Não sou daqueles que considera todo/a eleitor/a do atual presidente “gado”. Tal conceituação é uma grande falta de percepção da realidade social, política e cultural de nosso país e, em certo sentido, até desrespeito. Existe uma elite que não quer largar o osso? Sem dúvida. Mas não é possível generalizar e chamar todo mundo de fascista.
Os sistemas eleitorais das democracias não são perfeitos e o do nosso país tem graves problemas. Os diversos interesses que perpassam uma eleição, econômicos, sobretudo, não permitem ter uma visão transparente sobre as forças que estão em disputa.
A maioria das pessoas não consegue lembrar em quem votou para Deputado/a Federal, por exemplo, ou pior ainda, explicar porque votou em fulano ou beltrano, qual o partido, quais propostas tinha para o mandato. Sem falar no fato de que há uma grande confusão na compreensão do que seja poder judiciário, legislativo e executivo. As “bolhas” nas quais a vida está metida não permite verificar como a estrutura existencial das pessoas está dentro de uma grande luta pela sobrevivência e mesmo para quem não passa fome. Sempre recomendo viagens pelo transporte público, de modo especial o trem, para verificar um pouco melhor a realidade, ou os botequins de periferia.
Os mecanismos simbólicos são complexos, cada vez mais o jogo eleitoral é uma grande encenação. Os interesses de fundo quase não aparecem. Nas democracias liberais como a nossa, grupos econômicos disputam um lugar para a manutenção de interesses, na maioria das vezes, ligados ao interesse do “deus mercado”. Bancos, redes de comunicação, indústria farmacêutica, grandes proprietários de terra, agronegócio, etc.
No entanto, nas democracias existe a possibilidade, mesmo com enormes dificuldades, de defender o BEM COMUM. É nesta brecha que pessoas com um pingo de humanidade devem analisar a situação. Na organização da sociedade, a política (arte de governar a cidade em vista do bem comum) não pode ser pensada apenas como um conjunto de valores a serem defendidos, por melhor que eles sejam.
Um gestor político (presidente, governador, prefeito) é uma espécie de gerente executivo de um grande mercado. A impressão que se tem é que tal gerente possui todo o poder para gestar o mercado, mas não é verdade. Podem existir forças poderosas que controlam suas ações. Na maioria das vezes, um funcionário não sabe exatamente quem é o dono do empreendimento.
Contudo, você pode analisar as ações dos gestores. Há sinais que permitem perceber o quanto de justiça social se depreende da “gerência”. O quanto a gerência é capaz de negociar para que tanto a empresa como quem precisa dela não seja prejudicada. É evidente que, neste jogo, quase sempre a “corda arrebenta para o lado mais fraco”.
Ora, o convite que esta coluna faz ao eleitor/a é justamente buscar os pesos na balança da sociedade que indiquem o maior esforço possível para que a justiça social aconteça. Não estamos falando de perfeição, pois três fatores irão sempre intervir para que a justiça não seja completa: os recursos disponíveis na natureza são escassos, há sempre conflito de interesses e não existe garantia de honestidade da parte de ninguém.
O que significa, na prática, o que foi dito acima? Por exemplo, alguém pode ser contra o aborto, pois sabe ser este um tema que mexe com as entranhas de muitos, mas aceita políticas que cortam verbas no campo da saúde produzindo, consequentemente, muitas mortes.
Pode-se defender a família “tradicional” veementemente, mas não apoia políticas públicas que combatem a violência doméstica, que verdadeiramente destrói as famílias. Escondem-se atrás de um discurso religioso intolerante que nada tem a ver com o Caminho de Jesus Cristo.
Porém, pode-se observar ainda mais. O noticiário frequentemente, com todas as contradições dos meios de comunicação que também tem seus interesses, fala de pessoas que destilam ódio, intolerância, violência, xingamentos, ameaças e se pode facilmente identificar quem essas pessoas apoiam no campo político.
Ora, não se está aqui defendendo a integridade de A ou de B no campo da política, mas da percepção dos sinais. A mera alusão a um passado de possível corrupção ou de sentenças que se demonstraram injustas não garante tranquilidade para afirmar que estamos em um momento de recuperação. Muito pelo contrário.
Assim sendo, como em uma travessia de via férrea: pare, olhe e escute.