A Palavra de Deus nos questiona, levanta muitas perguntas, umas vezes nos responde, outras vezes deixa as perguntas em aberto. Perguntar na perspectiva bíblica é sinal de fidelidade. Sinal que estamos saindo da nossa arrogância, de ter tudo claro e certo. Então perguntar se torna sinal de amadurecimento.
“O que estas vendo Jeremias? ”(Jr 1,11-13). Jeremias nos ensina a ter este olhar. Ele nos ensina a dizer o que vemos: o ramo de amendoeira, a panela fervendo, falam da realidade e ao mesmo tempo do mistério presente na história. Estar para olhar, ler o sinal, interpretar o mistério do Deus na realidade.
O mundo moderno tem gosto pela novidade, novidade da moda, de correr atrás de mestres, das inúmeras lives …. Esquecemos que o Reino está dentro de nós, começa onde estamos (Mc 1,14-15). A comunidade de Mateus repete muito uma pergunta: aonde te vimos Senhor? (Mt 25,31-46). Ver o que vemos no cotidiano da vida.
Para ver é necessário apreender a atitude do silêncio que espera. Esperar para reconhecer, para encontrar sem possuir, como Maria Madalena no jardim (João 20,17). Encontrar não é possuir é experimentar para anunciar.
Apreender a formular a pergunta: quando te encontramos? A resposta a encontraremos no aprendizado do silêncio e da oração. Do silêncio da prisão João Batista manda perguntar: “és tu ou devemos esperar outro?”. Jesus responde: “dizeis o que vedes…” (Mt 11,2-6). Resposta imbuída de cotidianidade. O cotidiano é o tempo do mistério e o tempo que gera sede maior de aprofundar, de penetrar.
Na lógica bíblica o cotidiano é alteridade que ao entrar em contato conosco nos faz permanecer, manter os pés na realidade e não voar para estratosfera. Cotidiano que gera perguntas e exige respostas.
O cotidiano se torna para o ser humano, Templo. O lugar concreto do encontro, do amor, onde celebramos a liturgia da vida (Rm 12,1-2). No Salmo 63,7 o fiel reza: “quando me recordo no meu leito, passo as vigílias meditando em ti”. No meu leito… Nos lugares familiares e humanos experimenta-se o mistério de Deus.
No Livro do Qoelet 3,1-9 encontramos 28 vezes a palavra tempo. Ao ler percebemos que toda construção do texto é organizada de modo antitética e marca a realidade da vida.
Em hebraico, como no grego tem dois vocábulos para indicar o tempo: cronológico: zmàn – kronos; oportuno: ‘et – kairòs.
A proposta semítica do tempo é linear: o tempo vai se construindo de etapa em etapa, entre a visita de Deus e a acolhida que a história faz desta visita. Neste sentido é um tempo sempre aberto, messiânico, porque espera algo: a realização da utopia, alguém, o Messias. Enquanto a concepção grega do tempo é cíclica: um eterno retorno. As duas concepções nos dão a ideia do tempo como sucessão, embora de modo diferente, uma linear, aberta e a outra circular, fechada. As duas, falam de passado, presente e futuro. Nossa maneira de pensar é filha destas duas concepções que marcam a importância do passado e do futuro, o presente é passagem entre passado e futuro.
O pensamento bíblico sobre o tempo se sintetiza na palavra kairòs: kairòs o momento, kairòi os momentos. O momento, os momentos do encontro do sonho Divino sobre nós, sobre a humanidade e a acolhida em nós, na história do sonho Divino. A história é história kairológica e não cronológica: diferentes momentos, diferentes encontros do sonho Divino e da acolhida humana.
Não somos acostumadas a viver o kairós no cotidiano da vida, é difícil para nós aceitar que o tempo que mais conta é o presente. Consideramo-nos eternas. Eternas como pessoas, instituição, igreja, sociedade e assim sempre pensamos em projetar, programar para nos perpetuar. Perdemos a oportunidade do presente, do cotidiano, deste momento. Foi a chamada de atenção de Jesus: vós sabeis ler se vai chover ou fazer sol, mas não sabeis ler a realidade presente!
O texto nos apresenta um outro aspecto: o tempo não nos pertence, não é nosso. O tempo tem valor ético, não quantitativo. Nós reduzimos o tempo a acontecimentos articulados entre datas e horas, a cronologia do tempo. A sabedoria bíblica olha para qualidade dos eventos mais do que a sua quantidade, suas datas.
O tempo oportuno, o kairòs é o tempo do encontro. Encontro com o presente, com a realidade, as pessoas, com Deus. O kairós é o presente que não se pode antecipar, nem se pode vivê-lo olhando o passado. É tempo do encontro, da relação que faz mudar o programa, faz mudar estrada porque é convite a acolher quem e o que está chegando.
Tempo chegando entre antinomias: “tempo para nascer, tempo para morrer; tempo para construir e tempo para demolir; tempo para rir, tempo para chorar…”. Este repetir por 28 vezes (4×7=28) a palavra tempo dentro de realidades antitéticas é para orientar nosso olhar e coração para o tempo oportuno. Na vida saber discernir e reconhecer o tempo oportuno, assim o kronos se torna kairòs.
O presente, kairòs existe entre o antes e o depois: o passado e o futuro não estão longe, mas é o que veio antes ou que vem depois do presente. No centro o presente que existe porque houve o antes e vai permitir o depois.
Tempo em sua dimensão celebrativa, lugar do encontro com Deus, com as pessoas, com a natureza e conosco. A ação ética mais bonita é a adoração. Adorar que é admirar. Admirar o mistério dentro da vida da história. As grandes espiritualidades apontam a mendicância como o ponto mais alto da vida mística. Mendicância é a capacidade de reconhecer que precisamos da amizade, da sabedoria da outr@, do Outr@, de caminhar juntos.
São os votos que faço a mim e a vocês amig@s para o ano de 2022.
Tea Frigerio
Missionaria de Maria – Xaveriana