Vimos (no artigo anterior) que os seres humanos – enquanto pessoas racionais, filhos e filhas do mesmo Pai-Mãe, que é Deus – todos e todas (incluindo as pessoas LGBTQIA+) têm a mesma dignidade. Ora – se têm a mesma dignidade – são também iguais, irmãos e irmãs em Cristo.
Na Igreja “reina (ou, deveria reinar) verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo” (Concílio Vaticano II. A Igreja – LG 32).
Na prática e não só na teoria, “deve-se reconhecer, cada vez mais, a igualdade fundamental entre todos os seres humanos” (Ib. A Igreja no mundo de hoje – GS 29). Será que na Igreja há realmente esse reconhecimento? Não parece! Ao contrário, na Igreja a desigualdade entre as pessoas e entre as Comunidades (inclusive, Paróquias e Dioceses) tornou-se normal, natural e legitimada em nome de Deus. De fato, na Igreja (além da desigualdade entre as Comunidades) temos três classes de cristãos e cristãs: a Hierarquia (1ª classe), a Vida Religiosa Consagrada (2ª classe), o Laicato (3ª classe) Ora, numa Igreja de classes (como também, numa sociedade de classes), falar de igualdade é mentira, é hipocrisia.
A Igreja precisa com urgência se libertar das influências negativas do Imperialismo, do Escravismo, do Feudalismo e do Capitalismo, que – no decorrer da história – incorporou em sua estrutura social e que desfiguraram (e continuam desfigurando) seu rosto evangélico. Infelizmente, a Igreja Instituição sucumbiu às tentações do poder, do luxo e do triunfalismo.
Do ponto de vista humano – portanto, ético – é o pecado social ou estrutural da Igreja: pecado institucionalizado.
“Desenvolvendo perspectivas já presentes no Concílio, mas ainda não explicitadas, vários teólogos – a começar por Congar – têm proposto pensar a estrutura social da Igreja em termos de ‘Comunidade – Carismas e Ministérios’(e não em termos de Hierarquia – Laicato). O primeiro termo, ‘Comunidade’(ou o teologicamente mais denso ‘Comunhão’), inclui tudo o que há de comum a todos os membros da Igreja; e a dupla ‘Carisma e Ministérios’ inclui tudo o que positivamente os distingue. É esta, aliás, a perspectiva do Novo Testamento, onde nunca aparece o termo ‘leigo’ ou ‘leiga’ (e – podemos acrescentar – nem o termo ‘clero’), mas sublinham-se os elementos comuns a todos os cristãos e cristãs e, ao mesmo tempo, valorizam-se as diferenças carismáticas, ministeriais e de serviço. Neste sentido, os termos que designam os membros do Povo de Deus acentuam a condição comum a todos os renascidos pela água e pelo Espírito: ‘santos e santas’, ‘eleitos e eleitas’, ‘discípulos e discípulas’, ‘irmãos e irmãs’”(CNBB. Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas, 62 – 1999). É esse o caminho para “refundar” a Igreja, conforme as exigências do Evangelho de Jesus de Nazaré.
Por experiência pessoal, posso testemunhar: o que nós refletimos – e ainda refletiremos- nessa terceira série de artigos já faz parte (mesmo com limitações humanas) do jeito – novo e, ao mesmo tempo, antigo – de ser Igreja das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que é o jeito de ser de Jesus de Nazaré e que – na pluralidade das culturas e na diversidade das experiências – deve tornar-se o jeito de ser de toda a Igreja.
Talvez seja por isso que, lamentavelmente, existe hoje na Igreja uma oposição silenciosa e organizada – muitas vezes, hipócrita – às CEBs. Os Documentos recentes da Igreja no Brasil não falam mais de CEBs. O silêncio é proposital. Existem cristãos e cristãs – inclusive padres e bispos – que têm medo de pronunciar as palavras “de Base” e “popular”.
Por exemplo, num Encontro de CEBs (reparem: de CEBs!) – um bispo fez uma palestra sobre Comunidade e nunca pronunciou, uma vez sequer, a palavra CEBs. Por que será? Por que tanta dificuldade de declarar que – como cristãos e cristãs – temos lado: o lado dos pobres, o lado de Jesus de Nazaré? Não é uma covardia?
As palavras “de Base” e “popular” lembram-nos que a Igreja – para ser a Igreja de Jesus de Nazaré – deve ser “inserida”, “encarnada” na vida do povo, ou seja, na vida dos pobres.
Voltemos às fontes! A Igreja – como Instituição – não pode se omitir e deixar de viver esse processo de libertação. Estaria traindo o Evangelho de Jesus de Nazaré. Uma “outra Igreja” é possível e necessária. Lutemos por ela!