É verdade que quando nos deparamos com o cenário eclesial atual, bate uma tristeza profunda e parece-nos que todo esforço, estudo, encontros de formação… Deram em nada, ou quase nada…Temos a sensação de estarmos a “morrer na praia”, conforme um dito popular. Não é diferente quando percebemos o descaso de algumas (muitas) dioceses, que sequer mencionam o termo: sinodalidade… Quando muito, se dão ao trabalho de ler o que infelizmente, raramente os folhetos litúrgicos trazem em alguma prece… Fato recorrente, é ouvir com um certo desdém por parte de seminaristas e padres: sinodalidade? O que é isto? Ou então: aqui já “fazemos” sinodalidade. E sem querer, a gente deixa escapar um “pobre Papa Francisco”!
Também é verdade que existe toda uma trama para impedir que este processo avance, mesmo dentro das nossas igrejas. O próprio Papa tem sido duramente atacado e criticado, inclusive por aqueles que deveriam estar a seu lado neste momento em que um trabalho em mutirão se faz necessário.
Há três anos da retomada da sinodalidade na Igreja, numa tentativa de responder aos anseios do Concílio Vaticano II, e, mesmo diante de tantos desafios, resistências e omissões, e de algumas incoerências traduzidas no Relatório Síntese, como frutos da primeira sessão da Assembleia Sinodal, além da falta de perspectivas de um processo assumido em larga escala pela Igreja no Brasil, diga-se, CNBB, é importante valorizar as pequenas iniciativas que nascem nas bases e fomentam este jeito normal da Igreja caminhar.
Retomo a expressão “incoerências” presentes no Relatório Síntese, não a título de crítica pela crítica, mas no sentido de que muitas temáticas lá discutidas já fazem parte de nossas agendas, de nossas lutas e preocupações e requerem respostas mais urgentes. No entanto, elas nos retornaram precisando de aprofundamento. Não creio que algumas delas necessitem propriamente de aprofundamento, mas sim de posicionamentos. Citarei uma como exemplo que é a questão das mulheres. Neste quesito, o que mais precisa ser aprofundado, que já não esteja profundamente alicerçado na Bíblia (as parideiras, as parteiras, (Êx 1, 15-22); Agar e a mulher siro-fenícia (Gên 16); nos evangelhos (Mc 7, 24-30 e Mt 15, 21-28), o encontro das mulheres estrangeiras diante do Deus de Israel; o encontro de Maria e Isabel (Lc 1, 39-56); Cléofas e sua esposa, (Lc 24,13.18); “Os onze e Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago, e as outras que estavam com elas” (Lc 24,10); nos Atos dos Apóstolos: “algumas mulheres, Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos” (At 1,14); no Apocalipse 12); dentre tantos outros exemplos; e ainda por uma teologia feminista e sorofraternal, mas principalmente, por uma prática cotidiana nas bases das comunidades? É incoerência fazer de conta que este tema não gera desconforto, uma vez que ele coloca a mão na ferida do clericalismo e do patriarcado eclesial, além de exigir mudanças fortes no exercício das tarefas eclesiais.
É importante considerar que a “salvação” não virá com da conclusão da Assembleia do Sínodo. A Assembleia poderá nos ajudar a fortalecer nossas práticas, definir melhor nossa missão, fortalecer a nossa comunhão e participação. Também não virá do Papa Francisco, por mais que suas posturas nos ajudem, e por ter sido ousado em retomar este caminho sinodal como prática constitutiva da Igreja. Também não podemos colocar a solução nos ministros ordenados.
Parafraseando o provérbio africano, ouso dizer que: muitas Comunidades na base, mesmo que em algumas Dioceses, mas vivendo a verdadeira sinodalidade, mudarão o rosto da Igreja. Não é exagero! É possível e é real. Existe uma parcela da Igreja que levou e está levando muito a sério este compromisso por uma Igreja Sinodal. É necessário que apostemos na base, nos processos que vêem de baixo, nas pequenas iniciativas porque elas chegam ao coração das pessoas.
Assim, não precisamos esperar os resultados da segunda fase da Assembleia do Sínodo. Precisamos ESPERANÇAR. E esperançar não é esperar, mas fazer acontecer aqui e agora. Desse modo, algumas questões que estão para ser aprofundadas no Relatório Síntese já podem ser evidenciadas, retomadas, refletidas, e MUDADAS a partir de nossas comunidades. Vamos lá?
- Resgatar o sentido da sinodalidade, que é caminhar juntos, pois a Igreja somos todos nós, batizados/as. Sinodalidade vivida no dia a dia, na convivência. Somos chamados/as, como povo de Deus, a “sentar” juntos/as, nos espaços de participação e decisão, como conselhos de pastoral, assembléias e dos diferentes serviços da comunidade eclesial, pastorais sociais, missão, catequese…. Nossa participação nos conselhos e assembleias é de decisão ou apenas somos ouvintes? Podemos nos manifestar, questionar… Somos ouvidos?
- As mulheres são parte do corpo que é a Igreja. Olhemos com atenção lá nas nossas comunidades, grupos, famílias e demais espaços: como as mulheres são tratadas? Que espaços elas ocupam? Como vamos avançar para que a presença das mulheres na Igreja vá além do mero reconhecimento: garantindo a sua participação nos espaços e processos de decisão; resolvendo os casos de discriminação laboral e de remuneração desigual; usando uma linguagem inclusiva nas liturgias…?
- Revisitar as riquezas do Concílio Vaticano II e o método Ver, Julgar e Agir. Ele é um forte elemento para descobrirmos muitos e novos dons e carismas na comunidade. Em que medida podemos reincorporar e adaptar o método às nossas práticas: reuniões, seminários, assembléias, projetos, serviços pastorais…?
- Os pobres são protagonistas no caminho eclesial. Eles pedem respeito, acolhimento, amor e reconhecimento na sua dignidade como filhos e filhas de Deus, como sujeitos da sua própria caminhada de crescimento. Como superar as ações meramente assistencialistas? Que projetos de inclusão social podemos iniciar a partir das nossas comunidades? Vamos valorizar o Ensino Social da Igreja através de estudos e formação?
- Ecumenismo. Sabemos que a colaboração entre todos os cristãos constitui um elemento fundamental para fazermos frente aos desafios pastorais, sociais do nosso tempo, dando mais força à voz do Evangelho, inclusive, é um forte recurso para sanar a cultura do ódio, da divisão e da guerra que contrapõe grupos, povos e nações. Como podemos intensificar nossa relação com outras igrejas para além das Campanhas da Fraternidade Ecumênicas? Que ações locais são importantes através de um trabalho conjunto, sobretudo nos contextos de pobreza, para unir forças no serviço da justiça, da paz e da dignidade dos últimos?
Acreditemos no potencial que está em nós e na comunidade para continuarmos insistindo como fermento, numa Igreja povo de Deus.
Conheça a Cartilha “Igreja Sinodal em Missão” organizada pelo CNLB, Cáritas Brasileira e CCB Jesuítas – Uma reflexão sobre a sinodalidade! https://cnlb.org.br/uma-igreja-sinodal-em-missao-cartilha