ColunistasIrmã Eurides Alves de Oliveira, ICM

‘PINTOU UM CRIME!’

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

“A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente!” 

Art. 227 CF- § 4º

Estou indignada e estarrecida, mergulhada num ensurdecedor grito preso na garganta, diante do ato criminoso com crianças e adolescentes de todo o país, desde o dia 14 de outubro, p.p, quando viralizou nas redes sociais a declaração abusiva do atual presidente e candidato à reeleição, Jair Messias Bolsonaro (PL) dizendo: “Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, se eu não me engano, em um sábado de moto […] parei a moto em uma esquina, tirei o capacete, e olhei umas menininhas… Três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, em uma comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida”.  

Já lamentei, xinguei, me expressei nas redes sociais, me juntei às ações de protestos da rede de proteção à infância através do Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual de Crianças e Adolescentes e toda a rede de proteção, para afirmar que não “pintou um clima”, “PINTOU UM CRIME”. Um crime de violência sexual e institucional.

Hoje, senti-me impelida a escrever nesta coluna sobre este ato criminoso, como um espaço de diálogo, para fazer um apelo e um alerta a você que é pai, mãe, tia, tio, irmã e irmão de crianças e adolescentes neste país. Por favor, pare e pense: é este homem que você quer que continue sendo o Presidente da República, mesmo sabendo que ele viola a dignidade das crianças e adolescentes, objetifica e institucionaliza a sexualização de seus corpos, naturaliza a violência sexual infanto juvenil, tão alarmante em nosso país; que discrimina e ridiculariza a vulnerabilidade das meninas pobres e migrantes? E perguntem-se: “se fosse com alguma adolescente de sua família”, você acharia normal, um homem de 67 anos, dizer que “pintou um clima’ e insinuar que por estarem “arrumadinhas”, são garotas de programas? Não seja cúmplice! Não naturalize essa postura criminosa, misógina e machista vinda de qualquer pessoa, muito menos, vinda da autoridade máxima da nação. Lembre-se, não “pintou um clima”, “pintou um crime”, e isso é inaceitável! As crianças e adolescentes precisam de proteção e cuidado, direitos e oportunidades para crescerem sem violência.

A violência sexual contra crianças e adolescentes é uma das formas mais perversas de violência. Caracteriza-se pelo uso da sexualidade desta população, violando sua dignidade, seus direitos sexuais e sua intimidade, roubando-lhes sua infância e adolescência. Esta faceta da violência é estabelecida pelas relações de poder, de mando e obediência, principalmente quando a vítima é uma criança e/ou um/a adolescente. A violência sexual consiste no abuso sexual intrafamiliar e extrafamiliar, na exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da UNICEF demonstram que entre os anos 2017 e 2020 foram registrados 179.277 casos de estupro de vulneráveis no país, com vítimas de até 19 anos – uma média de quase 45 mil casos por ano; 80% deste total, com meninas, a grande maioria com idade entre 10 e 14 anos. Sabemos que isto é só uma amostra de um triste cenário, pois há inúmeras outras formas de violências contra crianças e adolescentes neste país, como esta fala machista, vexatória, de prevaricação e preconceito do atual presidente da república que pleiteia reeleição. Não podemos naturalizar nem referendar essa prática criminosa nas urnas no próximo dia 30/10. Ele não!

Todas as instituições, entre elas o Estado, através de seus governantes, têm o dever constitucional de enfrentar esta realidade e proteger as crianças e adolescentes com absoluta prioridade. Não cumprindo esta prerrogativa, devem ser responsabilizados, punidos conforme prescreve veementemente o artigo 227 da constituição federal: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.   

Desde a chegada de Bolsonaro ao planalto, o país tornou-se um campo fértil para crimes sexuais e toda sorte de violências e violações de direito, cujas vítimas são as minorias pobres, os negros/as, indígenas, mulheres, migrantes, crianças e adolescentes. Gerou-se uma cadeia produtiva de violações de direitos, que não podem ficar impunes. São crimes que vão desde o fomento dos grandes projetos que agenciam crianças e mulheres para a exploração sexual comercial e o do tráfico de pessoas, como o agro e hidronegócio, o garimpo e as áreas de desmatamento, o corte de recursos no orçamento público para a prevenção e o enfrentamento à violência sexual de crianças e adolescentes, a defesa do rebaixamento da maioridade penal, o incentivo e a liberação ao acesso às armas, ao enfraquecimento dos espaços de participação e controle social, como os Conselhos Paritários.    

Diante dessa cruel realidade, temos o dever ético de dar uma resposta nas urnas, bem como, de aderir e apoiar o manifesto de repúdio e os processos judiciais das organizações de Direitos Humanos e da Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes. Leia, assine e divulgue o manifesto pela dignidade da infância e em repúdio a ações e omissões da autoridade pública, diante de violações de direitos: https://www.facabonito.org/?fbclid=IwAR2jg2HCgfVI8VwNjx7PRQG3H0LGPi9z_4pnvKBbo8hywfICbs7eVHunk2g

E como comunidades cristãs, lembremos o que nos diz o Evangelho: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam, pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas” (Mt. 19,14). Parafraseando, diante destes cenários e fatos de violência contra as crianças e adolescentes, com certeza Jesus diria: proteja as crianças e adolescentes, não as violentem, não as explorem sexualmente, denunciem, repudiem todos aqueles que as maltratam, pois elas são as protagonistas do Reino de Deus! Garanta-lhes espaços e políticas públicas que lhes proporcione uma vida digna. Faça bonito!

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