feridos, mortos e desaparecidos; milhares de pessoas fora de casa; bairros, cidades e infraestruturas destruídos; plantações e produções devastadas; sofrimento psíquico e emocional de quem de uma hora para outra vê destruído o fruto de anos ou décadas de trabalho… E não se trata de castigo de Deus, como bradam os profetas da desgraça, blasfemando contra Deus e traficando com o sofrimento das pessoas. Tampouco se trata de vingança da natureza, como se ela agisse movida por ódio, eliminando seus inimigos. Ódio, vingança, maldade só existe nos animais humanos. Mas o impacto da ação humana, particularmente dos donos do capital, na natureza, destruindo a biodiversidade e provocando mudanças climáticas, tem consequências socioambientais graves e mesmo mortais, como demonstram as catástrofes socioambientais.
O Projeto “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do Clima”, encomendo pelo governo federal em 2014 e que custou 3,5 milhões, alertava para consequências dramáticas da crise ambiental no Brasil: elevação do nível do mar, mortes por onda de calor, falta de água no Sudeste, piora das secas no Nordeste e aumento das chuvas no Sul. Infelizmente, o projeto foi engavetado. Falou mais alto os interesses do capital… Ao invés de proteger a natureza e amenizar os impactos das catástrofes socioambientais, os governos federal, estaduais e municipais têm alterado a legislação ambiental para favorecer os donos do capital, como aconteceu com o Novo Código Florestal Brasileiro (2012) e com alterações da legislação ambiental no Rio Grande do Sul (2019). Tudo em nome do progresso, do desenvolvimento, da modernização…
O sofrimento do povo gaúcho deve nos levar a tomar “dolorosa consciência” das consequências e do preço desse “desenvolvimento” que sacrifica a natureza e a sociedade no altar do capital. Tomar “dolorosa consciência” é se deixar afetar pelo sofrimento do outro e ser (com)movido a agir em seu favor. Não basta ser afetado e se emocionar. É preciso agir, a) socorrendo as pessoas em suas necessidades mais imediatas (comida, água, roupa, abrigo, medicamento, material de higiene pessoal, consolo etc.), b) reconstruindo infraestruturas coletivas (moradias, pontes, hospitais, escolas etc.), c) revitalizando a economia (plantação, criação, comércio local, empreendimentos produtivos etc.), d) revigorando a esperança e a criatividade (consolo, autoestima, acompanhamento psicológico, vivência religiosa etc.), e) mobilizando a sociedade para uma legislação socioambiental que proteja o meio ambiente da ganância do capital, que implemente e mantenha infraestruturas de defesa e proteção da população.
Como bem advertiu a Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB, “são louváveis e indispensáveis todas as manifestações de solidariedade ao povo do Sul; no entanto, elas não podem ser apenas uma ‘onda caridosa’ momentânea! A ciência e a sabedoria dos povos nos dizem que estes fenômenos vão se repetir, cada vez mais, com maior intensidade, à medida que a temperatura global subir, se não atuarmos decididamente nas causas dos problemas socioambientais”.
Certamente, o mais urgente nesse momento é socorrer as pessoas em suas necessidades mais imediatas. Isso é tarefa dos governos e do conjunto da sociedade. Além disso, é preciso muito investimento público na reconstrução social e econômica do Estado. Mas é fundamental a consciência do preço humano e ambiental do “desenvolvimento” propagado pela grande mídia e promovido pelo Estado, a mobilização da sociedade por uma legislação socioambiental que proteja a natureza e a sociedade da fome insaciável de lucro do agronegócio e da especulação imobiliária e a construção de uma civilização regida pela lógica da fraternidade e não pela lógica do capital.
A vida vale mais que dinheiro!
Não tem “desenvolvimento” que pague uma vida…